ORGASMO

Passeavam livres, de mãos dadas, dedos entrelaçados, e passarinhos brincavam alegres a voar pelo mesmo caminho, o caminho entre as flores, as rosas que ora ali amarelas, violetas, rosas, beges, cor da tarde...

Era uma alameda que chegava a um chafariz.Uma mulata cor de bronze sem bronze, nua em feixes de pano pelas coxas, derramava a água do seu jarro, do jarro que era seu por ela suporta-lo em seus ombros.

Mas era um casal: dois rapazes, um negro e outro branco-pálido.Era a noite, era a tarde.O sol era brando, era manso, e mais distante na relva-capim os gansos marchavam sem consciência do onde chegar.

A jaqueira fazia uma sombra, e ali sentaram-se sob a sombra, mas seus frutos amadureciam – pelos troncos – muito perfumados.

O branco-pálido apertou a mão do mulato, trouxe esta sua mão para o seu regaço e confessou numa alegria intima e estúpida:

Sabe este aroma das jacas me embebedam!

O outro sabia: um desejo de beber água do chafariz, assim como os passarinhos, livre.Era livre por graça própria como se a vida não devesse a obrigação do todo dia.

Assim também era sob a sombra.

A mutação lenta d ávida sob os mesmos olhos tristes que as vezes acontecia uma alegria ou outra.

Os corpos, ainda com roupas, abraçaram-se, entrelaçaram-se como no ainda pouco as mãos, encontraram-se quentes na sombra da jaqueira com seus frutos apodrecendo; os corpos revezavam seus suores no chiado de ansiedade cheia de prazer.

Assim aconteciam os lábios num beijo, as línguas se procurando...

Era bom assim, e ainda assim podia se ouvir a natureza num gemido silencioso.

Os sexos se roçavam sem ainda o nu.Havia o pudor dentro do impudor.Como um recheio nada agradável dentro de um bolo tão saboroso.

Cítrico o beijo quente e suado, apertado entre as roupas que eram a ponte entre o êxtase e a realidade tacta.

Tudo morria lentamente hoje para nascer plenamente, novo como todo dia, amanhã: as sombras cresciam pelo espaço visto, as flores pareciam cansadas e murchas, os passarinhos procuravam abrigo na copa da jaqueira, até o rumorejar da água da fonte parecia descansar numa modorra rumo ao infinito.

O constante era aquele êxtase, mas como se tivessem consciência de que assim não podiam nem deviam gozar, assim pararam.

E eram pálidos, gastando a sombra de energia numa fimbria de um beijo como um soluço tremulo.

Assim se surpreenderam de pé cada um olhando o seu próprio sexo em volume rígido pela roupa, rindo sem-vergonhas como que com pena das flores envelhecendo no dia de hoje no jardim.

Era verdade, voltavam de mãos dadas sobre a mesma alameda.O mundo a sua volta adormecendo podre sobre as sombras da escuridão anil que chegava.

O ponto culminante da alegria foi o grito da cigarra, desesperado no invisível da imensidão, e os dois olhos de um sorriso pleno de ânsia de gozo entre mãos unidas.Presos um no outro suportavam o próprio pudor que os atingia.

Lembravam sim enquanto caminhavam tão unidos, quase como um só, olhando o avermelhado do horizonte se tornar lilás, lembravam sim que a noite apodrecia como tudo apodrecia pela noite, ganhando vida nova no dia seguinte.

E um pássaro cortou o céu já escuro em fuga desesperada para o abrigo desconhecido sobre suas cabeças que se viraram autômatos pata trás:

Afinal não era o caminho que se bifurcava era a própria imensidão mutável das luzes da atmosfera comum a qualquer um.

De qualquer modo todo mundo era muito feliz até chegar ao gozo.

. . .

AUTOR: RODNEY ARAGÃO.

7 DE NOVEMBRO DE 2005