Lisa e a Redenção. Ok
Lisa e a redenção.
Estavam há tanto tempo juntos, oito anos, ensino médio, faculdade, um namoro que cheirava a amizade com sexo e, na maioria das vezes, sem sexo. Não existiam surpresas, encantamentos, suspiros ao anoitecer. Tudo era tão morno. Quase uma obrigação. Lisa sentia o seu descaso e enfado permanente e, principalmente, uma exasperação constante quando chegava perto dela. No entanto, não conseguia tomar uma decisão. Ela tinha dúvidas, inquietações, muitas interrogações. Ele, o silêncio sem respostas. As noites chegavam rápido, mas, ele não. Tinha como companhia nas noites solitárias, as músicas de Zélia Duncan, cazuza, os livros e os filmes. Tentava conversar com ele sobre assuntos de todos os tipos, mas as respostas evasivas e distantes a afastavam para muito longe. Às vezes, sentia o seu olhar claro e translúcido, mas quando o olhava, ele desviava os olhos, arredio, agitado. Não havia mais perguntas ou respostas entre eles. Viviam em elementos diferentes, estavam diferentes. Precisava tomar uma decisão. E o medo.
O talvez namorado (pois, já não sabia mais o que ele era na sua vida) vivia faltando aos encontros, não cumpria as promessas, chegava atrasado, possuía muitos compromissos aos quais ela não fazia parte. Dava desculpas bobas e incoerentes para as ausências. Lisa acreditava ou tentava aceitar, pois amava, amava e amava Não imaginava a vida sem o namorado. Afinal, lera muitos livros românticos na adolescência, talvez isso tenha causado algum prejuízo nos seus neurônios. Na verdade, haviam construído um mundo juntos: o apartamento, e outras tantas coisas práticas. Mas, os sonhos sonhados em conjuntos eram os que mais doíam. Pensava sempre na letra da música Eu te amo de Chico Buarque. Se na desordem do armário embutido do armário, meu paletó enlaça o teu vestido, e o meu sapato inda pisa no teu. Não, acho que estavas te fazendo de tonta. Te dei meus olhos pra tomares conta. Há se já perdemos a noção da hora. As vidas se misturaram e agora. E agora.
A cada dia, sentia uma angústia imensa, olhava o distanciamento, a despedida a prestações, todos os dias, parece saia um pouco dele para outro lugar ao qual ela não possuía acesso. O coração tinha certeza, há muito tempo fora embora. Ficara pra ela somente aquela sensação de piedade e canseira. Ele queria colocar um ponto final numa frase que não havia terminado pra ela. Doía muito a espera daquele ponto final.
Até que veio o convite: - Vamos assistir o desfile do sete de setembro?- Ele perguntou.
Era uma manhã linda, colorida numa redenção enfeitada pelos ipês roxos e amarelos formando tapetes para que Lisa pudesse passar. É claro que iria, porém sabia que no final daquele desfile, não teria mais volta, não havia mais como fugir. Mas, não queria pensar no momento, preferia voltar ao passado. Aqueles dias em que vivia feliz, em que achava que seria para sempre. Quantas ilusões bobas. Passou o amor como passam as chuvas de verão no final da tarde.
Sabia o quanto ele tentava lhe dizer adeus, porém seus olhos chorosos como um animal mendigando amor, sempre o impedia de proferir aquela palavra que a fragmentaria em pedaços. Ela se sentia culpada, pois não era orgulhosa, altruísta e digna. Não, não era nada disso. Era fraca, covarde, não nascerá para ser heroína, bem que tentará ser forte. Ás vezes, pensava no livro A hora da Estrela e se via a própria Macabea. Talvez, houvesse um carro chegando. Um sonho. Talvez. Chegara o dia. Era o dia. Ele estava lindo, alto, moreno com aquele blusão preto combinando com seus olhos verdes. Olhava-o perdidamente tentando gravar a sua imagem.
Maldito sete de setembro. Nunca esqueceria esse desfile, o parque farroupilha, as escolas. As crianças. Tantas que ela sonhara para eles. O momento em que a erguerá para que enxergasse melhor o desfile. Contudo, não virá nada, a não ser seu rosto moreno, os olhos translúcidos quase transparentes que a transpassavam. Sentirá o seu cheiro, estava impregnado nela. O seu rosto, sua fragrância tão próxima e tão longe ao mesmo tempo. Lisa rezará tanto para aquele instante tornar-se infindável. Mas não aconteceu nada.
-Temos que conversar.- Ele a largará e dissera com sua doce indiferença de quase estranho.
Ela pensou, vou ser forte e digna.
-[ - Lisa não sou homem pra ti. Tivemos bons momentos. Contudo, conheci alguém. -Ele começou a falar.
-Lisaaaaaa!
Agora seriam felizes para sempre. Sentia-se leve solta. Não haveria adeus. Ela fora embora, finalmente fora digna. Ele olhava desatinado o corpo inerte de Lisa. O encarnado misturava-se com o loiro dos cabelos espalhados naquela redenção colorida de ipês, roxos, amarelos e agora vermelhos.
2005----09/2007