Orinsuke e Os Sete Trovões - Cap 10: Apresentações

No primeiro dia foi concedido à Orinsuke o devido descanso depois da longa viagem. Kiha o conduziu até o refeitório, onde consumiu um belo prato de frutos do mar preparado pela senhora Ouchi, cozinheira-chefe em Jinkai. Logo em seguida conheceu o alojamento dos aprendizes. O local abrigava uma série de pequenas cabines, que serviam de dormitórios individuais, separadas por um único corredor. O lugar estava deserto.

Kiha informou que os alunos ainda não tinham voltado de uma atividade na muralha. Assim que ficou sozinho em seu singelo e pequeno quarto, composto apenas por um colchão e um armário para guardar objetos pessoais, Orinsuke não conseguiu pegar facilmente no sono. Sua mente estava inquieta, numa mistura de alegria, por ter sido considerado oficialmente um aprendiz de samurai, e expectativa tensa, por não saber se daria conta desse que era agora o maior desafio de sua vida.

Pensou em sua antiga vida e em tudo que deixara para trás, suas rotinas diárias cuidando da propriedade, dos animais e da plantação. Pensou no Sr. Onoke, em como ele tocaria sua vida daqui para frente. Sabia que muitos garotos gostariam de receber algum trocado para trabalhar nas pequenas fazendas. Torcia para o velho pai encontrar logo alguém para ajudá-lo nos afazeres domésticos. Prometeu a si mesmo que sempre que pudesse visitaria o pai, mostrando que jamais o esqueceria.

E pensou em Yume, a amiga de Kimoto cujo reencontro lhe trouxera enorme satisfação. Ela também estava treinando para ser uma samurai, iniciando, assim como ele, o sonho de se tornar um guerreiro de elite. No futuro, quem sabe, poderiam estar juntos em missões verdadeiras, não mais brincando como faziam antigamente ao lado dos amigos, o quarteto inseparável.

Adormeceu com essas lembranças.

Orinsuke estava de volta ao mesmo descampado onde havia encontrado a katana com um bilhete pendurado. Desta vez não havia mensagem, e a espada emanava a mesma áurea de energia que o atraía. Confiante, segurou no cabo da espada e a ergueu do chão. A arma era leve, poderosa e brilhava na luz pálida do dia nevoento.

Um ruído chamou sua atenção e percebeu que não estava sozinho. Do meio dos arbustos surgiu uma figura sombria. Orinsuke não conseguia distinguir seu rosto ou suas vestimentas, mas conforme se aproximava percebeu que a pessoa, mesmo encoberta por sombras, possuía a mesma estatura que ele, provavelmente alguém da mesma idade. A figura caminhou em sua direção com passos curtos e parou a alguns metros.

“Quem está aí?” perguntou a sombra.

- Eu me chamo Orinsuke. E você, quem é? Não consigo enxergá-lo.

“Sua voz é diferente. Não é a garota. Onde ela está?”

- Não sei de quem está falando.

“Então ela ainda não te achou. Mas pode esperar que vai. Ela disse que está procurando por todos nós”

- Desculpe, não entendo do que está falando. Quem é essa garota?

“Não sei. Agora tenho que ir, tem alguém me chamando”

- Não….espere.

Orinsuke esticou o braço na tentativa de alcançar a figura a sua frente, mas ela desapareceu, seu formato sombrio dissipou-se e foi carregado pelo vento.

No dia seguinte bem cedo, Kiha apareceu no alojamento e foi direto ao quarto de Orinsuke. O garoto acordou assustado com as batidas na porta e se aprontou o mais rápido possível. Logo em seguida, sob os olhares de todos os aprendizes, foi conduzido ao refeitório para o café da manhã. Apesar do constrangimento de ser o centro das atenções naquele momento, aproveitou a mesa farta, e repleta da deliciosa comida preparada pela Sra. Ouchi, a melhor cozinheira do clã.

O refeitório estava cheio de garotos e garotas da sua faixa de idade, observou Orinsuke. Eram ao todo uns vinte aprendizes no recinto, talvez menos. Aquela cena de certa forma o deixou aliviado, pois, apesar de estarem a mais tempo juntos em treinamento, todos pareciam compartilhar da mesma inexperiência que ele.

Lembrou de Yume e tentou avistá-la no meio da turma. Achou a amiga num canto do salão, degustando devagar seu café da manhã. Pensou em como ele, um garoto ignorante que só sabia cuidar da lavoura, de vacas e mulas, e ela, uma garota tão meiga, educada e inteligente, estavam agora trilhando o mesmo caminho.

- E aí, novato, de que lugar você saiu? - falou um garoto de cabelos curtos avermelhados e olhar provocador. O mesmo tinha cutucado o braço de Orinsuke para chamar sua atenção.

- Ah, oi. Eu me chamo Orinsuke. Sou da aldeia de Kimoto.

- E onde fica isso? - perguntou outro garoto, que estava terminando seu imenso café da manhã, repleto de tudo quanto era ingrediente. Orinsuke ficou pensando como ele conseguis comer aquilo tudo.

- É bem distante – respondeu Orinsuke – Fica ao sul, próximo ao rio da serpente.

- Nunca ouvi falar – disse o garoto comilão.

- Já ouvi falar desse lugar. Meu pai é mercador e viaja bastante. Certa vez disse que tinha ido ao extremo sul, numa aldeia que produzia boas verduras, chamada Kimoto. - a garota que falou tinha cabelos longos e pretos como a noite, belos olhos cor de mel e rosto sem expressão, despreocupado.

-Isso não importa – disse o garoto de cabelos vermelhos – Esses lugares são sem importância e esquecidos – Orinsuke se incomodou com o comentário e baixou a cabeça, olhando para o prato vazio.

- Me diga, Orinsuke de Kimoto – continuou o garoto – O que um camponês como você veio fazer aqui em Hikuran? Kiha-senpai viu alguma coisa em você ou só o contratou para trazer as bagagens?

Os garotos da mesa riram alto da piada.

- Se eu fosse você não ligava para esses idiotas, Orinsuke. Eu me chamo Taira. O idiota número um é o Takeda – disse apontando na direção do garoto de cabelos vermelhos – E o idiota número dois, o comilão, é o Jorubo. Prazer.

- Tudo bem, é só brincadeira. Prazer.

- Isso mesmo, camponês, é só uma brincadeira. Ainda bem que sabe disso.

- Essa da bagagem foi ótima, Takeda – riu Jorubo, quase engasgando com a comida.

Os garotos continuaram rindo. Orinsuke, disfarçando com um sorriso sem graça, olhou na direção onde Yume estava, no outro lado do salão. A mesma encarava-o com uma expressão séria. Logo depois desviou o olhar e levantou da mesa para levar o prato vazio ao balcão onde estava a Sra. Ouchi.

Depois do café da manhã, os aprendizes se reuniram para a preleção matinal do sensei Azura, principal responsável pela formação da nova geração de samurais do clã Wanabi. E para constrangimento de Orinsuke, o mesmo foi colocado na frente da turma para ser apresentado aos demais.

- Muito bem, prestem atenção. Iniciamos há um mês os treinamentos com a nova turma de aprendizes do nosso honorável clã. Depois que chegamos ao número limite da turma, não costumamos aceitar mais ninguém no mesmo ano. Mas uma exceção foi estabelecida neste período. Portanto recebam o mais novo integrante da turma, Orinsuke da aldeia de Kimoto – O sensei puxou novato para sua frente a fim de colocá-lo exposto para os demais aprendizes.

Além dos rostos que teve o prazer, ou desprazer, de conhecer no refeitório, Orinsuke estava agora encarando todos os seus companheiros e companheiras de aprendizado.

- Queria saber que exceção foi essa que fez o camponês quebrar as regras assim – cochichou Takeda para Jorubo.

- Talvez porque conseguiu carregar mais bagagens do que qualquer um. Deve ser essa sua habilidade – respondeu o outro, também cochichando. Os dois riram baixinho.

- Silêncio – ordenou o sensei – Tenho que dizer também que no primeiro momento Orinsuke não ficará conosco. Primeiro terá que iniciar seus primeiros trabalhos físicos para se adaptar à nossa rotina de atividades. Eu também cuidarei dessa atribuição extra. Portanto, declaro esta apresentação encerrada.

Depois da curta apresentação, os aprendizes se dirigiram para o dojo de treinamento, sob os cuidados de Ranko, auxiliar do sensei, enquanto que Orinsuke permaneceu no mesmo local para iniciar seus primeiros passos no treinamento samurai.

- Muito bem, garoto – disse o sensei – Daremos início ao processo. Vamos ver do que você é feito. Se é merecedor do caminho da espada – Orinsuke engoliu em seco diante das palavras de Azura.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 01/12/2019
Reeditado em 01/12/2019
Código do texto: T6808385
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