Orinsuke e Os Sete Trovões - Cap 8: Um novo caminho
Kiha e Katayama não perderam tempo com explicações longas. Assim que o Sr. Onoke despertou, os samurais, em tom de bastante seriedade, trataram de dizer o motivo pelo qual Orinsuke deveria ser escoltado até a capital do clã Wanabi. Kiha foi porta-voz da notícia.
- Muito bem, Orinsuke, da aldeia de Kimoto. Mesmo não sendo tão rápida como gostaria, eu consegui evitar que o pior acontecesse com seu pai, mas foi você que deu o golpe final que tirou a vida do líder dos bandidos. E isso só foi possível porque manifestou um poder considerado extinto a muitos anos. Chamado de Caminho da Floresta, dá àquele que o possui a capacidade de se conectar com as formas vegetais. Acredito que a explosão de raiva que sentiu foi o estopim para a manifestação, e a intensidade com que foi liberada foi demais para sua mente, causando seu desmaio.
Orinsuke estava com os olhos arregalados, surpreso com a revelação trazida por Kiha. Ao seu lado, o Sr. Onoke escutava com atenção toda a conversa. Então tinha sido ele que matou o líder do bando de assaltantes, utilizando uma espécie de poder raro que mexe com as plantas?. Jamais teria a intenção de tirar a vida de alguém. Ou uma parte de si queria fazer o que fez?
Lembrou do momento em que viu o Sr. Onoke à beira da morte, ferido por um homem perigoso e perverso que estava prestes a machucar Kiha também. Nessa hora, tomado pelo pânico, só queria afastar o perigo.
Logo em seguida, Kiha continuou sua fala.
- Há muito tempo houve uma guerra que envolveu a maioria dos clãs de Endo. Esse conflito deixou um rastro de mortes e destruição. Eu e o Katayama, como todos os jovens aprendizes naquela época, ficamos encarregados de proteger as crianças, os velhos e os doentes na aldeia-capital. Soubemos pouco do que aconteceu nas linhas de frente, mas o certo é que muitos samurais pereceram, inclusive clãs inteiros deixaram de existir.
- Clãs inteiros? - Orinsuke achou o fato bastante chocante.
- Sim. Mesmo depois do fim do conflito, esses clãs foram caçados pela aliança vencedora na guerra. E o motivo era um só: não permitir que suas técnicas, consideradas perigosas demais, continuassem existindo, pois seu poder era temido e invejado. Ficaram conhecidos na história como os Caminhos Proibidos. Não sei muito a respeito, mas ouvi dizer que eram sete ao todo, e o caminho da floresta é um deles.
- Estou confuso com tudo isso. Esse poder que vocês falaram manifestou-se sem que eu pudesse controlar. Tenho medo que isso se repita. Tenho medo de machucar as pessoas ao meu lado - Orinsuke olhou para o pai e viu o mesmo de cabeça baixa, pensativo.
- Um treinamento adequado fará você controlar melhor esse poder – falou Kiha.
- Treinamento? Como assim? - Orinsuke se encheu de temores. Algo nas palavras de Kiha trouxe angústia ao seu coração, como se fosse posto no meio de uma encruzilhada.
- Muito bem garoto, foi isso mesmo que ouviu - disse Katayama, de maneira mais firme. - O que aconteceu com você foi algo que a maioria dos samurais não imaginava encontrar jamais. Você despertou uma técnica considerada perdida e isso acabou de trazer uma mudança, não só para você como também para o mundo samurai. Precisa vir conosco para a aldeia-capital. Vai treinar para ser um de nós.
Orinsuke, com os olhos arregalados, sentiu o coração acelerar e começou a suar. Não acreditava que tinha ouvido aquilo. Acabara de ser convidado para ir à aldeia-capital, começar um treinamento para se tornar um samurai. Logo ele, um simples camponês, tendo a oportunidade de realizar algo que parecia ser um sonho distante. Nessa hora lembrou do sonho com a katana no bosque e do samurai ofertando sua arma. Seria um sinal do que viria a acontecer?
Tomado por um repentino pavor, lembrou que o Sr. Onoke também estava no sonho e que o velho pai afundou numa poça de sangue pedindo sua ajuda. E se não fosse um sinal, e sim um mau presságio? Olhou mais uma vez para o pai e o mesmo continuava cabisbaixo, sério, para ele o retrato da fragilidade de um homem idoso, ferido e que poderia ficar sem seu filho, o único ajudante nas tarefas da lavoura.
Não seria justo.
- Mas e o Sr. Onoke? Ele depende de minha ajuda em sua propriedade. Não posso simplesmente sair assim, abandonando-o
- Você não tem escolha, Orinsuke, não pode retornar para sua vida anterior – falou Katayama - A notícia a respeito do que aconteceu no bosque já deve ter se espalhado entre os aldeões. E você sabe, essas notícias correm longe e de forma rápida.
- Ele tem razão – disse Kiha - Se ficar sozinho naquela aldeia distante, com essas notícias circulando por ai, você e o seu pai correm perigo. Lembra da história sobre os clãs que foram caçados no passado? Se descobrirem que alguém manifestou um dos caminhos proibidos, não sei se os outros clãs ficariam inertes diante disso. Uma outra caçada poderia ser promovida, o que ameaçaria a segurança de todos em Kimoto. Sinto muito, mas a partir do momento que despertou esse poder, sua vida não é mais um problema seu. Você vem conosco.
- Por favor, poderiam me deixar a sós com ele? - pela primeira vez o Sr. Onoke se manifestava na conversa.
Assim que Kiha e Katayama saíram da sala, Onoke voltou a falar.
- Chega, Orinsuke. Eu sei que sempre nutriu o sonho de ser um guerreiro, sempre admirou os samurais. Confesso que nunca levei muito a sério essa ideia, achando ser apenas uma fantasia da juventude. Mas agora vejo que estava errado. Se a vida nos levou a esse ponto é porque os Kami assim o querem. Se esse é o seu destino, siga atrás dele, garoto.
- Sr. Onoke? Por que? - indagou Orinsuke.
- Sou um velho artesão que não tem tanto tempo de vida assim. Você é jovem e tem uma vida inteira pela frente. De certe forma, eu sempre soube em meu coração que esse momento chegaria um dia. Além disso, eu prefiro ver meu filho longe e seguro, construindo seu sonho, do que perto de mim, imaginando em que momento viriam pegá-lo.
- Numa situação de perigo – continuou o Sr. Onoke - eu não poderia fazer nada por você, nem por nós. Nesse momento não há lugar mais seguro do que ao lado desses samurais. A vida deles não é fácil, é repleta de riscos, de conflitos e de sofrimento. Essa sempre foi e sempre será minha opinião. Mas, querendo ou não, são eles nossos maiores defensores, e através de suas habilidades, nos protegem a muitas gerações. Portanto, siga em frente sem olhar para trás, meu garoto. Treine com eles, aprenda com eles. E se for da vontade do deuses…..torne-se um deles.
- Obrigado, Sr….obrigado, pai.
Pai e filho abraçaram-se carinhosamente.
O Sr. Onoke precisou descansar para se recuperar do ferimento. Orinsuke procurou se preparar, pois no dia seguinte bem cedo partiria em viagem acompanhando os samurais. Aproveitou esse tempo na aldeia de Damari e fez uma visita ao templo dedicado aos três grandes Kami: Amaterasu, Tsukuyomi e Susanoo.
Agradeceu pela vida do Sr. Onoke, pois ela não lhe foi tirada; pela presença de Kiha e Katayama, os bravos samurais que foram instrumentos do céu para salvar tantas pessoas; e de forma mais enfática, pediu ajuda no caminho em que os próprios deuses estavam lhe conduzindo, que soubesse trilhá-lo da melhor forma possível. Por fim, agradeceu pela oportunidade de realizar o desejo mais secreto do seu coração: se tornar um samurai.