Orinsuke e Os Sete Trovões - Cap 4: Emboscada

Nos dias de feira livre os comerciantes das aldeias da região tinham a antiga tradição de realizar esses encontros em locais diferentes a cada semana. Algumas aldeias tinham até construído áreas amplas para receber os feirantes, na constante competição para se tornar o melhor local de negócios.

Orinsuke tratou de arrumar as mercadorias na carroça, amarrando tudo com cuidado e rapidez. Deu uma última conferida nos arreios da querida mula e logo em seguida ele e o Sr. Onoke pegavam a estradinha para mais um dia longo de trabalho. O sol ainda estava nascendo quando mais carroças saíam de suas propriedades e seguiam destino em comboio.

Todos se dirigiam para Damari, uma conhecida e tradicional aldeia de pescadores à margem do Rio da Serpente. Orinsuke gostava muito desse lugar pois vendiam uma grande variedade de peixes e faziam os melhores sushis da região. Além disso, a viagem, que durava algumas horas, passava por trilhas dentro de bosques repletos de cerejeiras, magnólias, bordos, pinheiros e faias. Gostava muito daquelas árvores, de suas formas, tamanhos e da serenidade que transmitiam. Para completar, o frio tinha dado uma leve trégua e o sol, mesmo tímido, estava acolhedor. O dia prometia ser excelente.

- Hoje vai ser bem diferente do último domingo, Sr. Onoke. Vamos vender toda nossa mercadoria, pode acreditar - Orinsuke estava sorridente. Algo dizia que esse dia seria diferente.

- Que os Kami te ouçam, garoto. Precisamos recuperar os prejuízos dos últimos dias e já pensar em comprar as sementes para o próximo plantio.

- Bem lembrado, Sr. Onoke. Mas não se preocupe, o dia de hoje nos reserva boas surpresas - Orinsuke fez sinal de positivo com o polegar para afirmar sua confiança.

Depois das primeiras duas horas de uma viagem tranquila, a caravana atravessou um bosque de pinheiros, que enchiam o ar com seu característico aroma. Orinsuke soube que a viagem estava em sua etapa final, pois reconheceu o lugar das outras vezes que foi à Damari.

Enquanto observava a paisagem, Orinsuke olhou para cima e percebeu algo estranho no alto de uma árvore ao lado. Era uma pessoa trajada de preto, usando uma máscara que cobria a boca. O mesmo portava uma espécie de bastão preso às costas. O estranho saltou do alto e caiu em cima de sua carroça.

- Senhor Onoke, cuidado! - Tarde demais, pois o intruso, num movimento rápido e vigoroso, puxou o velho pela gola da camisa e o arremessou para fora. O velho caiu desengonçado nos arbustos que margeavam a estrada. Mesmo temendo a reação do homem mascarado, Orinsuke desceu rapidamente da carroça para ajudá-lo.

- Bandidos! Estamos sendo atacados! - um senhor que conduzia a primeira carroça da fila deu um grito de alerta, mas rapidamente foi calado quando um outro mascarado lhe deu um golpe de bastão na cabeça. O condutor caiu desacordado no chão.

Saído do meio das árvores, um grupo composto por, pelo menos, vinte assaltantes, armados com bastões e facas, interceptou o comboio de Kimoto. Geralmente nessas viagens um grupo de voluntários exercia a função de segurança. Os mesmos tentaram uma reação, chegando a ferir três dos bandidos, mas foram terrivelmente rechaçados, sendo que seis morreram e os quatro restantes foram amarrados numa árvore e depois espancados.

Os aldeões assistiam aquilo tudo com pavor. Os bandidos, depois de neutralizar a resistência, reuniram todos num único local e começaram a revista em busca de qualquer objeto de valor. Enquanto isso algumas carroças já começavam a ser deslocadas para dentro do bosque, por um caminho fora da estrada.

Vendo o produto de suas colheitas, resultado de dias de suor e dedicação, ser levado embora, alguns aldeões não aguentaram a humilhação e tentaram impedir o roubo. Corajosamente se colocaram em frente as carroças, lamentando em voz alta e suplicando que o sustento de suas famílias não fosse levado. Todos foram punidos severamente com socos e golpes de bastão, seus deixados no chão sangrando.

Mas um dos que se rebelaram não foi tocado. Era um garoto, que estava de pé e tremendo, segurando um galho, numa tentativa vã de intimidação de um dos bandidos que estava a sua frente. Os assaltantes riram da tremedeira do garoto e um deles se aproximou com um sorriso no rosto. O mesmo portava um bastão com pregos pendurado nas costas e uma enorme faca na cintura.

- Olha só, o garoto acha que é um herói – disse o bandido - O que vai fazer com isso, moleque? Pretende brincar de espada com a gente? Vou propor uma brincadeira, garoto. Se você me atingir com esse graveto eu devolvo sua carroça e te deixo em paz, mas se não conseguir me tocar com isso, você servirá de exemplo para todos.

Orinsuke sentiu um suor frio percorrer seu corpo. Não conhecia aquele garoto, mas era um habitante de sua aldeia e estava prestes a vê-lo morrer na sua frente. O sentimento de impotência só aumentou. Olhou na direção de Godi e Han, e viu os amigos agarrados aos pais com expressões de pânico.

O jovem habitante de Kimoto, mesmo tremendo de medo, a ponto de não conseguir segurar direito o galho, resolveu atacar o bandido. O golpe foi tão sem jeito que o homem não teve a menor dificuldade em evitar. Afastou um pouco a cabeça para trás e o galho passou no vazio. Logo em seguida puxou com força a arma improvisada e a quebrou no joelho, partindo-a ao meio.

---- Agora é a minha vez --- disse o assaltante, com olhar perverso. O mesmo deu um passo rápido para frente e deu um golpe com a ameaçadora faca na direção do peito do garoto.

Orinsuke fechou os olhos e esperou o inevitável. Neste momento apenas o murmúrio abafado das pessoas a sua volta e o barulho do vento balançando as árvores chegava aos seus ouvidos. De repente, um ruído de metal contra metal encheu o ar, tirando um murmúrio de surpresa dos aldeões. Ao abrir os olhos, viu que o garoto não tinha morrido e que o bandido não empunhava mais sua arma.

Todos, aldeões e bandidos, ficaram surpresos diante da cena. Orinsuke olhou na direção oposta e viu duas pessoas, um homem e uma mulher, mas não eram pessoas comuns.

Eram samurais.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 27/11/2019
Reeditado em 01/12/2019
Código do texto: T6804672
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.