Havia Um Lugar, Final
- Cara, pra nego bater não precisa estar chovendo. Batem de qualquer jeito, com o piso molhado ou não, disse o motorista da van do grupo de para médicos de resgate Salvamento na Serra SS.
A sigla que a van exibia em suas duas laterais já tinha suscitado na comunidade grandes discussões e confusões pela conveniência ou não de aquele nome ser mantido.
- Parece que tem alguém preso nas ferragens, não sei se do carro ou do caminhão. A batida foi violenta, explicou o médico que vinha ao lado do motorista, um rapaz claro e magro, talvez 25 anos. Avisaram ao Corpo de Bombeiros?
- A informação é a de que eles já estão no local, respondeu o motorista, lembrando-se em seguida de algo que lhe parecia mais importante. Amanhã tem futebol. Mais ou menos a essa hora. Podemos contar com o senhor?
- Que senhor, cara. Tenho menos idade que você. Aos domingos, por incrível que pareça, dou aulas. Tenho que arrumar grana para pagar a residência.
- Tá comprando casa, doutor?
- Residência médica, Otávio.
- Mas vai dar aulas às duas e meia de um domingo?
- É isso aí, cara. O que vou fazer? Não tenho pai rico.
Quando chegaram, de fato um homem moreno, meia idade, cabelos grisalhos, estatura mediana, estava preso às ferragens do próprio carro, já sem vida, conforme as informações que tiveram de um dos soldados do Corpo de Bombeiros. Não foi possível ver claramente o seu rosto, que se achava parcialmente coberto pelo painel do carro. Na calçada de grama ao lado do acostamento via-se um corpo de mulher forte, cabelos louros, com o que parecia ser o gargalo de uma garrafa de água mineral em uma das mãos. Também sem vida. Mas seu rosto parecia sorrir, os olhos abertos em direção ao céu.
- Alguém viu o acidente?, o para médico perguntou.
- Acho que ninguém, respondeu um curioso. Ouvi dizer que uns garotos que chegaram antes de todo mundo viram uma cachorra de pelo bem preto que parecia guardar o local. Ela se embrenhou pra dentro do mato quando os meninos se aproximaram.
Rio, 20/09/2007