A Sociedade da Lança - Parte 07: Treinamento secreto

Os dias foram passando e Kiha continuava decidida a ajudar Gurin, mesmo com seus conhecimentos como aprendiz, a lutar e a se defender. Pensando sempre nas palavras do pai, e no desprezo que elas carregavam, estabeleceu para si mesma sua primeira missão, partir em direção ao território do clã Jihu e resgatar os goblins do seu cativeiro. Provaria para o pai e para todos que duvidassem dela que poderia ser uma guerreira valorosa, uma kitsune de verdade.

Por outro lado sabia que o risco era grande. Samurais são guerreiros formidáveis, e suas técnicas mágicas são temíveis. Não são oponentes quaisquer. Sempre ouviu histórias de heróis e heroínas entre eles, como também de vilões, que até hoje são considerados lendas até mesmo entre os kitsune.

Mas o objetivo obviamente não era enfrentá-los diretamente, até mesmo porque o lugar, como Gurin informou, tinha muitos deles vigiando. Mesmo se considerando uma excelente aprendiz, Kiha sabia que não seria párea para um samurai experiente.

Gurin disse que conhecia uma trilha secreta nas montanhas que dava exatamente em cima do acampamento samurai que fica em frente a principal entrada das minas. Teriam que encontrar um caminho por onde pudessem chegar pelas “costas” do acampamento.

Mas antes disso, Kiha se dedicou a ensinar Gurin nos movimentos, posições e golpes básicos que todo combatente iniciante deve saber. Lembrava de tudo que o sensei Ugama transmitiu à turma nos primeiros dias de treino e aos poucos foi passando para o amigo esses conhecimentos.

Para isso eles estabeleceram um plano de encontros diários num local mais afastado da aldeia, numa área do bosque onde Kiha costumava se esconder quando criança, pois era um ponto mais fechado, repleto de árvores frutíferas. Essas árvores eram a desculpa perfeita quando alguém perguntava o que iam fazer. Colher frutas era a melhor resposta. Para manter o segredo resguardado, sempre traziam pelo menos dois cestos cheios de frutas.

Os goblins são uma raça de seres resistentes e ágeis por natureza. Nesse ponto Gurin não sentia dificuldade em responder às orientações de Kiha, pois desde criança acostumou-se a seguir os adultos nas caças, aprendendo a utilizar o arco e a lança, e na pesca, muitas vezes mergulhando em lagos e rios para pegar os peixes com as próprias mãos. Seu corpo respondia bem quando era exigido a ter velocidade nos golpes e reflexo nas manobras evasivas.

Mas com o tempo Kiha percebeu que cometera um erro de avaliação das capacidades combativas de Gurin, principalmente nas simulações de luta corpo a corpo que realizavam juntos. Nessas lutas Kiha costumava pegar leve, embora agisse seriamente, e no final percebia como o goblin terminava bastante escoriado, até sangrando em algumas partes, enquanto que ela saía ilesa.

Gurin já conseguia manejar os punhais com certa habilidade, mostrando que tinha uma boa capacidade de aprendizado, fato que surpreendeu Kiha. Além disso, a resistência física do goblin era algo espantoso, demorando muito tempo para fatigar de verdade. Mesmo com essa característica corporal e com a evolução visível nos movimentos de luta, se a abordagem não mudasse, Gurin não duraria muito caso precisasse lutar com alguém.

“Quando você não consegue tocar seu oponente, faça com que tema sua pontaria” dizia o sensei Ugama.

- Espere, Gurin – Kiha interrompeu a simulação de luta.

- O que houve, Kiha? Fiz alguma coisa errada? Posso corrigir – Gurin sempre se mostrou preocupado em fazer exatamente o que a jovem professora pedia. Sabia que não era lutador nato como os kitsune e por isso mesmo procurava ficar atento aos erros.

- Não, não é nada disso. É que eu lembrei do meu sensei e me dei conta que você não tem estrutura para atacar de forma direta. Tamanho, peso e alcance dos golpes não são seus pontos fortes. Então pensei em outra coisa.

- O que? - perguntou Gurin, curioso.

- Você disse que desde pequeno sempre caçou com os mais velhos de sua tribo, não foi? O arco era uma arma comum entre vocês.

- Sim, não sou muito bom, mas aprendi cedo a usar essa arma. Por que?

- Porque finalmente enxerguei, depois desses dias, que deve aproveitar melhor seu verdadeiro ponto forte – Kiha estava sorridente

- Está falando do arco?

- Sim. Pelo jeito seu povo tem muita familiaridade com o arco e flecha, então devemos aprimorar esse aspecto. Seus oponentes devem temer sua pontaria.

- Se você enxergou isso, tá certo, eu treinarei com o arco. Mas e quanto aos punhais?

- Guarde-os com você. Afinal eles são suas garras, não são?

- Sim, verdade – Gurin abriu um sorriso, girou os punhais nas mãos num movimento acrobático meio desajeitado e tentou guardar as armas num cinto que tinha improvisado com duas pequenas bainhas. Um dos punhais caiu no chão, mas o outro entrou corretamente.

Vendo a cena, Kiha não conseguiu evitar dar uma gargalhada. Com bom humor, Gurin a acompanhou na diversão.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 20/07/2019
Reeditado em 21/07/2019
Código do texto: T6700021
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