A Estátua Viva

“A POBREZA NÃO É PERPETUA, O PROBLEMA É SER ESTÁTUA...”

Cesar Jihad (Vulto Madhiba)

Perguntas... A vida é recheada de perguntas sem respostas e o porquê a vida e a sorte de cada pessoa é diferente é outra pergunta a qual também não há resposta.

A vida... Muitas pessoas vivem sua vida de acordo com seu destino caracterizado a sua sorte, e se a estrela brilha com pouca ou muita intensidade a questão é que devemos superar as dificuldades sozinhos. Como a vida de muitos, a minha não foi nada fácil. Meu nome é João Pedro, foi o que me disseram quando me encontraram, era um bebê com uma correntinha em volta do pescoço escrita João Pedro, e com minha data de nascimento, tenho essa correntinha até hoje. Eu sou órfão, nunca conheci meus pais biológicos, meus pais adotivos eram moradores de rua, e desde pequeno eu ia pedir dinheiro por entre os semáforos. Já fui espancado, xingado, já cuspiram na minha cara, os garotos da minha idade, de pais ricos, sempre me batiam por morar na rua e usar trapos velhos. Com muito custo eu levava algum dinheiro para meus pais, era tão pouco que não dava nem para matar a fome; ao olhar o rosto das pessoas as quais eu pedia uma moeda, algumas eram generosas e tinham um olhar meigo e triste, senti que queriam fazer mais do que dar uma moeda, porém, outras pessoas eram ríspidas e me olhavam com desdém, como se eu fosse um lixo ou um delinquente juvenil.

Como já disse, meus pais adotivos eram moradores de rua, nós sempre dormíamos num beco de uma rua sem saída. Já fomos roubados por outros moradores de rua e por ladrões que vinham roubar o pouco que a gente tinha. E muitas vezes, de tanta fome, ficávamos à espreita das casas esperando que seus moradores jogassem o lixo fora para que pudéssemos aproveitar os restos de comida e por sorte havia muitos restos que jogavam fora em desperdício, mas se não fosse por isso, já teríamos morrido de fome, o que as pessoas desperdiçavam, nós aproveitávamos.

Uma certa noite, um homem que estava drogado queria roubar o nosso pouco, meu pai disse a ele para que voltasse outro dia que teria mais dinheiro, que aquelas moedas de cinco centavos eram para comprar o único pão que ele me daria, mas o homem furioso não queria saber e tirou sua arma do bolso, atirou nele, pegou as moedas e fugiu. Minha mãe gritou de terror e juntos, nós chorávamos, no dia seguinte a polícia retirou o corpo do chão e nunca mais o vimos, eu ainda era criança quando isso aconteceu.

Nunca tive brinquedos, o que eu tive foi uma imagem de Cristo que uma moça muito generosa me deu, o nome dela é Maria, ela era uma pessoa muito boa, pagou um almoço para minha mãe e eu.

Quando completei dezessete anos, minha mãe adoeceu, corremos pra tudo que é hospital, só um nos atendeu, mas disseram que não era nada com que devesse se preocupar, que era uma dor de barriga passageira e a febre ia passar, mas isso custou a vida dela, depois descobri que era uma intoxicação alimentar grave. Um moço pagou o enterro para que ela tivesse pelo menos uma morte digna.

Eu fiquei tão deprimido, me perguntava o porquê a vida era assim e chorava muito... Foi quando olhei para a imagem de Cristo e dando a imagem para a primeira pessoa que encontrei, era um senhor pai de família, saí correndo para me jogar de uma ponte, eu não tinha mais esperanças... Foi então, prestes a me jogar que ele falou comigo...

- Espere! – Disse o senhor pai de família, ele tinha me seguido.

- Esperar o quê? Não há mais esperança para mim.

- Sempre há esperança, essa imagem é sua?

- Não mais, agora é sua, fique com ela.

- Estou devolvendo, você precisa mais que eu, agora desça daí, vamos conversar, talvez eu possa te ajudar.

Eu não tinha nada a perder, desci e fomos a um café na Praça da Sé onde contei toda minha história. Ele ficou espantado e decidiu me ajudar, ele disse que não podia fazer muito, mas que conhecia um amigo que trabalhava como estátua viva e se eu aceitasse a proposta de trabalhar assim, ele me daria um teto para dormir.

- Qual é o seu nome, perguntei a ele.

- José, disse-me ele com um sorriso sincero no rosto.

Foi assim que comecei a trabalhar, o trabalho era digno, todo dia eu me pintava e até me fantasiava de personagens, ficava parado como estátua e esperava alguém jogar uma moeda. Eu começava às 11:30 da manhã e ficava até às 17:30 da tarde na Praça da Sé trabalhando como estátua viva. As crianças amavam tirar fotos, os personagens que mais faziam sucesso era o de pirata e o de anjo.

Já cheguei a trabalhar em eventos como aniversários infantis e festas de casamentos.

Fiz amizade com outros artistas de rua, um mágico que se intitulava “O Místico”, um músico de nome Carlos e uma pintora de pop art contemporânea chamada Isabel, todos eles são muito bons no que fazem.

Agora eu tinha uma nova vida, era um artista, um artista de rua.

O pai de família José era um homem de palavra, me deu um teto para dormir como prometeu. Sempre depois do trabalho eu ia para casa dele, e eu gostava de brincar com as crianças, ele tem dois filhos, um menino e uma menina, o Miguel e a Sara. Nós gostávamos de montar quebra-cabeças e lembrando que a vida é um grande quebra-cabeças a ser solucionado. A gente termina de montar o quebra-cabeças da vida quando a morte chega, aí só resta as lembranças...

Ana é a mulher de José, ela faz uma comida excelente, e lembrar que na rua eu passava fome, frio e agora eu como comida de qualidade e durmo como um bebê bem quentinho por baixo do cobertor. Tenho muito a agradecer a José, ele tem uma biblioteca e deixa eu ler muitos livros, eu gosto de ler Álvares de Azevedo, Edgar Allan Poe, Shakespeare, John Keats, a Bíblia e entre outros...

No aniversário do Miguel, eu fiz uma surpresa para ele, fui de super-herói com capa e tudo, mas a cor era sempre a mesma, cinza como a estátua viva.

O menino adorou a surpresa, gostou tanto que até pediu que eu ficasse daquele jeito todos os dias e que o protegesse dos pesadelos.

Eu estava parado em frente à janela quando uma moça se aproximou, peguei em sua mão e ofereci uma rosa, ele sorriu e seu rosto ficou corado.

- Você é o João Pedro? José me falou sobre você.

- Sim, é meu nome e você... É da família?

- Sim, sou sobrinha dele, me chamo Priscila, me fale sobre você.

- Eu, bom, eu posso dizer que minha vida é representada por cores, o começo da minha vida era dominado pelo cinza, tive uma infância cinzenta, sabe, não entendia o sentido da vida. Quando conheci seu tio, minha vida ganhou cor, eu soube o verdadeiro significado da frase: “Lar, doce lar”, e me sinto como sendo da família e por fim, quando te vi, minha vida ganhou brilho com o brilho do seu olhar, mas me fale um pouco sobre você.

- Eu sou atriz, faço pequenos papéis em teatros, estou esperando a oportunidade de ser protagonista e também a procura de um super-herói para me salvar.

Nesse momento nós quase nos beijamos, mas, fomos interrompidos por José que vinha avisar que estava na hora dos parabéns.

Eu mantive contato com Priscila e em pouco tempo estávamos namorando.

Em um dia de trabalho tudo parecia normal, até que uns vândalos vieram e começaram a me espancar e destruir meu suporte de trabalho, os policiais demoram para agir, cheguei em casa ferido e a família do José cuidou de mim. São dias assim que fazem a gente desanimar, mas não era isso que iria me fazer desistir; as pessoas vêm e vão muito preocupadas e estressadas com a vida, alguém tem que levar cultura e diversão para elas, mas, o maior prêmio é receber um sorriso de uma criança, isso não tem preço.

No dia seguinte voltei a ativa, estava contente por refletir na noite anterior e fui ao trabalho de bem com a vida; eu estava andando na calçada quando percebo que há algo escrito na parede, era uma bela frase que me fez refletir: “A POBREZA NÃO É PERPETUA, O PROBLEMA É SER ESTÁTUA...”

Cesar Jihad (Vulto Madhiba)

- Se alguém não faz nada para enriquecer, essa pessoa é uma estátua, a pobreza não é para sempre, basta trabalhar, mas uma estátua não trabalha porque está sempre parada, esse é o problema. Só que é até irônico porque eu trabalho como estátua viva. Uma pessoa pode ser uma estátua por não trabalhar, mas, e uma pessoa que trabalha como estátua pode enriquecer? Talvez não com dinheiro, mas sim, com dignidade, mesmo que eu não seja rico, pelo menos faço algo para ganhar dinheiro e mesmo parado como uma estátua, estou trabalhando.

Continuei andando até me deparar com uma legítima estátua, ela parecia muito com a Priscila. Uma mulher artista de rua começa a cantar uma música: Rosa, de Pixinguinha. E de repente, me pego dançando com a estátua enquanto a música segue em um ritmo penetrante e delicado, e em questão de segundos a estátua se transforma em Priscila e, fico a dançar com ela até a música terminar...

(Artista de rua) - Tu és divina e graciosa

Estátua majestosa do amor

Por Deus esculturada

E formada com ardor

Da alma da mais linda flor

De mais ativo olor

Que na vida é preferida pelo beija-flor

Se Deus me fora tão clemente

Aqui nesse ambiente de luz

Formada numa tela deslumbrante e bela

Teu coração junto ao meu lanceado

Pregado e crucificado sobre a rósea cruz

Do arfante peito teu...

Quando a música acaba, eu estou olhando fixamente para os olhos da estátua, percebo que em sua mão há um papel, mas, eu não paro de olhar para os olhos da estátua, até parece que através de seus olhos há um mistério que vai muito além da compreensão humana, eu sinto como se pudesse ver a alma dela através de seus olhos. Espera! Uma lágrima cai do olho da estátua, oh céus! Uma lágrima caiu do meu olho, não pode ser! Eu... Eu estou... Me vendo parado olhando para a estátua, mas isso não é possível! Eu estou dentro da estátua! Não consigo me mover, mas o que está acontecendo?! Estou vendo... Eu estou parado, meus olhos perderam o brilho, perderam a cor, meu rosto está pálido, é como se... Como se eu estivesse morto! Até parece que minha alma saiu do corpo para encher a estátua de vida, uma legítima estátua viva! Mas não consigo me mover, não! Meu corpo caiu no chão! Estou morto! Como faço para sair de dentro desta estátua?!

Aquela artista de rua vai cantar outra música: Ressuscita, de Damares. E eu posso ver muitas pessoas que chegam para ouvir a doce voz dessa artista talentosa, essa canção me faz recordar de momentos tristes da minha vida, quando eu passava fome com meus pais adotivos, quando apanhava dos garotos maiores, quando tentei suicídio... Pensava que era o fim, mas essa música também me faz lembrar dos momentos bons, quando José me ofereceu um teto para dormir, quando brincava com as crianças, quando a família do José cuidou de mim, quando conheci a Priscila, posso ouvir a canção que reconforta minha alma.

(Artista de rua) - O vento forte tem soprado, o medo quer te sufocar

A noite escura te apavora, o sol pra ti não quer brilhar

Não vejo mais o teu sorriso, parece que o sonho acabou

Estão na cova os teus projetos, a esperança terminou

Mas lá vem Ele na estrada, na sua casa vai chegar

Vem pra ressuscitar teus sonhos, a pedra não vai segurar

Ele te chama pelo nome, vem para fora amigo meu

A história não termina assim, tu és meu filho e Eu sou teu Deus

Ressuscita, ressuscita, a esperança que morreu

Ressuscita, ressuscita, Eu sou Jesus filho de Deus...

Abri meus olhos...

- Mas o que foi que aconteceu? Vejo o céu azul, estou deitado e me levanto, a estátua sumiu misteriosamente...

- Mas o que é isso em minha mão? É um bilhete de loteria! Como isso veio parar aqui em minha mão?

No dia seguinte descobri que o bilhete que parou em minha mão misteriosamente foi sorteado, eu estava milionário!

Depois disso agradeci a José e a sua família por tudo que fizeram por mim, mas já era hora de partir; comprei minha casa própria, comecei a estudar e hoje faço faculdade de artes plásticas, tive a oportunidade de fazer teatro com o papel de estátua viva. Priscila finalmente conseguiu ser protagonista. Eu me casei com Priscila e tivemos um filho, ele nasceu no dia do natal, então preferimos dar o nome de Jesus do Nascimento.

E toda vez que eu olho para a imagem de Cristo, eu me lembro da Maria que era uma boa pessoa, e me lembro de meus pais adotivos que se foram.

E hoje Deus me presenteou com uma família linda. Quando tentava o suicídio eu pensava que era o fim, mas não era, eu não tinha nada, e hoje tenho tudo e sou feliz. Eu tenho amor, tenho uma família e tenho um lar.

E assim eu volto a fazer perguntas... A vida é recheada de perguntas sem respostas e o porquê a vida e a sorte de cada pessoa é diferente é outra pergunta a qual também não há resposta.

Tudo porque...

“A POBREZA NÃO É PERPETUA, O PROBLEMA É SER ESTÁTUA...”

Cesar Jihad (Vulto Madhiba)

Lucas José
Enviado por Lucas José em 18/07/2019
Código do texto: T6698624
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