CISMAS DE UM GALO



 
Foi quando caminhava só e lentamente pelo terreiro que ele parou de repente e ficou a cismar. Talvez só agora se dera conta de que estava salvo. Finalmente salvo. Pelo menos por enquanto, pois já se passara meses daquela guerra maluca de pessoas e cachorros correndo atrás de seu povo.




Não compreendia muito. Foram dias de terror correndo, tentando escapar dos cachorros Colega e Valente pela horta. Muitos dos seus foram pegos e levados para um destino que ele jamais imaginava.



Sobrou apenas ele e algumas galinhas mais velhas que botavam todos os dias e outras com filhotinhos pequenos. Nunca soube para onde levaram os frangos e frangas na flor da idade. Mas para um bom lugar não era. Isso ele desconfiava.




Nunca soube que aqueles jovens estavam congelados em um freezer, inteiros ou decapitados, e, aos poucos, sendo cozidos para alimentar as pessoas daquela casa aos domingos. Não, ele não desconfiava desse fado terrível. Melhor não saber. 



O que importa é que ele foi ficando e finalmente tudo passou. Tudo passa realmente diziam. Pelo menos temporariamente. Ele se tornara o rei do terreiro, o reprodutor. Talvez seja essa a razão de ter ficado. Cada um tem seu destino ou fado. Isso é certo. As vezes ouço dizer que podemos mudar a linha do destino. Mas tenho minhas dúvidas.



Apesar de tudo e da maldita cadeia alimentar, o belo galo ainda cantava pelas madrugadas de chuva, pelas madrugadas frias ou quentes. Não importava. Cantava para saudar o dia e o sol e, ao anoitecer reunia em seu haren todas as louras, ruivas, morenas do terreiro. Ele teve sorte. Teve muita sorte... O fim já não importava, contudo que não fosse para uma panela. Pelo menos por enquanto... Afinal destino traçado é destino traçado. Ou não é? Melhor ir seguindo a vida...

 




 


Imagens : clicadas por mim em abril de 2019 no terreiro da fazenda de meu pai. rsrs