O Agouro

O Velho Demônio, O Dragão Negro, O Eu-Lírico Amaldiçoado, O Profeta do Agouro. Assim sou conhecido por todos os reinos. Sei disso, já que erro por esse mundo há muitos e muitos anos.

Minha fama já foi feita, e em todas as culturas pode-se ver representações minhas.

Eles me amaldiçoam, me expulsam e me xingam. Mas tremem diante de minha presença, temem meu nome, pedem ao seus deuses que lhes proteja de mim. Só que os deuses não podem ouví-los. Eles estão tão longe, criando infinitamente. Não há tempo para carne mortal e heróis caídos.

Vocês, humanos, não entenderam…

Vocês não aprenderam com seus deuses…

Não aprenderam com seus heróis…

Rakari e Aysha lhe deram a maior dar lições. Dispam-se da dúvida. Confiem em seu próprio potencial. Só assim, poderão criar qualquer coisa. Poderão moldar o mundo.

Mas vocês insistem em ignorar o aprendizado de éons.

Vocês esqueceram o amor, a mais bela criação dos deuses.

Amor esse, que originou a vida.

Como podem criaturas que surgiram do amor serem tão torpes e vis?

Ainda sim, há uma poesia.

Escondida em nossas entranhas.

O mundo precisa dela.

Farei questão de recitá-la.

Em minhas viagens, venho observando sua natureza.

Vocês mentem, enganam, querem sempre estar com a vantagem.

Vocês buscam ser vistos como espertos, não como bons ou justos.

Vocês não honram seus heróis.

De alguns deles até sinto pena. Se esforçaram tanto, deram tudo de si por um mundo podre.

Ainda sim, há uma poesia.

Vocês bordam-na a cada dia.

Todas suas maldades, suas injustiças, todo o mal que vocês criaram.

Cada um deles, cada história, é um verso.

Quando todos os versos estiverem completos, eles virão.

Ah sim, que dia glorioso será.

Todos teremos de encarar nossos monstros.

E os deuses não estarão aqui para olhar por vocês.

Ficarão sozinhos, presos num mundo com tudo o que criaram.

A maior criação da humanidade é sua própria ruína.

Vocês ignoram toda a crueldade que projetam.

Fingem não ver.

Banalizam-na.

Mas ela não deixa de existir por isso.

Ela só se esconde.

Lá dentro da sua mente.

Lá onde nem mesmo você pode adentrar.

O campo mais obscuro, mais misterioso e mais aterrador de vocês mesmos.

Vocês continuam a fugir e fugir.

Fugir de si.

Fugir de seus problemas.

Mas não se pode correr pra sempre. Não disso.

Eu farei questão de lhes mostrar tudo o que são.

E vocês cairão de joelhos.

Seus olhos não conseguirão se fechar, nem seus rostos se virarão.

Aterrados, olharão para os céus, para a terra e para o mar.

E desses três lugares, eles virão.

Tão maiores do que vocês jamais imaginaram.

Aparentando ser negras nuvens, movendo-se com o vento.

Relâmpagos vermelhos explodirão dentro deles, incessantemente, punindo toda a terra.

Seus olhos serão como ferro em brasa. Vermelhos e pulsantes.

Ao fitarem-os, vocês sentirão a garganta fechar.

Ninguém conseguirá segurar o choro e o desespero.

Ficarão imóveis e preferirão a morte à encará-los.

E serão vários:

A Ira, a Vingança e a Violência. As três irmãs relampejarão violentamente sobre todo o solo, criando fendas incuráveis, e nada poderá impedí-las, pois não pensam, só matam e destroem.

O Ódio e a Injustiça, as sombras gêmeas, abraçarão o sol e a lua, como serpentes envolvem sua presa, e os esmagarão, trazendo sombras infinitas ao mundo.

O Medo, rasgará os mares até o núcleo do mundo e apagará o todo o calor do coração da terra.

Após todas essas coisas, ainda mais virão, castigando o mundo da forma de que puderem.

Eles falam comigo.

A cada verso, me revelam mais e mais das coisas que acontecerão.

Não cabe a mim lhes dizer o que enfrentarão. Não merecem tal presente.

Não torço por vocês.

Todos aqui merecem um futuro pior do que a morte.

Sua ganância e egoísmo não possuem limites.

Não honram seus deuses.

Não honram seus heróis.

Não honram a si mesmos.

Há, porém, chance de que alguns sobrevivam.

Talvez, em meio à todas essas impurezas, haja algum íntegro.

E por essa pessoa, uma nuvem branca virá, com seus relâmpagos dourados.

Mas essa nuvem não lutará por vocês.

Terão de estudar seus inimigos.

Entender como os criaram.

Aprender mais sobre si mesmos.

E desse conhecimento, armas serão forjadas.

E com elas, a guerra se iniciará.

Vocês enfrentarão tudo o que criaram.

E a Dúvida chegará.

O mal ancestral virá mais de uma vez lhes atormentar.

Caso sucumbam, caso falhem, caso não se mantenham firmes, todos morrerão.

Por mim, todos devem perecer.

E todos irão.

De uma forma ou outra, essa humanidade atual morrerá.

Todos nós aprenderemos mais sobre si mesmos.

Esse autoconhecimento poderá, então, ser uma arma, ou a destruição.

Sobre o que virá a seguir, não tenho como falar.

Ainda não me mostraram.

Os versos ainda não estão completos.

E vocês vem até mim novamente.

Com suas tochas e suas lanças, estão a bater na porta de minha casa.

Continuam me culpando por todo o mal que vocês colocaram na terra…

Agradeço.

Graças à isso, mais um verso está escrito.

Em breve, todos teremos de encarar nossos males.

Agora só faltam mais duas páginas.

~ Kaharr