Os Cavaleiros do Calvário
I - O Prenúncio do Fim
Era uma manhã, aparentemente, tranquila. Aparentemente. Como de costume, levantei-me da minha cama e consultei o Oráculo de Crisis ao meu lado. Ele dizia que um nefasto ataque ocorreria naquela tarde. Não dei muita bola, afinal ele dissera isso dos últimos cinco dias, e a única coisa de "ataque" que ocorreu durante esse tempo foi a briga do meu irmão na escola por causa de um brinquedo. Sim, um brinquedo.
Por conta disso, procurei me abster de pensamentos que poderiam me preocupar desnecessariamente.
Me direcionei até a janela, que estava adornada com diversos adesivos cintilantes. "Provavelmente isso é obra de Mary", pensei.
Afora da janela, passando pela intensa névoa que permeava a manhã de Tenra, pude ver Mary e Erick retornando de suas escolas. Eles pareciam felizes, embora não houvesse motivo para isso.
Há pouco tempo, Victória Dunm Hauser, faleceu. Ela era a maior guerreira que já existiu em Tenra. Mas para mim e para meus irmãos, ela era mais do que isso.
Após sermos abandonados por nossa mãe logo após o falecimento de nosso pai, ficamos perdidos e sozinhos. Não sabíamos o que fazer ou para onde ir. Ficamos a mercê de bandidos e malfeitores que buscavam apenas lucrar em cima de nós. E bem, como malfeitores podiam lucrar em cima de crianças? Bem, essa é uma outra história.
Victória nos acolheu, nos deu uma casa, um lar, um refúgio. A tristeza que eu sentira no dia de sua morte excede a felicidade que eu sentira quando ela nos acolheu. Ainda lembro-me de sua gentileza... Tal qual era proporcional à sua força.
Depois de um certo tempo, enquanto eu olhava janela afora, ouvi alguém bater na porta do meu quarto.
-Ronan! Ronan! Ronan! -Era Mary que, pela sua voz, estava desesperada.
-O que foi, Mary? -Perguntei, abrindo abruptamente a porta e agarrando seus braços.
-Uma cigana me contou que nessa tarde monstros vão atacar a cidade. Precisamos relatar isso ao rei para podermos evacuar a cidade!
-Calma, calma, Mary. -Disse suavemente. -Meu oráculo também diz isso a dias. Acredito que seja apenas um recado mal interpretado. Você sabe que os oráculos pegam as informações da Casa dos Serif’s, né?
-Sei, claro que eu sei! -Disse ela, aumentando a voz. -Precisamos sair daqui! Justamente por eu entender, realmente sei que há algo de errado. Uma sensação excruciante... sinto-a a dias. -Mary retraiu-se. Lágrimas ameaçaram emergir em seus olhos.
-Tudo bem. Falarei para o Erick arrumar as coisas. Partiremos ao anoitecer. -Envolvi-a nos meus braços e a confortei. Sua expressão estava tensa. Talvez ela tenha visto alguma coisa.
-Certo... obrigada. Desculpe por ter me exaltado. -Ela saiu dos meus braços e abaixou a cabeça.
-Tudo bem.
Mary saiu apressadamente do meu quarto. Provavelmente queria arrumar suas coisas ou avisar para o Erick que sairíamos da cidade. De qualquer forma, sentei-me na cama e ponderei para onde iríamos, o que levaríamos e se era realmente uma boa ideia sair da cidade. Minha intuição não era das melhores, eu confiava mais na intuição da minha irmã, que era realmente poderosa, do que na minha. Mas algo em mim me dizia para ficar na cidade. Até que, então, eu decidi: por precaução, eu deixaria meus irmãos na casa de Losch, um velho amigo meu, sua casa ficava próxima ao norte de Tenra, enquanto eu retornaria para casa. Após chegar a essa conclusão, decidi ir no Centro e comprar os suprimentos necessários para nossa pequena viagem.
O céu estava deslumbrante. Não havia nuvens no nele. O sol brilhava com toda a sua força. Aquele céu de cor anil vibrava veemente no lago cristalino em frente a minha casa. Ao chegar no centro, percebi o quão movimentada a cidade estava. Diversas pessoas entravam e saíam das lojas carregando com elas dezenas de bolsas. Era difícil me mover em meio àquela multidão. Entrei em um pequeno mercado e comprei alguns suprimentos.
Na volta para casa, vi que o sol estava se escondendo em meio a umas nuvens cinzas. Achei estranho, afinal essas nuvens não estavam lá antes de eu adentrar o mercado. Mas enfim, ignorei-as e continuei caminhando para a casa.
Pouco antes de chegar em minha casa, ao longe, vi que o lago que ficava na frente da minha casa estava de um tom vermelho escarlate. Uma súbita tensão cresceu em mim. Sem pensar duas vezes, larguei as bolsas no chão e corri até o lago.
-Mary! Erick! - Gritei por eles enquanto corria.
"Esse sangue não deve significar uma coisa boa", pensei comigo mesmo.
De relance, eu não vi nada no lago, exceto sua excruciante cor que fazia meu estômago se retorcer. Eu decidi adentrar na casa e ver se meus irmãos estavam lá e, principalmente, se estavam bem. Abri abruptamente a porta. Gritei por eles o máximo que eu pude, mas ninguém me respondia. Um medo angustiante se permeou em mim, eu estava desesperado. Subi as escadas e, adentrando no quarto de Mary, eu pude ver: no leito de minha irmã, maculado por monstros, sua cabeça rolava ao chão; em uma parede distinta, onde havia diversas fotografias, havia um recado escrito, aparentemente, com o sangue dela "Não fujas de teu destino, jovem zagal".
Não pode ser...
Inadvertidamente, levei minhas mãos a boca, e lágrimas ousaram rolar em minhas bochechas. Cai de joelhos no chão. Minha mente rodopiava, eu não sabia o que fazer. Pelos meus erros. Pelos meus pecados. Pelas injustiças que eu cometi. Tudo isso custou a vida de minha irmã. De súbito, meu irmão me veio à mente. Se ela estava morta aqui, onde Erick poderia estar? O medo e o desespero se intensificaram ao pensar na possível morte de meu irmãozinho.
Fui até o quarto de Erick, porém ele estava do mesmo jeito que eu deixara antes de ir ao Centro e não havia nenhum sinal de monstros no quarto dele.
Desci as escadas rapidamente, ao abrir a porta eu corri, novamente, até o lago.
A água no lago estava ficando rasa e, com isso, pude ver mais a fundo, aproximando-me vagarosamente, a crueldade que ocorrera com meu pequeno irmão.
Jazia no céu uma escuridão tão tenebrosa que faria até o mais corajoso dos homens se acovardar, porém nada poderia exceder o que vi meu irmão passar. Seu corpo estava preso a uma corrente no fundo do lago; seus braços, pernas, até mesmo sua cabeça foram tirados, violentamente, de seu corpo. Seu corpo estava preso apenas pelo que restava dele: na qual a nefasta corrente o mantinha preso pela sua cintura. Tal qual era crueldade que permeava aquele mundo. Caí de joelhos. Não podia ser verdade. Lágrimas rolavam do meu rosto desenfreadamente. Aos soluços, vi sua cabeça flutuando em meio àquela pútrida água rasa ensanguentada e, com isso, pude perceber que seus olhos estavam abertos porém foram retirados violentamente, sobrando apenas um vácuo negro. Talvez tenham tirado o de Mary também, porém suas pálpebras estavam fechadas e eu não pude ver. Quem quer que os tenha matado, fizera isso por causa de seus olhos e por vingança contra mim, isso não havia dúvida.
Minutos depois, minha tristeza foi substituída por uma raiva acentuada. Eu decidi me vingar. Apertei os punhos contra meu peito e fiz uma promessa para mim mesmo "Não importa quem tenha feito isso com eles, eu não deixarei a morte me levar até que a minha vingança tenha se concretizado!".
Eu já sabia o que haveria de fazer. Voltar aos meus velhos tempos. Por fim, decidi partir em direção ao sul.
Era tarde ainda, mas jazia no céu uma escuridão mais acentuada do que a escuridão da noite. Ouvi um ruído. Um ruído de milhares de homens na guerra. Era um ruído familiar para mim; era o mesmo que eu ouvia em meus pesadelos. Agarrei a corrente que se envolvia em meu pescoço e parti em direção aquele ruído. Eu já sabia o que me esperava.
"Parece que a minha intuição errou. Outra vez", lágrimas me veio aos olhos ao dizer isso, lembrei-me da minha irmão. Sua intuição era impecável, por que não a ouvi antes?
Chegando ao local do ruído, eu vislumbrei diversos cavaleiros com uma armadura verde- àgua, eles sussurravam entre si. A presença deles era imponente, até mesmo as mulheres empunhavam consigo lanças e espadas tão afiadas quanto a mais afiada adaga já existente. Os lendários Cavaleiros do Calvário se encontravam aqui. Victória havia sido um deles. Ao longe vi uma linda mulher de cabelos escuros que empunhava uma lança, ela se encaminhou até a mim ao me ver. Conforme se aproximava, eu percebia ela me fitando com aqueles olhos negros e, por fim, me perguntou:
-O que fazes aqui, garoto? Esse lugar não é para crianças. -Disse ela.
-Eu sei. Eu não vim aqui para brincar. -Retruquei. Ela, então, abaixou os olhos e voltou seu olhar para o exército que caminhava lentamente à nossa frente.
Monstros humanóides vinham do sul, era um exército. No horizonte, via-se um longínquo portal negro. Provavelmente fora de lá que esses monstros vieram.
Haviam seis homens, contando comigo, e quatro mulheres para enfrentar aqueles monstros. Eu já havia lutado diversas vezes em frentes de guerra, mas essa seria a primeira vez que eu sujaria minhas armas com sangue de monstros "Desculpem-me, Hugin e Munin", disse agarrando a minha corrente.
Ao ver a aproximação deles, peguei minha corrente que se dividiu em duas adagas demasiadamente afiadas.
O cara ao meu lado que, aparentemente era o líder, gritou para o restante do grupo:
-Vamos afugentar essas criaturas vis de nosso reino! Não podemos deixar nossos civis em perigo! Avante, Cavaleiros do Calvário! - Ao proferir tais palavras, todos fizeram, em uníssono, um coro de gritos. Seus olhos queimavam, inclusive os meus.
Por redenção ou por vingança, enchi minha adaga de sangue.
Matamos muitos monstros, mas eis mais uma vez em que qualidade não supera quantidade. Éramos poucos para aquela ameaça exorbitante. Tropas e mais tropas de monstros caminhavam até o Centro de Tenra. Eu tentava impedir com todas as minhas forças mas não foi o suficiente. Nem a tropa dos Cavaleiros do Calvário fora suficiente. Todos pereceram.
O mundo se via, mais uma vez, em caos.
II - O Assassino
Estava tudo tão escuro. Minha mente borbulhava em pensamentos infelizes e nostálgicos. Mary. Erick. Victória. Pai... Senti um pesar e uma dor excruciante em meu coração enquanto lágrimas rolavam em minha face. Eu não conseguia enxergar nada. O mundo à minha volta jazia-se para mim tão negro como minha própria vida. Perdi todas as pessoas que eu mais amava, as únicas pessoas da qual eu realmente me importava.
Em meu rosto, eu sentia o calor escaldante do sol. Eu abri meus olhos e tentei me levantar, mas minhas pernas não respondiam. Por um momento eu esqueci o que tivera passado e me questionei "Onde estou?". Porém, como uma válvula que ativa uma enchente, meus pensamentos, que antes reprimidos, me açoitaram como uma fera.
Eu não consegui me controlar, muito menos me recompor. Ao pensar no que eu tivera passado, meu corpo debateu-se contra aquele solo seco e meu coração se angustiava a cada cena que passava na minha mente. Corpos e mais corpos empilhados. Um genocídio em massa. Civis morrendo. Crianças sendo comidas vivas. Mulheres sendo usadas por monstros. Morte e mais morte. Gritos de desespero. O reino de Tenra estava culminando ao fracasso. E não havia ninguém para impedir isso. Com a morte dos Cavaleiros do Calvário, não tinha como salvar o reino de Tenra.
Meu corpo se acalmou, juntamente com os meus pensamentos. Recobrei meus sentidos e a autoridade sobre meu corpo. Porém, isso não foi o bastante para eu conseguir me mover. Minhas pernas não se moviam, eu sequer as sentia.
Eu tentei avistar alguém próximo, porém não havia ninguém. Era um deserto. Não havia outra forma de vida além de mim. Eu não estava em Tenra, muito menos em Malbec. Como eu vim parar aqui? Que lugar é este?
Minha boca já estava ficando seca. Até que eu tive uma ideia.
- Hugin e Munin, acordem! - Gritei enquanto segurava a minha corrente.
Minha corrente se transformou em dois pássaros azulados. Eu já estava ficando com saudades dos rostos deles.
- E ai, meninos. Como vocês estão? - Perguntei para eles, enquanto os segurava em minhas mãos. Eles responderam em uma crocita fina, como em um coro.
Aqueles corvos eram um presente dado a mim pelos magos de Malbec. Meu pai havia nascido em Malbec, por isso, de vez em quando eu dava uma passada por lá. Antes de meu pai morrer, eu morava em Malbec com ele, minha mãe e Mary, afinal lá era o melhor esconderijo para um mestiço como eu e para o casamento inapropriado dos meus pais. Hugin e Munin são corvos especiais, eles podem se metamorfosear em quaisquer coisas que eu peço, porém os dois são como um, o que um é o outro deve ser também.
- Preciso que vocês façam um favor para mim. Voem aos arredores deste deserto e procurem por alguém. Veja se existe alguém por essas bandas. -Disse a eles e imediatamente alçaram voô.
Não demorou muito até que eles voltassem. Eles me informaram que havia um pequeno vilarejo ao sul, e que alertou o guarda mais próximo que havia um homem incapacitado de andar (no caso, eu) e que alguém viria me ajudar a andar. Com isso os agradeci e perguntei:
- Certo... Mas vão demorar muito para chegarem? - Os corvos fizeram um som que consegui distinguir como sendo um não.
Aparentemente, eles estavam errados. Faziam-se horas desde que eles vieram do vilarejo. Eu não estava aguentando mais. A noite já se fazia presente. Eu podia ver as diversas constelações surgindo, enquanto o céu ia se escurecendo à medida que elas apareciam.
“Há quanto tempo estou aqui? Será que fazem dias? Ou apenas horas? Como eu vim parar aqui? E, pior, que lugar é este?” Indagações e mais indagações surgiam em minha mente.
Tentei me colocar de pé, mas não consegui e terminei por desabar. Foi então que uma ideia me veio a mente.
- Hugin! Munin! - Minha corrente transfigurou-se em dois corvos na mesma hora. - Transformem-se em duas muletas! - Ao fazerem isso, tentei me levantar e me apoiar neles. E, felizmente, consegui.
“Como não pensei nisso antes?”, questionei-me
Não era como andar com as minhas próprias pernas, porém era muito melhor do que permanecer parado. Consegui andar um pouco a ponto de vislumbrar várias casas ao sul, porém havia algo de estranho nelas: elas aparentavam estar em ruínas.
Conforme eu me aproximava, os destroços faziam-se mais visíveis. Comecei a me questionar por que Hugin e Munin não me contaram de tal catástrofe. E pior, não havia ninguém no pequeno vilarejo.
Será que eles mentiram para mim sobre terem encontrado um suposto guarda? Não, não pode ser.
Prédios. Casas. Lojas. Até mesmo, carroças. Tudo estava à beira da desintegração. O ar à minha volta estava seco, nem sequer uma brisa ousava passar pela cidade. Tentei, miseravelmente, vasculhar os destroços; porém não foi uma tarefa bem sucedida afinal minhas duas mãos estavam ocupadas demais tentando me manter de pé com o apoio das muletas. Meus olhos passavam e repassavam pelos escombros. Parei por um momento no que, deveria ser provavelmente, o centro daquela cidade. Concentrei-me. O ar, por algum motivo desconhecido, estava começando a tornar-se rarefeito. Fechei meus olhos e deixei meus sentidos divagarem em meio àquela cidade buscando algum indício de vida. Um dos bons motivos de se ter nascido em Malbec, era a conexão que eu tinha com a vida e com a natureza.
Desde pequeno, eu fui treinado nas florestas de Malbec. Minha tribo era lunar, o que era uma coisa boa, afinal a caça era nossa a especialidade. Me acostumei a sentir a vida, tanto nas pessoas quanto nos animais. A magia também me ajudava nisso, aflorando meus sentidos.
Depois de um tempo tentando sentir a presença de alguém, por fim eu consegui. Era um leve resquício de vida, estava a alguns metros de mim. Andei o mais rápido que pude com aquelas muletas e a cada vez que eu me aproximava eu tinha certeza. Era uma criança.
Quando eu cheguei, supostamente, em frente dos destroço de onde ela estaria, proferi encantamentos e, por um breve momento minhas pernas já não mais precisavam daquelas muletas. Era arriscado. Esse feitiço consumia muito de minha força física, mas não havia problema, eu tinha que salvar aquela criança.
Por baixo dos escombros, me vi dentro de uma pequena casa.
A criança estava, aparentemente, desmaiada. Sua respiração era quase inaudível, assim como seus batimentos. Ela parecia já estar morta, embora eu ainda sentisse um leve resquício de vida emanando dela. Eu me aproximei dela com cuidado e a virei. Era um menino. Seus cabelos eram de um preto ofuscante que contrastavam bem com sua pálida pele.
- Ei. - Chamei suavemente por ele, enquanto o virava. - Ei. - Chamei-o novamente, porém um pouco mais alto. Alto o bastante para fazer suas pálpebras se mexerem. Vagarosamente ele abriu os olhos e pude ver aqueles olhos castanhos me encarando com uma certa incerteza.
- Q-quem é você? - Perguntou ele, começando a dar conta de si. - Não pode ser... - Os olhos do menino se arregalaram. Pude sentir uma sensação de medo nele, porém antes que eu pudesse dizer quaisquer palavras, ele continuou. - Me desculpe! Eu não queria fazer isso às pessoas da cidade... eu... eu não queria... eu não queria destruir nada... eu fui obrigado... por favor, acredite em mim. - Seus olhos vidraram-se em lágrimas. Senti um aperto no peito. - Por favor, Lodrik! Acredite em mim!
- Lodrik? - Respondi, confuso.
- Você não é o ... Lodrik? - Antes que eu pudesse negar quem eu, definitivamente, não era, senti uma presença assassina se instalando naquele lugar. E não, não emanava do garoto à minha frente.
Antes que, quem quer quer fosse, atacasse aquele menino por trás, disparei em direção às costas daquele menino para protegê-lo. Criei rapidamente uma barreira de força, e uma adaga extremamente afiada caiu no chão . Estava escuro, eu não conseguia reconhecer quem era por conta de seu capuz. Mas aquela pessoa era extremamente rápida. Antes que eu pudesse me dar contar, ele foi a frente do menino e tentou apunhalar seu coração. Mas, felizmente, eu fui mais rápido e consegui bloquear tal ataque.
- O que você está fazendo, seu desgraçado? Protegendo um assassino? - Uma voz cheia de raiva ecoou naquele lugar.
- Ele é apenas uma criança. Alguém o controlou para fazer isso. - Respondi, enquanto o menino corria para os meus braços. Eu já vi aquilo ocorrer diversas vezes. Eu não podia deixar um inocente morrer por causa disso.
- Ah pelos deuses! Você não consegue enxergar o que ele realmente é?
- O que ele realmente é...? - Perguntei, confuso. Ele estava vendo algo que eu não via?
- Não acredite nele, senhor! Ele só está aqui para me matar, ele é o assassino do reino! - Disse o pequeno menino. Ele estava chorando, de novo.
Me abaixei e disse para ele:
- Está tudo bem. Não vou deixá-lo te matar. - Eu disse para ele, enquanto ele concordava com a cabeça enxugando as lágrimas.
- O que é isso? Um showzinho de drama? - Disse o tal “assassino”.
Aquele cara já estava me irritando. Eu teria que dar um jeito nele. Rapidamente. Meu feitiço já estava começando a se esvair, sem minhas pernas eu não conseguiria ganhar dele numa luta.
- Sabe... - Disse ele, em um tom que era, aparentemente, amigável para ele. Para ele. - Não precisamos fazer isso. Eu não quero machucar você, muitos menos matá-lo. Eu só quero o garoto. -Meus punhos cerraram. Eu estava pronto para calar a boca dele.
- Não deixarei você encostar nele. - Disse, em um tom sério.
- Ótimo. Espero que não se arrependa disso depois. - Ao dizer isso, sua presença sumiu. Simplesmente sumiu.
Na escuridão que permeava aquele lugar, a única coisa que me dizia onde ele estava era a sua presença; e agora ela sumira. Fechei meus olhos e concentrei-me. Permaneci parado e pude sentir, suavemente, quase inteligivelmente, uma onde de calor próxima ao meu ombro direito. Imediatamente puxei o braço dele e o taquei chão abaixo, porém ele se recuperou tão rapidamente que meus sentidos não puderam o acompanhar.
Aquele era um adversário difícil. Sua rapidez e sua agilidade eram fantásticas de um jeito nefasto.
Eu estava, visivelmente, em desvantagem. Minhas armas, Hugin e Munin, estavam do lado de fora dos escombros e eu não podia desperdiçar muito tempo, afinal daqui a poucos minutos eu mal conseguiria me mexer. Foi então que eu decidi dar um fim a tudo aquilo.
Eu sabia que ele não me atacaria sabendo de minha capacidade de percepção. Ele esperaria eu me desconcentrar por um milésimo de segundo que fosse para me atacar ou para atacar o garoto. Foi então que eu me toquei. O garoto havia sumido.
Eu não sabia o que pensar. Será que aquele assassino o levou? Ou pior, será que o matou? Corri rapidamente para fora dos escombros e lá eu vi ele. Ou melhor, eles. Porém, de um jeito diferente do que eu imaginava.
- O que você está fazendo? - Perguntei, me aproximando do garoto. Seus olhos passaram de castanho para um vermelho. Um vermelho lúgubre.
- Afaste-se dele! - Gritou o assassino que tentara o matar outrora. Ele estava incapacitado de andar, provavelmente alguma magia o impedia de andar. - Ele... ele vai consumir tudo... ao redor. - Sua voz era quase inaudível.
- Ora, Lodrik... Não diga meus planos para esse pobre jovem. - Uma voz gutural saiu da boca daquele menino. Ele não era um menino inocente. Ele matou todas aquelas pessoas propositalmente. O assassino era ele. - E então… ei de pegar suas essências para mim, igual eu peguei dos habitantes deste vilarejo. - Disse ele em um sorriso funesto. Era assombroso.
Me senti um tolo. Meu feitiço estava se esvaindo cada vez mais, e minhas pernas já estavam começando a tremer. Porém, eu ainda tinha forças e, felizmente, Hugin e Munin estavam lá comigo.
Aos pés daquele menino, estava algo parecido como um círculo de invocação. Como se fosse um ritual. Tudo ao redor estava girando, como se tivesse um tufão no meio daquilo tudo. Um barulho ensurdecedor emergiu, enquanto minha essência e minha alma eram sugadas para aquele meio tenebroso. Mentalmente, chamei Hugin e Munin e eles vieram se transformando em dois mosquitos pequenininhos.
Minhas pernas vacilaram e eu, finalmente, cai. Hugin e Munin pararam ao meu lado esperando pelas minhas ordens.
Aquela criança era um necromancer, visivelmente. Tentei optar pelo ponto fraco dele e que, felizmente, era o meu ponto forte: a vida.
Hugin e Munin ainda em forma de mosquitos foram até o centro daquele tufão (sim, eles eram inimaginavelmente fortes fisicamente) e carregavam consigo um colar que os magos de Malbec me deram: O Colar de Tâmis. Chegando no centro do tufão, eles se colocaram o colar sob o círculo e o tufão começou a desfazer.
Tâmis era a deusa da vida e da lua em meu país, minha tribo a cultuava. Os colares de Tâmis levam a consigo a propriedade da deusa. Extinguiam, por si só, tudo que ousasse aniquilar quaisquer formas de vida presente. Um arma fatal contra qualquer tipo de magia necromante.
O ritual do menino cessou e aquela atmosfera angustiante foi-se consigo. Hugin e Munin eram incríveis.
O menino ficou atordoado. Tudo havia cessado tão de repente.
- O-o que aconteceu aqui? - Perguntou o menino, aos berros. Ele estava tão atordoado que caiu de joelhos. Essa foi a sua sentença. Com a fraqueza de sua magia, Lodrik em um piscar de olhos se recuperou e parou em frente ao garoto, fazendo uma menção.
- Levante sua cabeça ao menos, Laxon. Deixe que pelo menos a sua morte não se torne algo tão desprezível quanto você e a sua vida. - Com lágrimas ao olhos, o menino levantou sua cabeça. Sua sentença se concretizou e sua cabeça rolou ao chão. Lodrik guardou sua espada ensanguentada.
“Quantas armas ele levava consigo? E Como ele se recuperara tão rápido?”, pensei comigo mesmo.
Eu estava exausto. Aconteceu tudo muito depressa; era muita coisa para processar em pouco tempo. Eu podia ver aquele homem – Lodrik, era o seu nome -, ele parecia preocupado. Porém, não consegui evitar, meus olhos se fechavam. À medida que minha consciência se esvaia. Eu não sentia mais nada; fui pego pela exaustão.