UM GRANDE AMOR NÃO SE ESQUECE !
É possível que o conto abaixo seja transformado em FILME... sugiro a CASABLANCA para isso, com Sharon Menezes e o ator global Marcelo (Azevedo?, que venceu um "Dança dos Famosos") como protagonistas. Na trilha sonora o folcloríssimo LP de 1972 de ZÉ MARIA (Parangolé / gravadora SOMA/SOM LIVRE) e o eterno de Capoeira "CORDÃO DE OURO", de mestre SUASSUNA, ambos excelentes como representação da música realmente popular. De minha parte tem 2 ou 3 que podem ser aproveitados, principalmente os de CAPOEIRA!
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(OBSERVAÇÃO -- ADAPTAÇÃO DE CANÇÃO, de Martinho da Vila)
Na falta absoluta de inspiração, sem nenhum tema a abordar optei por "reescrever" a bela música que lançou Martinho da Vila no Samba e nos braços do povo. "Yayá do Cais Dourado" nos apresenta a história completa de um amor que não deu certo, por leviandade da amada. Martinho da Vila segue como "co-Autor" desta versão um pouco diferente no enredo e no desfecho, tendo por "entremeio" a magnífica letra deste samba imortal ! (NATOAZEVEDO - em 19/março 2019)
UM GRANDE AMOR NÃO SE ESQUECE !
"... o sentimento que provém / de
um doce olhar / é sofrimento, / é
só tormento / e faz chorar" !
MARTINHO DA VILA (1969?)
(trecho de samba antigo)
Severino chegou jovem a Feira de Santana, vindo da capital com a família, sua mãe tinha parentes no interior baiano. Mal batera poeira da sola das alpercatas Roda e teve a sensação de ter um anzol cravado no peito. A menina da casa vizinha a de sua tia entrara porta adentro... olhos de amora silvestre, sorriso de estrela Vésper e uma silhueta de sereia morena, a despertar desejos que ainda não conhecia. Ela não fez por menos: jogou seus cabelos na cara do moleque, mudo e tonto, depois enlaçou-os em coque e deu-lhes as costas, bamboleando o traseiro saliente sob a saia branca rendada quase transparente, a calçola (ou "calçota") vermelha marcando o "território".
Era "Ritinha", aliás, Rita de Cássia -- saberia adiante -- um ótimo motivo para visitar sempre a tal tia, que mal conhecera. E foi... e voltou, inúmeras vezes ! Mas eram os anos 60, homem nenhum -- nem pela "metade" -- dava o braço (e o coração) a torcer assim, "de primeira" e êle nem tinha certeza se o gôsto dela seria à vera", pra valer. Mas, "Yayá" -- apelido dentro da casa materna -- não era de esperar pelo que desejasse. Adiantou-se, convidou Severino para ir à quermesse, a cidade estava em festa por causa da Padroeira, Santa Ana !
Namoro naqueles tempos, só de mãos dadas... e olhe lá ! Beijos, nem pensar ! "Saliências", então, só depois de casados... ou quase isso ! Sempre "estavam juntos na feira ou na romaria, nos banhos de cachoeira e também nas pescarias". (*1) Porém o Destino não quiz aguardar tanto... tinham se passado 5 ou 6 anos quando um "janota" da cidade grande, um "play", um "surfista" loiro de olhos azuis navegou "naquelas águas" e aportou no coração da menina-moça, ansiosa por voar, como qualquer passarinho. O rapaz, príncipe de poucos encantos, chegara num carro-esporte já bem usado, à procura de fazendola que estivesse à venda. Assentou-se "nas terras de carne de osso" de "Yayá", ela sem forças para recusar o convite de morar na Capital, "viver no bem-bom" e ter marido "barão" ! Foi a sua perdição... trocou a "união de almas e corações" que tinha com Severino pela "paixão de corpos" em redemoinho de desejos, infelizmente passageiros. Descobriu tarde demais que era apenas "um naco de carne", um "petisco" à disposição do mocinho descompromissado.
Em poucas semanas largou aquele amor sem prumo nem rumo e, "encostada" na casa de conterrânea santanense, abriu um cantinho para atuar como manicure e cabeleireira -- dentro da casa, estreita saleta -- que prosperou e fez-se sucesso. Primeira revendedora da Avon e da Chrystian Gray, tornou-se consultora de renome em perfumes, loções e shampoos, até para homens -- com Pantene e Gillette -- reconhecida por toda a vizinhança. "Apossou-se" de meia casa, ensinando a amiga as técnicas de sua profissão.
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Severino não ficou muito tempo lá em Feira... tudo lhe lembrava "Ritinha", aliás, "Yayá", a cidadezinha o agoniava. Deu meia-volta, rumando para Salvador, não sem antes despedir-se da mãe e tia:
-- "Menino, você não está indo atrás dela... está" ?!
-- "Que é isso, mamãe... risquei aquela ingrata do meu caderno, vou ser tarefeiro no cais do porto" !
No famoso "Cais Dourado", os galpões de latão brilhavam como ouro, ao pôr-do-sol", veio daí o apelido. Igreja e Capoeira, cais e Capoeira, praia e Capoeira... a luta-dança estava m toda parte na velha Bahia e Severino, por distração, acabou aprendendo e bem. Tornou-se um Ás, um bamba, um "capoeira", seu nome correu pela Ribeira, Pelourinho, Mercado Modelo, por meia Salvador e terminou no "Salão Rita Bonita" pela boca inocente de jovem namoradeira, com um "caso" lá na Doca.
-- "Dona Rita, já foi ver a Capoeira no Cais Dourado ? Não ?! Pois, então vá... é sábados de tarde, tem lá um mestre que é um espanto, um tal de "Paranauê". E que homem, meu Deus... que homem, dona Rita" !
-- "Eu lá 'tou atrás de homem, menina" ?!
-- "Desculpe, senhora, não foi o que eu quiz dizer" !
-- "Está bem, vamos lá nós duas, me pegue aqui à tardinha, no sábado que vem" !
E foram... que o Destino adora aprontar com as pessoas ! Levou um susto ao reconhecer o tal "Paranauê" e as lágrimas desceram junto com o arrependimento que voltou a tona. "Ai, amor, pra que nasceu com a missão de ser amor sem fim..." (*2) À moça, preocupada, ela explicou:
-- "Desculpe, é bobagem... Capoeira me emociona" !
Demorou séculos para terminar a Roda, já se fazia noite quando ela se aproximou de Severino, digo, "Vérinho", aliás, mestre "Paranauê":
-- "Precisamos conversar... você vai me ouvir" ?!
-- "Diga logo o que quer, estou com pressa" !, a voz soou seca, dura, a raiva contida querendo explodir.
-- "Sei que errei, "Vérinho", queria o teu perdão" !
-- "Perdão, senhora dona Rita de Cássia... perdããão" ?!
-- "Um grande amor como o nosso, "Vérinho", tem ternura e tem carinho, tem castigo e tem perdão" ! (*3)
-- "Oh, muito conveniente pra você, "Ritinha"... eu virei CORNO da Feira inteira. "CHIFRUDO" !
"Per'aí, veja lá o que vai falar, senhor Séverino... fui moça direita enquanto estivemos juntos. Só lhe deixei quando o troquei pelo "moço requintado" da Cidade" !
-- "É a mesma coisa ! Você partiu meu coração e passou por cima dos pedaços com uma Catterpillar" !
-- "Vim fazer as pazes; se não quer, problema seu. "Quem ama a vida como ela é não vai querer quem não lhe quer"! ADEUS !
Deu-lhe as costas, enquanto êle, aos berros, repisava:
-- "CORNO, dona Rita de Cássia... COOOOORRRNNO" !!!
E o "capoeira, que era valente, chorou" ! (*4)
Nenhum dos 2 dormiu naquela noite e por motivos parecidos: o chão queimava sob os pés descalços do "capoeira", que decidiu retornar à Santana o mais breve possível; ela sentiu Salvador sufocante, mais abafada do que nunca ! Soube pela mesma mocinha, dias depois, que o "capoeira" partira, voltando para o Interior. Chamou sua amiga "Lili", desmanchou o "cabelão bolo de noiva" de madame, voltando às tranças "de molinha" dos tempos de menina e declarou:
-- "Você já sabe tudo o que precisa... tome conta do Salão, vou viajar e não sei se volto, "vou atrás do meu Destino" !
-- "Mas, que "bestage" é essa, dona Rita... o que é que eu faço, se não voltar" ?!
-- "Ficas com êle, ora... afinal, está na tua casa" !
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Severino desceu do "lotação" em Feira de Santana, mais aclamado do que prefeito recém-eleito. Sua fama de mestre da "Capoeiragem" cruzara o Estado. Sua mãe estava orgulhosa, embora estranhasse o apelido:
-- "Mas, que negócio de Paraná é esse, meu filho... você é baiano, "visse" ?!
Toda noite, ao lado da Igreja, a Roda seguia animada, o mestre admirado pela mandinga e ligeireza. Seu sétimo sentido o alertou, alguém o observava pelas costas. Um "capoeira" antigo lhe cochicha:
-- "A Rita chegou, 'tá assistindo a Roda" !
-- "Rita ? que Rita ? Não conheço Rita nenhuma" !, respondeu secamente, o coração "correndo" mais do que queniano na São Silvestre. Olhou com o "rabo do olho" e "bateu de frente" com um par de "ameixas cintilantes" de um mulherão de "fechar o comércio". Num átimo de segundo ela, por sua vez, com a intuição feminina "herdada de Eva", viu naquele rápido olhar tudo o que sempre quiz. Perdera várias batalhas na Vida mas, ainda assim, vencera a guerra ! Cantarolou "modinha" de LP recém-lançado: "Ai, pra quê me multipliquei e a mim somei você, sem calcular..." !
"Yayá", senhora de si, independente já naqueles anos 70 -- uma "Leila Diniz" de Feira de Santana -- foi morar de aluguel num belo sobrado no centro, bem perto da igreja. Passou noites em claro, sabia o que estava por vir... a lua minguante deixara a praça na penumbra. Passada a meia-noite, uma coruja piou 3 vezes ! Sinal de mau-agouro em tempos antigos, a ansiada felicidade naqueles dias. Abriu a janela sem ruídos e a luz do quarto delineou vulto masculino pulando com desenvoltura para dentro.
A coruja "piou" por várias noites e várias semanas... "Yayá embuchou" solteira, para alegria das fofoqueiras de plantão. "Estavam juntos em todo calango e festinha... passeavam de mãos dadas tardezinhas, alheios ao falatório e casariam assim que o rebento nascesse, garoto parecido com "Vérinho" -- como sonhava "Ritinha" -- ou menina linda e dengosa como a "matriz", no desejo do "capoeira".
Em Salvador "Lili"cansou de esperar... o Salão agora se chama "CAIS DOURADO", onde a Sorte dos 3 começou a brilhar !
"NATO" AZEVEDO (em 19/março de 2019, 6 e 21 hs)
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OBS: do (*1) até o (*6) - trata-se de trechos de canções do LP de estréia de MARTINHO DA VILA, "Memórias de um Sargento de Milícias", Rio, 1968/69