Chapolin encontra o Papai Noel

CHAPOLIN ENCONTRA O PAPAI NOEL
Miguel Carqueija

— Io! Oh! Oh! — exclamou o Papai Noel, preparando-se para descer pela chaminé. As renas, entediadas, deitaram-se de qualquer maneira pelo telhado inclinado, que só não ia abaixo por causa da magia élfica que acompanhava os ruminantes.
Noel desceu com um de seus sacos e ao sair na sala constatou estar todo sujo de fuligem.
— É um problema! As pessoas estão cada vez com menos consideração! Antigamente sempre limpavam as chaminés pelo Natal!
Aborrecido, largou o sacão ao lado e se pôs a sacudir a sujeira nos braços e no peito. Porém, ao se abaixar um pouco para tirar a fuligem das calças...
RASG!!!
— Oh, não! Oh, não! Isso não pode ter acontecido!
Infelizmente, ao passar a mão no local, constatou que tinha acontecido sim, e pior: o rasgão nos fundilhos era extenso e com certeza perfeitamente visível.
O Papai Noel ficou quase desesperado. Com a mão no rosto pôs-se a analisar a situação:
— O que é que eu vou fazer? Não tenho material de costura e mesmo que tivesse, eu não sei costurar. Os meus elfos costureiros estão todos lá no Polo Norte. Eu ainda tenho milhões de casas para visitar e como é que eu vou fazer isso com as calças rasgadas? E se alguém me avistar?
Aflito, desolado, ele baixou o rosto, cobrindo-o com as duas mãos, e exclamou pateticamente:
— Oh! E agora? Quem poderá me ajudar?
Nisso ele escutou um trambolhão chaminé abaixo e uma figura muito estranha, com um uniforme vermelho que lhe dava aparência de inseto, surgiu esparramando-se pelo chão:
— Eu!!!
— O Chapolin Colorado!
— Não contavam com a minha astúcia!
De tão surpreso o velhinho nem ajudou o recém-chegado. Chapolin ergueu-se e pôs-se a dar safanões nos braços e pernas para se livrar da fuligem:
— É um problema! As pessoas estão cada vez com menos consideração! Antigamente sempre limpavam as chaminés para que o Chapolin não se sujasse!
— Pare, Chapolin! Você está repetindo exatamente o que eu disse! Com exceção da última parte, é claro!
— Bom, deixa pra lá e vamos ao que interessa! Pra começo de assunto, quem é você?
— O que você disse?
— Perguntei quem é você, é claro!
— Chapolin, você está querendo dizer que não sabe quem eu sou?
O Vermelhinho fez um sinal negativo com a cabeça.
— Não posso acreditar nisso! Olha pra mim! Você está querendo dizer que nunca me viu mais gordo?
Chapolin pôs a mão no queixo em atitude reflexiva:
— Hum... eu acho que isso seria impossível!
— Seu burro, não está vendo que eu sou o Papai Noel?
— Ah, sim! Como eu sou distraído! Eu já vi você pelos “shopping-centers”...
O Papai Noel tossiu embaraçado.
— Bem — prosseguiu o Chapolin — não tem problema, ou melhor, qual é o seu problema?
— Ah, bem... o meu problema...
— Sim, o seu problema, Papai Noel. Me diz qual é, para que eu possa ajudar!
— Mas, mas... sabe, Chapolin, eu tenho vergonha de falar...
— Mas, homem, se você não falar como é que eu posso te ajudar? Vai querer que eu adivinhe?
— Não, não, é claro que não. Acho que não tem jeito. É o seguinte, Chapolin: eu rasguei a minha calça.
— Ué! Não me diga que todo o problema se resume a isso!
— O que você quer dizer, Chapolin? Eu não fiz nem a metade das entregas e não posso continuar de calça rasgada, ainda mais no fundilho!
— Bem, deixa eu dar uma espiada então!
— O que? Nem pensar! Não se atreva! — exclamou o bom velhinho, protegendo a região com as mãos.
— Mas o que é que você quer que eu faça, se nem posso examinar o problema de perto?
— Depende. Você trouxe material de costura e sabe costurar?
— Tá me estranhando? — disse o Chapolin, de cara feia.
— Já vi que não adianta por esse lado. Você tem pelo menos alguma boa ideia?
— Só essa, Papai Noel: por que não continua assim mesmo?
— Sem essa! Você está louco! Acha mesmo que eu vou prosseguir na minha viagem aérea com o meu fundilho rasgado?
— E por que não? Por causa do frio da noite?
— Bem, isso na verdade não... afinal eu estou de ceroulas.
— Então qual é o problema, se ninguém irá vê-lo?
— Qual é o problema? Ora essa! — exclamou o Papai Noel, abrindo bem os braços. — E a minha dignidade, Chapolin? A minha dignidade?
— Dignidade? Mas que dignidade? Logo você?
— Como assim? O que está insinuando? Eu sou Papai Noel!
— Pois é! Você é o maior enganador do planeta! Finge que gosta das crianças mas nada ensina a elas de bom, só lhes dá presentes para que elas se tornem gananciosas e consumistas! E não entra em casas pobres! Você é o símbolo do consumismo e ainda por cima usa essa roupa ridícula! Você viaja pelo mundo com roupa de andar no polo! E como se tudo isso não bastasse ainda explora as suas renas, que estão muito magras! Você não entra em favelas nem cortiços, nem mesmo em continentes inteiros onde não existem chaminés! E vem me falar em dignidade?
— Mas espera aí, Chapolin! Quem é você para vir me dizer que a minha roupa é ridícula? E a sua então?
— Acontece que todo super-herói é obrigado a usar trajes ridículos, isso está no nosso estatuto. Mas não desvie a questão. Eu perguntei de que dignidade você está falando.
— Bem... bem... mas procure entender, pelo menos a APARÊNCIA de dignidade eu preciso manter!
— Bem, deixa eu pensar um pouco...
Assumindo uma atitude muito reflexiva o Chapolin virou-se para dar uns passos e imediatamente tropeçou no saco de presentes, esborrachando-se no chão.
— Chapolin! Você se machucou?
— Não, é claro que não. Fiz isso propositalmente para testar minha habilidade em cair, pois todos os meus movimentos são friamente calculados!
— Pois não faça mais isso! Quer danificar os brinquedos? Ainda nem entreguei os dessa casa!
— Fale baixo! Quer acordar todo mundo?
— Acordar? Está doido? Mas que pergunta boba... Chapolin, você esquece que eu sou Papai Noel, que eu tenho poderes! Então você não sabe que nas casas que eu visito ninguém acorda, por causa do meu poder mágico? Enquanto eu estiver aqui absolutamente ninguém vai despertar!
Mal ele acabou de falar isso e ouviu-se um tropel múltiplo e a sala foi invadida por quatro crianças, dois adultos e um “setter”. As crianças gritavam, o cachorro latia.
— Papai Noel! É o Papai Noel mesmo!
— E não é só ele, não! Ele nos trouxe o Chapolin Colorado como presente!
O super-herói então olhou firme para o “bom velhinho”:
— O que é mesmo que você estava me dizendo?
O Papai Noel fez um gesto de impaciência:
— A culpa é sua! A sua presença perturbadora parece que causa curto-circuito nos meus poderes...
— Se aproveitam da minha nobreza...
— Xi, Papai Noel! Você está com a calça rasgada no fundilho! — disse uma das meninas.
— Carol! Não encosta a mão no fundilho do Papai Noel! — gritou a mãe.
— Ai, que vergonha...
— Não fica assim, Papai Noel — disse o pai das crianças, no meio da algazarra dos pequenos. — A minha esposa costura a sua calça. Você está com roupa de baixo, não está?
— É claro! As minhas ceroulas vermelhas!
— Viu só? — disse o Chapolin. — Eu já resolvi o seu caso, e quase sem trabalho!
— Ora, seu...

...................................

Mais tarde, com os presentes já entregues às crianças maravilhadas e as calças já costuradas, o Papai Noel dispôs-se a ir embora. Os pais queriam que ele ficasse mais um pouco tal a alegria das crianças, que haviam colhido autógrafos e batido fotos dos dois visitantes, além de mexerem muito nas anteninhas do Chapolin. Mas, claro, o Papai Noel foi inflexível:
— Desculpem, agradeço muito tudo o que fizeram, mas vou ter mesmo que ir, já estou muito atrasado.
— Não tem problema. Eu vou com você — disse o Chapolin. — Aliás preciso muito de uma carona!
— O que? Mais essa? Não, você não pode ir comigo!
— E por que não? Do jeito que você está atrasado vai precisar de um ajudante! Não pode recusar a minha ajuda!
Pela primeira vez em sua longa vida, o Papai Noel chorou.

Rio de Janeiro, 9 a 17 de abril de 2017.




(Papai Noel, do folclore europeu, imagem pixabay. Chapolin Colorado, imagem internet, personagem criado, produzido em série da tv mexicana e interpretado por Roberto Gomes Bolaños.)