Orinsuke - Capítulo 08: Aprendiz de Samurai

A viagem para Hikuran, a aldeia-capital do território Wanabi, foi tranquila, apesar das três horas cavalgando, e o trio Kiha, Katayama e Orinsuke percorreram planícies, bosques e pequenos morros cobertos de vegetação.

Para o garoto de Kimoto, a viagem foi uma experiência nova e cheia de expectativas, já que nunca tinha ido tão longe além de sua aldeia, e as paisagens do norte se descortinaram para ele como um novo mundo. Além disso, estava na companhia de dois samurais, e nas poucas aldeias por onde passaram, eram recebidos com alegria e reverência. Orinsuke se identificou com os simples aldeões, que enxergavam os samurais como grandes defensores da paz e da ordem.

Orinsuke não sabia o que esperar quando chegasse à Hikuran. Se conseguiria adaptar-se à nova vida, se teria coragem de enfrentar os desafios comuns aos samurais, se saberia controlar seu poder recém-descoberto.

Durante a jornada, Kiha voltou a falar sobre as mahoudame, as técnicas mágicas proibidas, que num passado distante foram criadas e aperfeiçoadas por sete poderosos clãs. Esses clãs foram perseguidos no passado e seus últimos remanescentes mortos após a Guerra do Amanhecer, treze anos atrás.

- Eu tenho treze anos – disse Orinsuke.

- Sei o que está pensando – falou Kiha – Sim, você deve ter nascido na época do final da guerra. Até onde me foi revelado, nunca houve notícia de qualquer remanescente dos clãs perdidos, todos tinham perecido. Você é a prova de que isso não representa a total verdade.

- Então é possível que meus…

- Não se prenda a esperanças vãs, garoto – foi a vez de Katayama falar. O mesmo, com seu jeito sisudo, estava a um bom tempo calado e resolveu interromper a conversa – Aquela guerra deixou um rastro grande de mortes. E muitos órfãos também – o samurai grandalhão apressou o passo do cavalo, distanciando-se. Algo pareceu incomodá-lo.

Orinsuke, que estava na garupa do cavalo de Kiha, baixou a cabeça e silenciou.

- Katayama tem seus motivos para reagir assim – disse a samurai.

- Desculpe, não queria irritá-lo. Mas a senhora acha que alguém mais possa estar vivo além de mim? Do meu clã? Meus pais? - Orinsuke falava baixo, com voz entristecida.

- Olha, Orinsuke, não vou te iludir. Já ouvi falar, pela boca dos guerreiros mais antigos, que logo que a poeira da guerra baixou, formaram-se muitas expedições em busca de possíveis sobreviventes dos antigos clãs, seguindo pistas soltas e boatos em aldeias distantes. Mas nenhuma trouxe boas notícias, algo concreto. Portanto, não aconselho alimentar esperanças nem esperar por algo que não virá.

- Entendo. A senhora tem razão, acho que já esperei demais – falou Orinsuke.

Foi a vez de Kiha ficar em silêncio.

A primeira coisa que deixou o queixo de Orinsuke caído foi ver a muralha que cercava Hikuran, a grande aldeia-capital do clã Wanabi. Era uma construção maciça formada por pilastras de madeira bem unidas com, pelo menos, cinco ou seis metros de altura. Antes de chegar propriamente a entrada da aldeia, já dava para notar o constante movimento de mercadores com suas carroças e produtos, algo que fez Orinsuke lembrar da vida que tinha deixado para trás e, principalmente, do Sr. Onoke. Mas seus pensamentos foram substituídos pelo vislumbre da grande aldeia à sua frente. Era clara a diferença entre a pequenina aldeia de Kimoto e Hikuran, centro administrativo do território Wanabi.

Orinsuke, Katayama e Kiha passaram pelo grande portão principal, margeado por duas torres de vigilância. Pela primeira vez em sua jornada, Orinsuke avistou outros samurais, de diferentes idades, posicionados nas torres e se movimentando pela muralha, com seus olhares atentos a todos que entravam e saíam. Dentro da aldeia havia intenso movimento de pessoas, a pé ou em carroças, sozinhas ou acompanhadas. Kiha e Katayama, numa espécie de passeio turístico rápido, foram mostrando as lojas, bazares, tavernas, casas de chá, oficinas e outros pontos importantes, inclusive a praça central, uma área de vegetação utilizada como ponto de repouso e meditação.

Por falar em treinamento, os três, depois de caminharem na direção oeste, pararam diante de uma construção no alto de uma pequena elevação, uma espécie de muro, com uma escadaria larga que terminava num belo portão de madeira onde estavam entalhadas as figuras de dois samurais em posição de combate, empunhando suas katanas e manipulando os elementos da natureza, na explicação de Kiha.

O portão era guardado por quatro samurais, vestidos em suas tradicionais armaduras, formadas por conjuntos de placas que protegiam peito, costas e a lateral dos braços, indo do ombro a altura do cotovelo. Além disso, vestiam camisas de manga longa, calças largas de tecido grosso, sandálias de couro e caneleiras.

O trio de recém-chegados subiu as escadas sob os olhares atentos dos guardiões do portão.

- Kiha, Katayama. Sejam bem-vindos de volta – falou um dos samurais que guardava a entrada. O mesmo encarou Orinsuke de cima a baixo – Fiquei sabendo que estavam em missão no sul.

- Olá, Shimura. Sim, estávamos no encalço de uma gangue de assaltantes e tivemos êxito em desbaratá-la. Aquela região vai ter um pouco mais de paz agora – disse Kiha.

- Está falando dos bandidos que aterrorizavam os comerciantes na região de Damari? - perguntou Shimura. Orinsuke prestava atenção na conversa e observou que todos aparentavam ter a mesma faixa de idade, por volta dos vinte anos ou próximo disso.

- Exatamente – respondeu Katayama – Em outra hora contamos os detalhes, mas agora precisamos falar com a Shidosha-sama.

Shimura voltou a encarar Orinsuke.

- Então resolveram trazer um dos bandidos para interrogatório, certo?

- Desculpe, senhor, sou um simples ajudante de agricultor – Orinsuke percebeu as palavras saírem como que por vontade própria em sua defesa. No fundo não gostou de ser chamado daquela forma. Mas sentiu-se envergonhado pela resposta abrupta e baixou os olhos.

- Esse é Orinsuke, de Kimoto, nosso visitante- falou Kiha.

- Muito bem. Se está com vocês, não há com o que se preocupar – Shimura abriu um sorriso e empurrou o portão, dando passagem ao grupo.

O que Orinsuke viu assim que passou pelo portão foi uma grande área composta por algumas construções e o que parecia ser um pequeno bosque do lado esquerdo. Dentre as construções, uma delas chamava a atenção por ser a maior, possuindo três andares, como uma pequena torre se destacando no ambiente. Logo a frente uma escada descia e dava num pequeno descampado, onde um grupo de garotos e garotas, observados por um adulto, faziam movimentos vigorosos, simulando uma luta. Percebeu que eram tão jovens quanto ele. Seriam aprendizes de samurai?

Como que respondendo ao seu pensamento, Kiha falou.

- Esse é o distrito de Jinkai. É aqui onde as novas gerações de samurai são treinadas. Você não disse que esse era seu desejo? Então é aqui que deve dar seus primeiros passos para conquistá-lo.

Orinsuke sentiu o ânimo aquecer seu coração diante das palavras de Kiha. Não sabia que tipo de desafios deveria enfrentar para alcançar seu objetivo, mas isso não importava naquele momento. O brilho nos olhos, ao ver aquele lugar, e a falta de palavras representavam a alegria do momento.

O trio desceu as escadas e passou por trás do grupo de aprendizes, que continuavam realizando seus movimentos, golpeando o ar com mãos e pés. Orinsuke não conseguiu evitar observar com atenção a sessão de treino com aqueles meninos e meninas com rostos suados e olhares fixos à frente.

O sensei, com seu semblante severo, cicatriz no lado esquerdo do rosto, observava atentamente a turma. Pensou estando junto daqueles alunos, e perguntou-se como faria para realizar aqueles movimentos. De repente algo lhe chamou a atenção. Na verdade alguém.

- Yume? - as palavras saíram sem controle. Orinsuke ficou parado, coração acelerado, olhando para aquele rosto tão conhecido de sua infância. Jamais imaginaria que pudesse encontrá-la logo ali, treinando para ser uma samurai. Alguém de Kimoto. Não conseguiu evitar que um sorriso se abrisse em seus lábios.

- O..Orinsuke? – respondeu ela, também surpresa com aquele encontro repentino. Não notou quando o sensei chego por trás e lhe deu um tapa na cabeça para chamar sua atenção.

- Quantas vezes preciso dizer que não se deve sair da formação, aprendiz – esbravejou o sensei.

- Ai. Desculpe, Azura-sensei – Yume rapidamente retomou a postura. Alguns ao seu lado começaram a rir e também foram repreendidos.

Katayama puxou Orinsuke pela manga e arrastou o garoto dali. Os três atravessaram o distrito, se dirigindo para a estrutura maior onde, segundo informação de Kiha, ficava o centro administrativo e estratégico da força samurai, como também o local onde iriam apresentá-lo à líder do clã Wanabi.

Durante o caminho, alguns guerreiros cumprimentaram Kiha e Katayama e ficavam olhando para aquele garoto franzino com roupas sujas. Orinsuke nunca tinha visto tantos samurais num só lugar. Era um ambiente que, apesar da calma, transparecia seriedade e severidade palpáveis. Um ambiente em que começava a fazer parte de agora em diante.

Orinsuke subiu as escadas do prédio principal do distrito, sempre acompanhando Kiha e Katayama, e adentrou a principal sala, localizada no último andar, onde estava a shidosha do clã Wanabi.

O local era amplo e sustentado por duas grandes pilastras, com um belo piso de madeira, poucos móveis, apenas uns armários nas paredes laterais, um grande tapete no centro entre as pilastras. Em cima do tapete dava para ver algumas almofadas e dois pequenos armários compostos de vários espaços, onde estavam guardados uma grande quantidade de pergaminhos.

O ar cheirava a incenso. Mas o que chamava mais a atenção era o belo janelão com vista para todo o distrito de Jinkai. Parada em frente a grande janela, contemplando a paisagem lá fora, estava uma figura pequena, uma senhora levemente encurvada pela idade, com cabelos brancos como a neve e apoiada numa bengala. A mesma vestia um bonito manto lilás e dourado, com a figura de um carvalho nas costas.

- Shidosha-sama – falou Kiha. A pequena senhora se virou e Orinsuke viu que a anciã estava fumando um cachimbo, exalando uma leve fumaça branca. Kiha e Katayama se curvaram numa reverência. Orinsuke acompanhou o movimento.

- Kiha. Katayama. Que bom que voltaram bem. Recebi o falcão mensageiro que enviaram e fico feliz pelo sucesso da missão – a líder Wanabi expressava um leve sorriso enquanto dava baforadas, espalhando fumaça no ambiente. Se aproximou de Orinsuke e o encarou de cima a baixo – Confesso que estava ansiosa para conhecer nosso visitante. Como se chama, garotinho?

Levantou a cabeça e olhou nos olhos da Shidosha. Ela estava bem à sua frente e era tão baixinha quanto ele, mas aqueles olhos e o rosto enrugado transmitiam profunda experiência. Neste momento lembrou do Sr. Onoke, embora a líder parecesse ser mais velha que seu pai adotivo.

- Eu me chamo Orinsuke, senhora – respondeu. O garoto percebeu que a senhora o encarava, examinando seu rosto.

- Você tem um olhar marcante, Orinsuke, cheio de vida, cheio de vontade, de curiosidade. Isso é muito bom para um aprendiz. Espero que em sua estadia na nossa aldeia, você sacie sua vontade de aprender.

- S..sim, senhora. Me esforçarei por aprender o melhor que puder.

- Sabe porque foi trazido para cá? - a Shidosha continuava olhando nos olhos de Orinsuke em meio as baforadas no cachimbo.

- Sim. Para me tornar um samurai. Esse é o meu sonho – Orinsuke não sabia ao certo que resposta a líder queria ouvir dele. Apesar de ouvir a respeito do poder que havia despertado, da história envolvendo os clãs perdidos e das guerras do passado, nada disso importava diante do seu grande desejo. Essa era a única resposta que poderia dar agora, pois era a mais sincera.

A velha Shidosha fez uma cara de contentamento e deu uma grande baforada.

- Então seja bem-vindo a Hikuran, aprendiz. Que tenha longos anos de serviço ao clã Wanabi. E que os deuses o guiem nessa jornada – desta vez foi Orinsuke quem abriu um sorriso ao ouvir as palavras de incentivo da velha líder do clã.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 26/02/2019
Código do texto: T6584685
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