Afrodite*
Meu nome é Hefesto. Passava horas em sítios de namoro até a noite em que encontrei Afrodite e inciamos uma amizade virtual, que mudaria o rumo de minha vida. Trocávamos ideias sobre vários assuntos. Afrodite falava sobre tudo com sabedoria. Seu poder de convencimento era desmesurado. Deixava pouco espaço para eu falar, mas não me importava. Gostava mesmo era de ouvi-la narrar suas aventuras amorosas. Não me esqueço de sua primeira confissão sexual com um oficial da marinha mercante. Fizeram sexo em meio a ondas, longe da costa. Ela narrava os mínimos detalhes: de como ele a penetrara, rodeada por tubarões. Esqueci algumas aventuras, por considerá-las banais. Às vezes eu conseguia interrompê-la e trazê-la ao meu mundo. Mas Afrodite fazia ouvidos moucos, para antecipar outras aventuras com homens do sítio de namoro. Perguntei-lhe várias vezes se fizera amor com mulheres ou em grupo. Sempre respondia que não gostava. Mas não se satisfazia com apenas um homem. "De cada vez, amigo", fazia questão de esclarecer. Assim acontecia. E em cada semana ela saía com um, às vezes em um único dia, com dois.
N'outra ocasião, depois de muitas trocas de mensagens, ela se encantara com um nissei, por conta das músicas que ele lhe enviava. Afrodite, contou-me, agitada, que o nissei a deixava bolada. Imaginava a estrepolias sexuais que fariam. "Meu amigo, o nissei está consumindo os meus dias. Ele me conquistou pelo ouvido. A cada música que me envia, eu me masturbo. Meus pelos arrepiam. Preciso vê-lo com urgência, mas o maluco adia. Fico molhadinha, não sei mais o que fazer", arrematava desligando o telefone, para em seguida retornar a ligação e revelar um novo encontro, agora com um médico sarado, cheio da grana. E se despedia com um sorriso maroto.
As aventuras de Afrodite mexiam com os meus sentimentos. Algo estranho se movimentava em meu ser e eu não sabia identificar. Esperava, ansioso, o telefone tocar. Raramente falávamos pelo whatsapp ou messenger. Não sei porque motivo, ela preferia o telefone. Pedi-lhe várias vezes para falarmos pela câmera, mas ela nunca aceitou. Sua negativa levou-me a desconfiar quem de fato era Afrodite. Comecei a pôr em dúvida a sua identidade e ela me enviou uma foto da bunda, com uma calcinha apertada. Linda, redonda. E apagou em seguida. Respondi, que queria de corpo inteiro, nua ou seminua. "Sou exatamente como te disse: seios duros, medianos, coxas grossas e bem torneadas, deixo os homens enlouquecidos. Este rosto que você vê é meu. Quanto as outras partes, não insista. Envio fotos no sítio e apago imediatamente, meu amigo". Eu não gostava que ela me chamasse de amigo. "Amigo porra nenhuma, sou seu Hefesto", retrucava em tom de brincadeira, mas no fundo... Explicarei à frente, porque o telefone está tocando. É ela!
Para me contar, atropelando as palavras, que passara a tarde em um motel vagabundo, uma espelunca, com um cowboy tosco, que falava tudo errado, "mas, meu amigo, faz sexo como poucos. O cara me virou pelo avesso. É a primeira vez que peço a um homem um descanso. Foram quase três horas de sexo ininterrupto. O cara é um monstro", arrematava com satisfação. E completava, "mas não quero sair com ele mais não, quero alguém mais refinado".
Assim que desligava, meu corpo fremia. Sonhava acordado com Afrodite em minha cama, na hidro coberta de pétalas aromáticas e a gente se divertindo da forma em que vinhemos ao mundo. Eu a conduzia nua à cobertura, para um banho na piscina térmica. Lá eu tiraria centenas de fotos dela em posições sensuais. Só de imaginar a cena, eu ficava excitadíssimo. Ela desfilando ao redor da piscina, entre gerânios e jasmins. De repente o telefone toca e me tira do devaneio. Para me contar, que transara dentro do automóvel, com um empresário do petróleo, que prometera mundos e fundos em troca da sua fidelidade, mas ela recusa, alega não ser mulher de apenas um. Eu sugiro que ela aceite, sem precisar cumprir a promessa. Ela responde não, pois se diz incapaz de trair um pacto de fidelidade. E conta, com o tradicional sorriso maroto, que as águas a excitam. Gosta de fazer amor no mar, sob ondas e tempestades. Também sob cachoeiras, rios e lagos. Eu sou o contraponto dessa mulher nascida nas águas. Sou fogo. Nosso encontro é inevitável se se confirmar que os opostos se atraem. Mas voltando a Afrodite, ela acaba de me ligar, pra dizer que retornou aos braços e afagos de um ex de mais de dois metros de altura. Ele a procurou e ela não resistiu. O peso do seu corpo sobre o dela, o pênis enorme em sua fenda, marcou-a. O nome dele é Ares, amante das armas e da guerra. "Ele - conta - me espreme contra o colchão com força descomunal..." E segue a narrativa de um sexo selvagem. "Ele faz sexo com um revólver apontado em minhas têmporas", diz amedrontada. Depois do orgasmo, Ares a empurra e a agride com duras palavras. Foge em seguida. "Talvez, amigo, para não me matar, não quero vê-lo mais", desabafa, num choro. E me manda a foto de Ares, "caso aconteça algo comigo, você poderá ajudar nas investigações". Fico em silêncio. Ela insiste e eu respondo, "ah minha doce Afrodite, não vá mais ao encontro de Ares, é loucura!". Ela concorda.
Mas, dentro de mim um sentimento indecifrável vai ganhando forma. É como uma chama que me consome por dentro.
Afrodite ficou sem me ligar por três dias. Enviava-lhe mensagens. Nada de respostas. No segundo dia notei que ela acessara o zap. Nada de respostas. Cogitei de que ela estava em perigo. Teria saído com Ares novamente? Algo me comia as entranhas. Eu estava com raiva, medo, ciúmes. Não quero falar com ela. Não, quero sim. Sentimentos opostos invadiam meu âmago. No terceiro dia, à tarde, como de costume, ela me ligou. Ah, tive vontade de matá-la. Desgraçada. Contou-me que fora amarrada e amordaçada por Hermes. Que a experiência a levara a orgasmos múltiplos. Um misto de sentimentos contraditórios deixou-me arrasado. Como na maioria de nossas conversas, eu apenas ouvia. Até o momento em que explodi:
- Caralho, me deixa falar! Porra. Eu estava com os nervos à flor da pele, ardendo em brasa. - Desgraçada, pensa que meus ouvidos são depositários de sua promiscuidade? Falei tudo que estava engasgado. Só parei quando ouvi seu choro. "Por favor, meu amor, não chore, me perdoe". Entre soluços disse que não me contaria mais suas peripécias libidinosas. "Não meu amor, conte-me tudo, fico feliz de saber". Porém eu não estava certo disso. Como poderia ser felicidade se suas aventuras sexuais me maltratavam e davam-me prazer? Essa ambivalência estava me consumindo. Tomei uma decisão. Afrodite seria somente minha. Elaborei um plano. Convidei-a a vir em minha casa. Quase chorei de alegria com o seu aceite. Enquanto não vem, ela continua me ligando, contando suas experiências libidinosas, mas agora, em busca de uma relação monogâmica, duradoura.
Estou certo de ser o escolhido.
* Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mito!