Os três coqueiros
Havia apenas três coqueiros naquela praia perdida. Eu era um deles. Ficávamos a mais ou menos 30 metros um do outro. A praia era pequena. Parecia uma enseadazinha. Pouco assanhadinha para o seu charme de local solitário e águas quase sempre tranquilas.
Acordávamos sempre juntos e assim íamos dormir também. Por alguma razão que não conseguíramos descobrir, apenas eu não produzia cocos. O que, a princípio, deixou meus amigos (ou irmãos) preocupados. Mas depois, eles disso se desligaram, vendo que eu não me deixara vencer por apatias. Na verdade, sentia certa inveja quando algum homem ou menino, nas raras presenças dos habitantes locais, subiam em meus amigos para apanhar cocos. Mas como a praia era escondida e pouco frequentada, isso quase nunca acontecia.
Podia ser de 40m a extensão da areia até o início da vegetação, tendo a praia talvez 500m de comprimento em linha curva. Você poderá perguntar como um coqueiro pode ter ideia de valores num sistema métrico. E eu poderei perguntar-lhe se você faz ideia das aflições, angústias, alegrias e regozijos que pode sentir um coqueiro ao longo de sua existência.
Depois que acordávamos, se não estava chovendo, recebíamos os prestimosos raios de sol que nos traziam a sua alegria, ainda que dela não estivéssemos precisando. Se estivesse chovendo, não era menor a alegria. Precisávamos nos refrescar. Sentir a contrapartida do calor, que sempre era em quantidade maior que o tempo fresco.
Preocupávamo-nos com os que se beneficiavam das nossas sombras. Primeiro pela companhia diferente da de nós mesmos, acompanhada das conversas que não sabiam que podíamos escutar. Depois pela satisfação que percebíamos que causávamos aos outros.
A hora do almoço era religiosa. Sempre com o sol a pino o terreno nos avisava que a refeição seria servida. Quando chovia, nada se alterava. O terreno estava ali pra nos chamar pro almoço.
Nunca tivemos o prazer da presença de um mico sequer galgando o nosso tronco. Talvez porque não existisse árvore alguma perto da gente. Mas um dia chegou uma onça e seu filhotinho. Vieram descansar um pouco e, não sei por que, preferiram a minha sombra. Percebi então que a onça estava um pouco agitada, meio esbaforida, embora procurasse não permitir que seu filhote notasse. Senti-me por alguns instantes como um pai, observando as tentativas da onça filhote para galgar o meu tronco. Logo depois a mamãe onça foi embora com seu filhote, não sem olhar para todos os lados como se estivesse temendo alguma ação inimiga.
Assim que a onça foi embora, surgiram quatro homens fortes, vestidos com o mesmo tipo de macacão azul e boné da mesma cor. Não eram habitantes do local. Um deles trazia uma motosserra, como fiquei sabendo depois pelo que falavam, e com os outros vinham grandes sacos para transporte de alguma coisa e uma câmara fotográfica. Muito apreensivo fiquei quando soube do que pretendiam fazer com a motosserra. E mais aflito ainda ao perceber que eles se dirigiram a um dos meus amigos e se dirigiriam depois ao outro, como pareciam ter combinado, dispensando até mesmo o prazer de alguns instantes sob a minha sombra. Não precisei levar muito tempo pra saber o que pretendiam com aquele equipamento – o abate dos meus dois irmãos. Será que era por causa dos cocos, sendo eu poupado por nada ter produzido?
Apreensão sim, mas medo não sentíamos de nada. Meus amigos se entreolharam. Pareciam nada entender. Mas, pela primeira vez, fiquei com medo de que fossem abatidos. Preferi que fosse eu, que nunca tivera cocos. Comecei a pedir, então, com muita força e fé que começasse a chover. A chuva sempre pode atrapalhar o trabalho. O terreno ficaria encharcado e lamacento e eles teriam que interromper o que ainda não tinham iniciado.
O céu escureceu de repente e a tromba d’água começou a cair. As águas da prainha ficaram mais enfurecidas. Acho que pelo contato da chuva com a motosserra, o equipamento fugiu das mãos de um dos homens, parecendo depois querer persegui-los aos pulos. Os homens diziam coisas como “âni” ou “mâni” e eu não entendia nada. O fato é que eles foram embora pelo único acesso que havia à prainha.
E não voltaram mais. Logo após as chuvas, a vegetação cresceu bastante, a faixa de areia diminuiu e quase que não se via mais o acesso à prainha. Algumas árvores de porte menor cresceram ao lado da gente e provavelmente lá do alto não se poderia mais ver a enseadazinha. A vida voltou à nossa imutável e rotineira alegria.
Rio, 19/12/2018