MILAGRE DE NATAL
Estava falido. Aliás, sua família faliu. Seus pais morreram e ele não soube administrar a loja do pai, que quebrou. Sua irmã rompeu com ele por causa da sua falta de atitude. Nunca teve maturidade para conseguir um emprego pelos próprios méritos. E nem pelo mérito dos outros. Seus amigos o abandonaram. Ninguém dos ex-colegas das duas faculdades e duas pós-graduações que cursou o procurava.
Eustáquio já estava na miséria. O apartamento de veraneio em Cabo Frio já tinha sido vendido quando surgiram as primeiras dificuldades financeiras. Agora perdeu o apartamento no subúrbio, onde foi criado, leiloado por causa das dívidas trabalhistas com os empregados da loja.
Estava sem teto. E incomunicável. A linha do celular foi cortada e ele não tinha dinheiro nem para pagar uma hora na lan-house da esquina. Se recusava a pedir esmola, mas aproveitou-se da caridade de alguns passantes na rua, que lhe jogavam moedas e notas de 2 reais. Até que alguém lhe estendeu uma mão.
Não conseguiu identificar de imediato, ofuscado pelo forte brilho do sol. Só depois de alguns segundos, por mais um gesto de solidariedade, a mão se aproximou e revelou um antigo colega da primeira faculdade.
Eduardo hospedou Eustáquio em sua casa. Era véspera de Natal. Em troca, o amigo sem teto ajudou a família do amigo solidário na preparação para a ceia. Depois de tomar um bom banho e fazer a barba, claro.
No descanso do trabalho pesado para a noite de Natal, Eustáquio acessou a internet depois de quase um ano. E viu 400 mensagens acumuladas na sua caixa de entrada. Quarenta delas era de ex-colegas da segunda pós-graduação pedindo desculpas por tê-lo magoado.
À meia-noite, a família de Eduardo - mulher, filhos, pais, sogros, irmãos, cunhados e sobrinhos - saudou a chegada do Natal. Eustáquio participou da festa. E ainda ganhou presente. Um celular pré-pago, com a sua linha reativada.
Logo, Eustáquio recebeu as primeiras ligações. A primeira delas de Geiza, uma sumida colega da primeira pós-graduação, lhe oferecendo emprego em sua agência de publicidade. O que ele mais precisava. As outras vinte foram de antigos colegas da faculdade de publicidade e oficinas literárias se desculpando por tê-lo desprezado.
No dia 25, Eustáquio abraçou Eduardo e a esposa, agradecido pela generosidade. Disse que, no dia seguinte, ia a uma entrevista de emprego na agência de Geiza. Eduardo ficou feliz.
Eustáquio conseguiu o emprego, se estabeleceu e retomou sua vida de classe média. Em fevereiro deixou a casa de Eduardo para alugar a sua própria. Em abril já morava em apartamento próprio. Em maio casou-se com Taís, colega de uma oficina de roteiro que havia feito antes da sua família falir.
Construiu uma nova família. Em dezembro, recebeu Eduardo, esposa e filhos para uma tarde de véspera de Natal em sua cobertura na Barra da Tijuca. Ostentou a barriga de sete meses da esposa Taís. No início da noite recebeu o casal de amigos recém-perdoados, Fábio e Adriana, que estudaram com ele na segunda pós-graduação.
Mas os amigos não viraram a noite de Natal com ele. Eduardo, Fábio e Adriana foram passar com as suas famílias. Já Eustáquio recebeu a irmã e o cunhado, também reconciliados, em sua residência. Comemoraram, além do nascimento do menino Jesus, o primeiro ano do milagre de Natal que recebeu, quando saiu da miséria sem futuro para uma vida feliz e bem-sucedida.
Um sonho que Eustáquio viveu e acordou. Seus pais, felizmente, ainda estavam vivos, saudáveis, apesar de idosos, e ainda na classe média. Tinha dormido o sono da tarde antes de sair para o apartamento da irmã na Barra da Tijuca, onde iam passar o Natal. Mas ele ainda não tinha emprego e nem o perdão dos antigos colegas. Muito menos de Eduardo.