Do Outro Lado do Quintal
Imagine só se você fosse bem pequeno, pequeno mesmo, não como os anões, mas como uma miniatura de gente, com algumas polegadas, na altura do Quebra-Nozes ou qualquer um desses seres minúsculos das histórias encantadas.
Foi isso que ficou metido na cabeça de Luizinho o dia inteiro.
No dia anterior assistiu a um filme desse tipo, com pessoas pequeninas interagindo com pessoas de tamanho normal.
Viver em um mundo centenas de vezes maior deveria ser mágico. Ele quis ficar do tamanho do casal de canarinhos presos na gaiola de sua casa. Olhava para as aves pensando se alguma delas conseguiria levantar vôo com ele nas costas.
À noite, quando sua mãe o colocou para dormir, Luizinho, que possuía apenas cinco anos, dobrou-se na borda da cama, juntou suas mãozinhas, fechou os olhinhos e pediu, com toda a inocência do mundo, que Deus atendesse ao seu pedido.
- Papai do céu, nada é impossível para ti! Faça com que eu fique pequenininho! - E dormiu.
*****
(muitos anos depois)
Luiz era agora um homem formado e deixou de ser Luizinho. Sua mãe possuía no fundo de casa um quintal espaçoso. Nele havia uma grande mesa onde realizavam as refeições de família. Mais próximas da casa haviam uma rede armada e uma cadeira de balanço. Do outro lado, mais afastado e junto ao muro havia um belo canteiro de flores. Nele encontravam-se rosas que davam o ano todo, margaridas e camélias. Vizinhas dessa flora multicolor estavam as plantas de chá. Menta, erva-cidreira, hortelã, poejo. No alto, trepadas em arames suspensos, a videira fazia uma cobertura natural. Havia também um pé de jabuticaba, outro de limão, um pezinho de tomates cerejas e um de pepinos nanicos.
Pendurados em alguns cantos os copos de flor artificial com água e açúcar dentro faziam a festa de amarelinhos e beija-flores.
Luiz estava neste canteiro. Os grãos de milho e as sementes de girassol eram enormes. Sua mãe tinha gosto de deixá-los espalhados para alimentar as aves que visitavam a pequena floresta.
Luiz, apesar de encantado com as pequenas plantas que pareciam mais árvores exóticas e colossais, não tinha mais cinco anos e conhecia os perigos de possuir dez centímetros. Antes ele queria montar uma formiga, conhecer o esconderijo dos ratos, subir os "pés de feijão" até alcançar as nuvens. Agora ele sabia que os escorpiões matavam pessoas grandes, o que não poderiam fazer com sujeitinhos pequenos como ele? Sabia também que debaixo dos vasos de planta moravam centopéias e outros insetos asquerosos. Uma agulha usada como lança não saía de sua mão, acaso precisasse se defender.
Como eram lindas as flores de perto, com suas texturas aveludadas, ásperas e lisas. Os perfumes eram mais intensos e deixavam o ar pesado. Caminhava olhando para cima, cuidando de não ficar debaixo das árvores com frutos. A queda de um limão poderia ser fatal. Ser pequenino tinha lá seus cuidados.
*****
O sol se deitava. Do lado oposto do canteiro veio um homem, atravessou o quintal e abaixou-se para ver o homenzinho. Depois de observá-lo por um tempo o pegou cuidadosamente e foram embora. Era este mesmo homem quem o levava para desbravar o canteiro, mas acordaria cedo no dia seguinte para trabalhar, resolver os problemas cotidianos, lidar com as pessoas chatas e rever as legais. Brincaria com a filha, amaria a esposa, se divertiria com os amigos, iria à igreja. Em qualquer outro dia, quando voltar à casa da mãe e, sentado na cadeira de balanço, olhar para o canteiro novamente, lá do outro lado do quintal, com uma caneta e papel em mãos, o homenzinho volte a desbravá-lo.