A DAMA DA NOITE

A porta do quarto abriu-se lentamente e deixou entrar uma acanhada claridade da lua que penetrava pelo vidro da janela da sala principal. A noite era fria e silenciosa, o ar que eu respirava me deixava tenso, até uma suave música que tocava na vitrola parou. Olhei o cálice de vinho que estava sobre o criado mudo e próximo a garrafa ainda meia dentro de um depósito metálico com gelo, o que me despertou para mais um gole. Sorvi com delicadeza, senti o sabor agradável próprio da bebida e voltei a olhar a cena da porta se abrindo sem que nada aparentemente a tivesse impulsionado. Era como se em câmera lenta ela, a porta, estivesse me desafiando, tentando confundir a minha mente já sob o efeito do álcool. Eu estava deitado e mal tive tempo de levantar, o silêncio tornou-se mais envolvente e eu pude vislumbrar uma sombra próxima ao aconchegante sofá que estava na grande sala, uma sombra humana. Confesso que me arrepiei, mas tive o cuidado de manter a calma tomando mais um gole do saboroso líquido. Vi claramente a sombra se movimentar e ir em direção a biblioteca alí existente.

Levantei calmamente, mesmo com certo receio, me dirigindo a sala principal onde eu havia visto a sombra em movimento. O local estava envolto em penumbra até que a luz fosse acesa. Olhei o relógio na parede, marcava quase 22:00 horas. Nada de anormal naquele ambiente silencioso e sem a presença de mais alguém. A sombra, o que realmente havia acontecido com minha mente ao captar através dos meus olhos assustados aquela sombra lembrando uma figura humana? Eu me perguntava tendo a certeza de que não poderia dar a resposta a mim mesmo e fiquei matutando sobre o acontecido. Teria mesmo eu visto aquela sombra? Não teria sido uma alucinação devido a quantidade de vinho que havia tomado? Eu estava até surpreso comigo mesmo, o medo havia se afastado de mim, não propriamente medo mas um receio que chegou a mexer com os nervos, mas nada que pudesse causar pavor. A porta da biblioteca estava fechada, pensei em ir até lá mas resolvi voltar para tomar mais um gole de vinho, quando nesse momento a música voltou, o que me agradou. Me senti mais confiante, afinal aquela imensa casa era minha, conhecia todos os detalhes e apesar de viver só não me atrapalhava em nada. A vitrola começou a emitir um som mais frenético, mais embalado e eu ensaiei uns movimentos com o corpo, como se dançasse com uma dama. Sim, com uma dama. Imaginei ela nos meus braços, sorridente, cheirosa, atraente... Eu me deliciei com essa cena impressionante. Ela me abraçava forte, seu rosto colava no meu, seu corpo escultural me prendia, seu vestido com decote sensual me deixava atônito. Minhas mãos roçavam suas costas nuas e macias como veludo, eu me encontrava em transe total. Esqueci a sombra, a hora, nada mais interessava, só aquele momento extasiante que aproveitávamos. A música enfim parou depois de alguns minutos, mas foi o suficiente para nos animar e me deixar apaixonado. Nos sentamos na cama, peguei a taça e enchi outra para ela que sorveu em alguns goles. Olhei a minha, ainda estava meia, mas sequei numa fração de segundos, não ia ficar prá trás. Coloquei mais vinho nas duas taças, comecei a tomar alguns goles, olhei no rosto daquela bela mulher e desejei que a música tocasse, porém uma mais romântica, que fizesse nos envolver em carícias já que eu estava ficando mais galanteador, mais ousado. Abracei aquele corpo monumental e beijei aquela boca de um batom vermelho vivo, senti uma enorme sensação de prazer. Nossos corpos caíram na cama e inúmeras imagens vieram povoar minha mente. Eram pessoas que aplaudiam e sorriam, ora gritavam, ora chamavam meu nome e tudo isso me deixou vaidoso e com sutileza segurei seu rosto com ar de paixão e me preparei para um beijo fenomenal para que todos vissem. Que decepção! Acordei apertando o travesseiro. Já era dia, a claridade do sol já invadia o quarto através da janela e a garrafa de vinho lá estava no criado mudo, ainda quase meia.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 12/12/2018
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