ENFUMAÇADAS LEMBRANÇAS
ENFUMAÇADAS LEMBRANÇAS
Sentados na varanda, sob as estrelas e uma Lua cheia vestida de noiva, os 2 "cinquentões" rememoravam os dias de infância e juventude, de calça curta e suspensório -- cinto era só para homem feito -- o estilingue (cetra, bodoque ou atiradeira... dependendo da região) no bolso de trás, para as disputas de "quebrar garrafa", entre outras mais. Um deles segredava ao outro que vira a "coisa preta", jamais esqueceria aquele dia, aliás, aquela tarde.
-- "Mas era "da preta" mesmo" ?!
-- "Pretíssima... e grossa, bem grossa" !
-- "Ah, meu Deus... que inveja" !
-- "Pior... grossa e grande, muito grande" !
-- "Ainda tem isso ! Como foi, me conta" ?!
-- "Era um domingo, havia missa vespertina não sei porquê, não era comum, mas a família foi toda, ficamos eu e o vovô na casa, casarão antigo, cheio de quartos. "Vô" Apolinário se metia num deles por horas, "peladão" e fumando e não queria ser incomodado. Naquela tarde pude espioná-lo ! Trancou-se no quarto, despiu-se e... desviei o olhar, aquilo não era certo ! Quando tornei a espiar, vovô já estava com êle nas mãos, duro e grosso, a acariciá-lo, os olhos brilhando de prazer, um espanto" !
-- "Engoli em seco e fugi, apavorado... agora, sabia o segredo do velho, ninguém nem sequer imaginava ! Em poucos meses meu avô "bateria as botas", "vestiria o pijama de madeira", iria "pra cidade dos pés juntos". Dizem que morreu por causa do cigarro, os médicos tinham proibido, mas êle fumava escondido !
O velório foi no casarão, gente entrando e saindo a noite toda... não consegui dormir, precisava penetrar no quarto dele sozinho, sem ninguém por perto. Enfim, de madrugada mamãe chamou todos para um cafezinho com bolo e pão de queijo, coisa de mineira. Aproveitei a ocasião, tirei os chinelos barulhentos de couro, entrei no quarto dele, o caixão aberto, algodão no nariz e nos ouvidos, não sei porquê. Me enchi de coragem, levantei as sobrancelhas dele... vai que o velho acorda ! Nem se mexeu ! Corri pra cômoda, retirei as 2 gavetas de baixo, apalpei no escuro e, pimba... lá estava a "coisa" ! Coloquei-a dentro da camisa, repuz as gavetas e corri pro meu quarto, escondendo-a sob o colchão de palha de milho" !
-- "Foi a realização da minha vida ! Num tempo em que TUDO nos era proibido, enquanto o velório prosseguia eu preparava meu primeiro "pito", cigarro de palha feito com o fumo de rôlo (ou "rolão", (*1) não confundir com "rôla", "coisa" do reino das obscenidades, das "saliências") do vovô, fumo de qualidade a que poucos tinham acesso. Naquele triste dia me tornei homem, com H maiúsculo, o que para a maioria só acontecia quando os levavam para a "zona". A "coisa" agora está lá em casa, na parede, como 1 TROFÉU... nunca mais voltei a fumar ! Ah, a velharada -- quando sentiu o cheiro da fumaça -- danou-se a gritar, achavam que a "alma penada" do vovô voltara para assombrar todo mundo. Apaguei o cigarro de palha às pressas, abri a janela do quarto e, com um lençol, "abanei" a fumaça para o quintal".
-- "Menino, que história... e eu, que NUNCA "pitei 1 pito" ?!
"NATO" AZEVEDO (em 10/dez. 2018, 20 hs)
OBS: "ROLÃO" - nos anos 50-60 só havia fumo de rolo, poucos usavam o de carteira, Continental e Hollywood ou Minister "de caixinha" e filtro, um luxo. Os de rolo eram castanhos ou negros, rolo de 1 palmo e fino ou 2 palmos de diâmetro o "rolão", bem grosso. As folhas de fumo chegavam verdes ou meio amarelas, já secas, ao galpão ("paiol) de secagem) em blocos de 20 ou mais, amarradas pelo "caule". Dispostas ao longo de uma vara no teto, ficavam lá por semanas até chegar ao marrom ou ao preto, nicotina pura, só para machos, cheiro fortíssimo. Comprava-se pacotinhos de "papel" feito da "casca" das espigas de milho, cortadas em 10 x 6 cm ou de papel especial.