O Monge e o Diabo - Preguiça

O monge escrevia calmamente, quando o diabo lhe apareceu do outro lado da mesa.

- Por que você escreveu que a preguiça é pecado? - Perguntou o tinhoso.

- Porque as Escrituras assim o dizem. - Respondeu o monge, sem levantar os olhos.

- Mas ninguém pode ser reprovado por causa de suas paixões. Ela é um tipo de tédio, uma tristeza, algo natural da alma humana.

- As paixões em si mesmas não são pecados; mas são repreensíveis quando aplicadas ao mal, assim como são louváveis quando aplicadas ao bem. Um tédio ou tristeza moderados podem ser normais, mas se o tédio deprime de tal modo a alma do homem que não lhe apraz fazer nada, ele é sempre mau; quer, em si, mesmo, quer pelos seus efeitos.

- Legalista! Como você pode condenar um instinto natural do homem?

- Os instintos humanos também podem ser pecaminosos, visto que temos uma natureza caída.

- E aquela preguiça que, nas palavras de Cassiano, provém de o religioso gemer por não produzir frutos espirituais e de exaltar os mosteiros longínquos onde não se encontra? Ela provém da humildade, não? Estar tão insatisfeito da sua própria santificação a ponto de ficar tão triste que não se consegue fazer nada pode ser considerado pecado, visto que tem uma raiz boa?

- A verdadeira humildade nos leva a exaltar os bens dos outros, sem contudo desprezarmos os que nos deu a Divina Providência. - O monge respondeu, finalmente encarando o diabo e gesticulando como um professor. - Desse modo, a preguiça de que falas não têm uma raiz boa, mas é fruto de uma falsa humildade. Assim, ainda é pecado.

- Tudo bem, tudo bem... - resmungou o diabo. - Mas você escreveu que a preguiça é um pecado mortal, e isso já é um exagero. Todo pecado mortal contraria a lei de Deus. Não há nenhum mandamento claro contra a preguiça, então não podemos chamá-la de pecado mortal.

- Pecado mortal é aquele que nos priva da vida espiritual fundada no amor. - Enquanto falava, o monge voltava a escrever. - Desse modo, é mortal o pecado que, em si mesmo e por essência, contraria o amor. O amor nos leva a nos alegrarmos em Deus, mas a preguiça é um tipo de tristeza. Desse modo, a preguiça nos priva da vida divina. "A tristeza segundo o mundo produz a morte".

- Ora... pelo menos você deve admitir que nem sempre a preguiça é um pecado mortal, porque...

- Ah, vai embora de uma vez. - Ordenou o monge, ríspido. - Essa conversa já está me dando preguiça.

(baseado em um trecho da Suma Teológica)