A deusa da lua
Em meio às nuvens gordas e vermelhas de chuva, em frente ao céu azul Royal, morava Lorena, a deusa da lua. Os seus longos cabelos negros, os olhos amarelos como o puro ouro e os lábios vermelhos como o sangue daqueles que morreram por sua beleza, cintilavam quando a mesma brincava com a dócil lebre branca que lhe servia de companheira.
Quando se cansava, emitia a típica careta de tédio, e, deslizava céu abaixo penetrando as movimentadas ruas da Vila ''Poero'', preenchida por um pouco mais de dois mil habitantes festeiros. Bebia garrafas de vinho nos bares deixando a conta para os bêbados babões. Causava alvoroço com os corvos, destruindo janelas e portas das senhoras chatas, e por último, mas não menos azucrinante, assustava os trabalhadores que regressavam para casa tarde da noite, exaustos ao som do ronco da barriga implorado por comida. Mas nem sempre era assim. Outrora, encantada pela ingenuidade do lenhador, Augusto, cruzou o seu caminho despejando sobre ele a sedução em forma de um colorido pó. Sem pestanejar, se entregaram aos desejos carnais, e, no fim, pegou escondido as poucas moedas no bolso remendando do homem.
Devido a essas pegadinhas, os moradores da vila tomaram conhecimento da existência da deusa. Uns armavam arapucas para prendê-la, outros deixavam no telhado de casa, na madrugada, um aglomerado de rosas brancas para agradá-la, e em compensação queriam a realização de um pedido que nunca se realiza. – "Estão me confundindo com o gênio da lâmpada?" – Lorena se divertia à beça com a tolice dos humanos, e quanto mais o tempo passava, mais o gosto de atormentá-los crescia: - "A soberana inteligência faz de mim um ser superior!" E com este pensamento soltava altas gargalhadas.
Certa noite, enquanto voltava da cidade vizinha escondido pelos panos da liteira, o rei ordenou que os cavalos parassem de correr para que ele aliviasse a bexiga que já estava prestes a romper devido a espera. Os animais obedeceram aquietando as patas quentes e abaixando as cabeças. O rei desceu, e atrás da árvore grossa, despejou o líquido amarelado. "Suspirou fundo, e, com uma sacudida de cabelos contemplou a linda mulher a deslizar pelo ar como uma pena solta de ganso. Graciosamente pousou em frente ao rei, tocando-o no queixo barbudo: - "Querida majestade, você é valente ao ponto de passar por aqui sem guardas, correndo o risco de ser atacado por uma raivosa criatura das trevas?" – A mulher perguntou acariciando-o.
"Com a minha espada nada temo, profissionais ferreiros a forjaram no sul, especialmente para os meus dedos!". Não mentiu! Durante a visita a um reino aliado, desafiara o cinzento lobo grosseiro para vencer uma aposta. Empunhou a espada de lâmina afiada com pequenos pedaços de cristais. A fera o atacou com garras e dentes, sedenta para devorá-lo, como fazia com caçadores que ousassem enfrentá-la. Mas, a lâmina da espada, em um corte certeiro na parte debaixo da barriga peluda, finalizou o confronto arrancando aplausos da plateia de amigos íntimos.
A mulher deu dois passos à frente, um poderia sentir o aroma do outro facilmente.
"Então é digno de provar o meu corpo! Toque-me, eu permito-lhe."
Afervorado, o homem se afastou demasiadamente lento, lançando desculpas dissuasivas que não enganariam nem mesmo um jovenzinho de doze anos. E saltou para dentro da liteira, deixando a deusa irritada por ter falhado em seu objetivo.
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O castelo do rei era destaque por se localizar no topo da gigante montanha cinza. No interior, esbanjava espaço suficiente para a realização de festas, móveis luxuosos, lustres impecáveis adquiridos em países ricos, chão de mármore cuidadosamente limpo pelas mãos calejadas de sofridas empregadas e um maravilhoso teto capaz impressionar a qualquer um. O mesmo arrancou calorosos elogios dos alquimistas durante um jantar. A pequena família que morava ali era formada pelo rei, a rainha e a mãe da rainha, uma senhora de idade bondosa que passava toda a tarde tecendo vestidos no jardim, na companhia de toupeiras. Não nego a felicidade da família, porém uma sombra os incomodava: "a rainha quando criança descobriu uma doença que a impossibilitaria de engravidar".
O rei afirmava não se importar com a barreira que o impedia de ser pai, mesmo não disfarçando a insatisfação. Entretanto, a situação se complicou quando a noiva do mordomo engravidou de uma menina. Bastou segundos para o rei encher-se de raiva e indignação. Movido pelo ódio na alma, bateu na porta de um falso mago vendedor, com um terrível plano em mente. (A história do mago é muito interessante, na minha humilde opinião, se levarmos em conta que o mesmo perdeu os poderes ao negar ajuda a um cachorro.)
"Converse com a minha tola esposa, e diga que ela engravidará se beber um dos chás margosos feitos por você, a partir da erva da lama.''
"Senhor, há grande possibilidade de falharmos..."
"Silêncio! Faça o que mando ou ordenarei que o enviem para a forca, miserável."
Assim o mago fez, concluindo a primeira parte do plano. Iniciando a segunda, caminhou pelas pedras da rua abandonada, onde não correria o risco de ser pego por um mendigo ou um andante portador de insônia. Sob a lua cheia, concentrou-se e gritou pelo nome da deusa, crente de que tudo se construiria da forma arquitetada.
"Venha, Lorena. Peço desculpas pelo nosso antigo encontro, errei gravemente desprezando a mais bela mulher deste mundo".
Satisfeita, tocou a terra com os pés, pronta para realizar a prazerosa tarefa! Os dois despiram-se de qualquer indesejada peça de roupa, abraçaram-se e levemente tocaram os lábios. O vento produzia a fina melodia seguido pelo alinhado coral de pássaros, canários especificamente, arrepiando os pelos do felizardos. O oceano berrou criando ondas resistentes que bateram contra cascos de resistentes navios. Os vulcões lambuzaram-se as beiradas com o vermelho mel ardente, e as árvores, por sua vez, empurraram as folhas escondendo o ato proibido em um borrão; a natureza demonstrava o apoio, exceto, as estrelas que choraram silenciosamente lamentando o erro da irmã.
Concluída a tarefa! Ao rei restava apenas esperar o tempo encaixar os objetos no devido lugar.
Nove meses se passaram em um piscar de olhos. A rainha percebeu a ausência de seu querido marido. O procurou por todos cantos da vila com a ajuda de dois cavaleiros, Antônio, um senhor de setenta anos, fraco, porém fiel aos patrões e Raul, neto medroso de Antônio. O paradeiro do rei era um mistério.
"Não o encontramos nem mesmo nos bosques, é como se... houvesse evaporado, apagando todos os rastros". Antônio sibilou, sentado no cavalo marrom manchado de branco.
Entristecida, deitou-se enrolada nos lençóis brancos, admirando o quadro pintado por um renomado pintor francês digno de admiração. "Espero que volte em breve, estou de braços abertos para ti, meu amor'', disse a si mesma adormecendo. Sonhou que um guerreiro escalava a janela do quarto após atravessar um cafezal, segurando firmemente um embrulho com os braços mordidos pelas formigas do cafezal, e beijou-a na testa branca. Um choro agudo penetrava os ouvidos.
Na manhã seguinte, a empregada passou pelo corredor carregando uma bandeja com biscoitos e suco de laranja. Ao empurrar a porta, guinchou incrédula com a cena. Sentado na cama, o rei, ao seu lado, a rainha acariciando o... bebê. O mito de que o mago se limitava a farsante escorreu pelo ralo. A criança nascera saudável, forte como o pai (mas não se assemelhava em nada com mãe). "Tratarei de contratar uma ama de leite, para fortalecê-lo".
O mago tratou de ir conversar com o rei em busca de informações: "De onde surgiu esta criança?".
"De dentro da barriga da deusa da lua. No lugar dela, coloquei uma outra crianças raquítica desfalecida."
A felicidade da rainha custou a amargura da deusa. Presa a teia de depressão, permaneceu em meios às nuvens, cercada apenas por sua lebre. A lebre jamais a abandonaria na situação que se encontrava, mordendo levemente as suas pernas, na tentativa de animá-la. Às vezes uma marquinha de riso surgia em formato de ''u'', mas os olhos lacrimosos e o gemido de dor profundo tornaram-se constantes.
Raramente voltava a terra, entretanto, de vez em quando se escondia em um barquinho para ouvir lendas de pescadores e, quando menos esperava, prestou atenção nos murmúrios de um deles:
"Chapas, cês acreditam nos boatos de que o filhinho da rainha não a pertence, mas sim a uma amante?"
"Acredito!" Respondeu o colega.
A deusa juntou os pontos descobrindo toda a tramoia.
Em uma tarde ensolarada qualquer, o rei aceitou participar da tradicional caça ao javali com os primos distantes, deixando a esposa sozinha. Quando a mulher brincava com o filho na grama, o barulho estrondoso de trovão a fez pular assustada. Estava apavorada e pensou em fugir, mas diante de si e do menino, a deusa surgiu furiosa, cercada por borboletas. Pegou a criança no colo explicando todo ocorrido a rainha.
O rei regressou ao lar, sem saber o que lhe aguardava. Chamou por sua esposa, ela aos prantos discutiu brutalmente com ele por ter sido traída, enganada. Tantas lagrimas despencaram que na erra de seu vestido uma poça se formou. Largou tudo para trás para viver com o homem que amava e em troca, ingratidão. A coisa acabou da pior forma possível, pois a rainha caminhou em direção ao final da montanha que erguia o castelo, e sem pensar duas vezes se jogou despencando metros de altura, tocando dolorosamente as pedras pontudas. Seu corpo permaneceu ali até as águas presentarem os peixes com ele.
Os cidadãos de "Poero" enxotaram o rei com tomate e pau, "Também nos traiu se aliando a monstra", exclamavam. Renegado por todos, recorreu a última opção, encomendou uma enorme escada capaz de chegar ao céu e subiu... subiu... subiu, chegando até o seu destino: a deusa.
"Amada, poderemos desfrutar da liberdade que adquiri com o suicídio da rainha. Ficaremos juntos por toda a eternidade. O que acha?'' A deusa respondeu da forma mais inesperada, empurrando-o para baixo, dando a ele o mesmo destino de sua esposa, a fria morte.