O MUNDO AVERSO - CAPÍTULO 1 – A NÉVOA
CAPÍTULO 1 – A NÉVOA
Estava frio aquele dia e independente de ser um dia frio, sempre parecia uma péssima ideia para sair do posto avançado para averiguar a misteriosa névoa no horizonte. Os ventos sopravam e levavam dor aos ossos e rachavam os lábios. Próximo ao mar a sensação era ainda pior, era como se do mar viesse um vento ainda mais frio e torturante, a areia grossa estava gelada e as poucas ondas que se quebravam no mar pareciam cada vez mais fracas.
Pessoas preparavam um barco para enfrentar o mar, alguns eram soldados do posto avançado que não ficava muito distante dali, eles não usavam espadas e nenhuma arma pesada, mas sim longas vestes grossas para suportar o frio, entre eles havia uma garota que timidamente se encolhia dentro do barco.
Um deles era Ozu o capitão, um homem alto e bastante velho, careca e com uma longa barba branca, ele estava em cima do barco terminando de arrumar algumas cordas e tinha um olhar atento ao arruma-las, havia dentro do barco algumas pedras e ele enrolava as cordas próximas a elas. Ao lado do barco estava Senzei que também era um soldado daquele forte, ele estava ajudando a maga Aluie a subir no pequeno barco, Senzei era um jovem de vinte e poucos anos, com cabelos curto, muito magro e uma barba muito mal feita, ele parecia não se importar muito com sua aparência, suas vestes aparentavam estar mais surradas do que as dos demais, já a maga era muito bonita, com longos cabelos ruivos, sardinhas no rosto e olhos castanhos bastante expressivos, suas vestes eram bonitas e com bordas rosa bastante chamativas, em todo momento desde que subiu ao barco não disse sequer uma palavra, nem mesmo para agradecer o soldado que a ajudara a entrar. Também havia outros dois soldados chamados Sylph e Uniz, ambos estavam se preparando para empurrar o barco em direção ao mar, os dois eram amigos muito próximos e um o completo oposto do outro, Uniz era mais gordinho, com um longo bigode encaracolado e assim como Ozu, desprovido de cabelos, já Sylph tinha longos cabelos escuros, com uma barba rala, mas bem feita e era bem magro, nem parecia ter muito foça para empurrar o barco para dentro do mar.
Todos ali com exceção da maga tinham uma espada longa na cintura, além de alguns amuletos feitos com pedras e conchas amarrados no pescoço, era um tipo de tradição do posto avançado para dar sorte.
As ondas vinham calmamente na parte traseira do barco, não espirravam forte o suficiente para acerta-los, mas as gotículas deixavam o ambiente ainda mais gélido, os ventos sopravam de direções opostas e isso dificultaria um pouco a saída deles para o mar.
- O tempo hoje deixará o mar calmo, apesar do frio intenso e o vento desorientado. – Disse o capitão Ozu. – Ao que tudo indica não teremos nenhum problema.
- Sim, pelo visto o tempo se manterá firme até voltarmos. – Comentou Senzei.
- Esperemos que sim. – Comentou Ozu e em seguida ordenou. - Podem empurrar o barco, vamos partir.
Com exceção da maga os outros foram para trás do barco enquanto Sylph e Uniz começaram a empurra-lo em direção ao mar, quando começou a ser tragado pelas ondas todos trataram de adentrá-lo rapidamente, os últimos a subirem foram Sylph e Uniz, que sentiram seus pés tocar a água demasiadamente gelada e apesar de estarem usando suas botas sentiram a ponta de seus dedos molhar e um frio intenso percorrer a espinha. Assim que Sylph subiu percebera uma corda solta na borda do barco e imediatamente a recolheu e conforme a puxava também vislumbrava um pouco ao longe o posto avançado, que aos poucos ia se consumindo por uma sombra densa à medida que se afastavam.
De inicio apesar de terem que romper algumas poucas fortes ondas, conforme adentravam mar adentro elas iam perdendo sua força e se tornando mais calmas e o barco agora pouco que se agitava. Apesar do barco se agitar pouco Aluie estava um pouco enjoada devido a poucas aventuras nesse ambiente. Ela então tentara olhar para o horizonte mantendo seu olhar fixo na sombra pouco visível do posto avançado, de certo modo isso surtira efeito.
O silencio tomara conta do barco à medida que remavam em direção a misteriosa névoa, todos remavam em um ritmo suave, não havia pressa ou urgência mas sim cautela, o olhar sério de Ozu em todas as direções analisava calmamente a movimentação dos ventos e do mar. Devido aos ventos a visibilidade também ficara ruim por conta da massa de ar se deslocando frente aos seus olhos, após alguns minutos mal conseguiam enxergar a praia de onde havia saído.
Uniz olhou de cima embaixo Aluie e percebeu que ela estava com o olhar fixado no horizonte.
- Achei que os magos estavam acostumados com isso – Disse Uniz esboçando um sorriso forçado.
Aluie olhou para Uniz, seu olhar demonstrara que ela não entendera exatamente o que ele queria dizer, então Uniz apenas desviou o olhar ao se sentir-se tolo pela colocação, ele frisou as águas geladas e Aluie logo retornou a olhar ao horizonte para tentar espantar o enjoo, ela não queria pensar, ela só queria manter sua mente vazia para não vomitar.
Conforme avançavam observavam a frente à imensa muralha de névoa branca se aproximar, esta que se estendia pelo horizonte e ia ao ponto mais alto que conseguiam olhar no céu. Esta imensa parede cercava todo o imenso continente de ARHIZAY. Logo dentro dela eles sabiam que criaturas monstruosas e colossais viviam, estas impediam qualquer pessoa de adentra-la, mesmo por baixo da água. Todos ali sabiam os perigos que existiam dentro daquela imensa parede de névoa, todos sabiam que mal conseguiriam avançar poucos centímetros névoa adentro sem serem estraçalhados por alguma criatura bestial.
Ninguém exatamente sabia o porquê daquela névoa existir, por isso os magos se dedicavam arduamente a estudar seu comportamento temendo uma provável ameaça aos humanos que moram em ARHIZAY, além de estudarem sua estrutura e tentar conseguir o máximo de informações possíveis a cerca das criaturas que lá vivem.
O barco avançava ainda mais próximo a muralha e a tensão entre todos aumentava à medida que vislumbravam a enorme parede. Como era um barco pequeno era ainda mais impactante a situação, pois se sentiam como formigas perante a imensa massa branca esfumaçada, todos sentiam que iam de encontro a algo que despertava ao mesmo tempo em que curiosidade, também despertava medo.
O barco se aproximou o mais perto que podia da névoa, Ozu deu sinal para jogarem as pedras para fixarem o barco naquela local, logo Uniz pegou uma das pedras, enrolou uma corda e amarrou-a firmemente e após jogou a pedra no mar, o mesmo fez Senzei. O barco ainda avançou alguns metros, mas logo parou devido às pedras terem chegado ao fundo. Com o barco parado todos puderam se acalmar um pouco, mesmo observando a névoa que estava a poucos metros à frente e era tão espessa que mal se enxergava alguns centímetros dentro.
- Pois bem Maga, desde que chegou ao posto avançado não disse uma palavra, mas agora é hora de falar certo? – Perguntou Ozu. – O que viemos fazer aqui? – Completou.
Aluie soltou algumas palavras murmuradas, o vento gelado sairá de sua boca e ocultara seus lábios, tornando difícil até mesmo tentar ler o que ela falava então Aluie engoliu em seco, respirou fundo e disse:
- Muito bem, estou com um jarro especial, mágico por assim dizer. – Disse Aluie enquanto desembrulhava um jarro que estava enrolado em um tipo de papel grosso, era um jarro pequeno o suficiente para se esconder em suas vestes, era marrom e não possuía nenhum detalhe chamativo, além de ter apenas uma tampa de madeira muito simples.
- Parece um bom jarro para armazenar vinho. – Comentou Uniz interrompendo Aluie, sentiu uma cotovelada de Sylph, bem leve no ombro como um sinal para se calar, os dois se entreolharam e Uniz apenas tossiu seco. Aluie os observou mas só ignorou o comentário e continuou:
- Preciso me aproximar ao máximo da névoa, pois pretendo recolher um pouco deste misterioso gás, basicamente é isso que preciso fazer.
- Pretende o que? Nós nunca nos aproximamos tão perto. – Ozu falou em alto tom, parecia surpreso com a maga.
Até então os magos apenas iam ao posto avançado para fazer algumas anotações referentes ao comportamento da névoa, quando pegavam o barco para se aproximar apenas detalhavam o que podiam ver, ou mesmo tentavam emanar alguma magia de uma distância segura para ver se havia alguma reação, mas nunca se aproximavam visto os vários relatos de pessoas que não sobreviveram a névoa devido a serem tragadas pela mesma, por forças misteriosas ou da própria mudança repentina dos ventos. Ozu sabia muito bem disso, estava no posto avançado a longos anos e nunca precisou chegar mais próximo da névoa do que estava.
- Estamos tentando avaliar a composição da névoa, temos indícios de que possuem alguma relação vital para aquelas criaturas. É uma pesquisa importantíssima, precisamos tentar. – Rebateu Aluie. – Outros postos avançados estarão tentando fazer o mesmo.
Ozu olhou para a névoa em suas costas e voltou seus olhos para Aluie, franziu a testa e começou a passar a mão em sua longa barba e comentou baixinho:
- Não parece uma boa ideia.
- Por favor. – Pediu Aluie. – Sei que isso pode trazer riscos, mas as informações podem ser valiosas.
- Acho que é perda de tempo, essa névoa esta ai sem nunca nos fazer nada. – Disse Uniz. – Por que temos que ir lá? Deixa ela quietinha ai mesmo. – Completou.
- Deixa disso. – Murmurou Sylph. – Não é bem assim...
- Temos informações de que a névoa aparenta estar se movendo em direção ao continente, soldado. – Disse Aluie. – Não deveria dizer isso, mas é justamente por isso que estou aqui.
Todos ficaram em silêncio por alguns segundos.
- É sério isso? – Questionou Uniz.
- Sim é um dos postos avançados disse ter relatado a névoa avançar alguns metros. – Disse Aluie.
- Pois bem Uniz, agora que sabe a importância disso, por favor, fique quieto. – Ordenou Ozu.
- Podemos nos aproximar com cautela se usar as pedras, com leves toques podemos fazer o barco se aproximar vagarosamente. – Comentou Senzei. – Só puxamos um pouco e soltamos.
- Por que não remamos? – Questionou Uniz.
- Se remarmos e o vento mudar repentinamente, seremos jogados para dentro. – Disse Sylph timidamente. – Com as pedras caso o vento mude...
- É só soltarmos que paramos quase que imediatamente. – Completou Senzei.
Ozu olhou para as cordas esticadas ao entorno do barco, sentiu um leve desconforto por tudo que ouvira, respirou fundo e respondeu:
- Tudo bem. – Comentou acenando com a cabeça. – Mas se sentirmos que o barco esta indo mais rápido do que deveria, paramos com esta ideia imediatamente, além disso, fiquem com os remos apostos.
Ozu pensava que se o mar se agitasse, poderia fazer com que o barco acabasse adentrando a névoa, por pouco tempo que fosse seria o suficiente para todos ali serem mortos. Não era algo que ele gostaria de arriscar, era melhor também não soltar o barco simplesmente, mas também ir com auxilio dos remos de forma cautelosa.
Então conforme Senzei guiava o barco dando leves puxadinhas na corda, eles avançavam lentamente sob a superfície da água, bem como ele mesmo comentou, logo com muito cuidado o barco estava a poucos centímetros da névoa:
- PAREM. – Gritou Ozu. – Aqui está ótimo, não podemos nos arriscar mais.
- É o suficiente, consigo esticar meu braço e alcançar. – Comentou Aluie.
Aluie encostou-se à beirada do barco, Ozu ajudou-a a se apoiar no barco segurando sua cintura, ela então esticou o jarro para fora do barco e o aproximou lentamente da névoa. Eis que um barulho estridente soa, até mesmo o mar se agita com tamanho barulho. Todos no barco ficam imóveis e em silêncio por alguns segundos.
- É melhor ser rápida. – Comenta em tom baixo Ozu.
A maga encostou o jarro suavemente na borda da névoa com sua textura semelhante ao de fumaça mas com comportamento diferente, Aluie então virou o jarro de ponta cabeça e o moveu para baixo para fazer com que o ar ficasse preso em seu interior, ela puxou o jarro em sua direção e rapidamente com a outra mão o tampou.
- Pronto. – Disse Aluie voltando-se ao seu lugar.
Todos suspiram aliviados, Sylph e Uniz pegam remos quase que imediatamente e colocaram na água e ambos começaram a remar.
- Senzei puxe as pedras com cuidado, vamos ser rápidos. – Comenta Sylph.
Aluie respirava aliviada, olha para Ozu e comenta “Muito obrigada”. Ozu responde com um sorriso bastante forçado, mas o suficiente para a Aluie entender que ele estava aliviado e tenso ao mesmo tempo.
O barco começa a se afastar lentamente da névoa, até o momento em que eles sentem um tranco de leve por conta da pedra e Unzi então começa a puxar uma delas para fazer o barco enfim avançar, ele se move mais a frente até um novo tranco e Senzei começa a retirar a outra e logo o barco esta solto.
Avançam alguns centímetros até algo chamar a atenção de Senzei.
- O mar esta se agitando. – Comenta Senzei.
Todos olham ao redor e observam que o mar esta lentamente se agitando e o vento começa a ficar cada vez mais forte soprando em sentido contrário à praia, ou seja, na direção deles.
- Melhor corrermos. – Comenta Ozu.
Sylph e Unzi remam com mais força, sentem seus braços queimarem, mas percebem que o barco pouca que avança, pois o vento em sentido contrário começa a os empurrar e esta força só aumenta. A velocidade e intensidade do vento que surgira repentinamente são espantosas, o frio começa a percorrer o rosto de todos e começam a sentir seus lábios congelarem.
- É uma corrente de ar muito forte, isso irá nos empurrar para trás. – Diz Senzei.
De repente o vento bruscamente como uma rajada acerta o barco de surpresa e o barco se movimenta rapidamente para trás em direção à névoa.
- SE PREPAREM. – Grita Ozu vislumbrando atrás o inevitável.
O barco entra na névoa repentinamente e avança apenas alguns centímetros então ele para, como se o mar não estivesse tão agitado em seu interior, Ozu grita “PREPARAR” e todos começam a desembainhar suas espadas com exceção de Sylph que esta demasiadamente assustado.
Sylph olha para os lados, mas mal consegue ver algo, pois a névoa é densa o suficiente até para não enxergarem de uma ponta a outra do pequeno barco. Logo ouvem um grito de dor.
- UNZI, MEU DEUS. – Grita Senzei.
- CALADO. – Grita Ozu
- Algo o levou, eu vi a sombra de algo saindo da água. – Diz Senzei, em um tom mais baixo e completamente apavorado.
Mesmo que Ozu não consiga ver sabe que Sylph esta perto dos remos, então ele comenta:
- Sylph pegue o remo, nos tire da.... – A voz de Ozu é cortada repentinamente e um grito ecoa pelo ar, logo após um barulho de ossos se quebrando e de Ozu se engasgando.
Tudo então fica em silencio por alguns segundos.
Sylph percebe que esta ao lado de Aluie, ao ver o rosto dela apenas enxerga um completo desespero em sua expressão.
Senzei esta do outro lado do barco e mal pode ser visto, ele então se aproxima de Sylph e tenta alcançar um remo que esta ao lado, quando estica sua mão para tentar alcançar, eis que tentáculos se envolvem em sua cintura e o arrastam para o alto, um grito ecoa “ME AJUDEM”. Senzei continua gritando por mais um tempo até que sua voz cessa.
Sylph olha fixo para cima, seu olhar de apavoro só é cortado pelo grito de Aluie:
- SOLDADO, SOLDADO.
Sylph recobra um pouco sua consciência, ele sabe que se ficar parado acabara morto como os outros, ele não vê como podem sair dali, ele olha para o Mar e imagina que a sua frente esteja à saída da névoa.
- Pule na água e nade naquela direção, vamos. – Sylph fala apontando para a parte da proa do barco e empurra Aluie no mar, logo em seguida ele cai atrás dela.
Ambos começam a nadar em linha reta, a pouca visibilidade é ainda mais prejudicada pela a água salgada do mar indo de encontro aos olhos de ambos. Ambos nadam com braçadas fortes e após pouco tempo Sylph vê a frente que Aluie conseguiu trespassar a névoa, mas eis que sente algo puxando sua perna, então algo o puxa mais forte e ele mergulha brutamente no mar e com o pouco que enxerga observa um olho imenso ao fundo um pouco abaixo de sua perna, ele também observa um pouco que sua perna esta envolta por um pequeno tentáculo, ele chuta o pequeno tentáculo com sua outra perna e consegue se soltar, logo nada com braçadas fortes para a superfície, quando emerge enfim se vê fora da névoa e Aluie nadando um pouco mais a sua frente.
Sylph sente seu corpo queimar em meio a água gelada e salgada do mar, seus braços começam a perder força, mas ele enfim vê a borda da praia a alguns metros, ele também olha ao seu redor e não consegue ver Aluie, ela desapareceu repentinamente. O vento volta a agitar o mar se tornando forte e imprevisível, rapidamente Sylph percebe a agitação do mar e com isso tenta usar o máximo de força que pode com medo de novamente de alguma forma os ventos fazerem com que ele seja tragado pela névoa novamente, mas seus braços estão doendo muito e ele esta perdendo o folego, não falta muito para alcançar a praia mas Sylph já se encontra em seu limite e então uma onda forte empurra Sylph por trás o forçando em direção a praia e o cobrindo com a água salgada do mar, Sylph se vê mergulhando e seu corpo rodando e então percebe gradativamente sua consciência se apagando.