BEHEMOTH - O LIVRO DO CAVALEIRO - CAPÍTULO II - O MUNDO ALÉM DO SAINT DIVINE

O que faria um trio de órfãos e dois caçadores de recompensas para resgatar as crianças que foram levadas do orfanato pela misteriosa benfeitora? Depois de conhecer Or’kan e Willen na Floresta dos Espíritos, Bastian e seus amigos, Hammax e Roma, enfrentaram a besta Pazuzu, que encantara seu amigo e quase o fizera sua refeição se não tivessem contado com a ajuda dos caçadores para libertá-lo, não que fosse sua intenção como afirmara Willen, o sábio.

– Tranquem as portas com aquela viga, ela será o suficiente para mantê-los fora enquanto pensamos em um plano de fuga, disse o sábio.

– Fuga?! Nós estamos na torre de consagração do orfanato, o único caminho é para cima, para o quarto do padre, Roma afirmou. – E o rugido de agora pouco não pareceu ser um convite.

As pernas de Hammax tremiam devotamente ao medo que sentia. Nunca pensou estar em meio a uma situação tão perigosa, exceto quando apanhava de palmatória.

– Escutem, nós podemos derrotar o Pazuzu, o espaço entre esse vão de escadas é pequeno, o corpo dele ficará limitado por causa disso. Bastian falou.

– Você tem razão, garoto. O problema é que também temos o nosso grandalhão que ficará com movimentos limitados por causa das paredes. Willen respondeu.

O problema de uma luta frente a frente com um demônio bestial é que o corpo desse tipo de criatura é uma arma viva, cada golpe que levam os adversários pode ser fatal. Por isso que muitos reis do mundo fazem alianças com os Filhos das Sombras em troca de um exército que se cansa pouco e que mate demais.

– Os dois esqueceram que eu sou um mercenário, sei me mover pelas sombras. Não deixem que minha aparência grande e músculos tonificados o assustem. Or’kan respondeu enquanto seus olhos brilhavam de orgulho.

A tremedeira de Hammax o fez perder as forças das pernas, ocasionando uma queda que o fez bater em um tijolo que revelou ser uma pequena porta para uma saleta. – Socorro! Ele gritou.

– Toma tenência, cara. Roma reprimiu o amigo.

– Cala a boca, bruxa! Ele retrucava enquanto se limpava do pó.

– Enxerguem a oportunidade, disse o sábio. – Qual?! O grupo respondeu.

– Podemos montar uma armadilha para pegar Pazuzu. Propôs Willen.

– Certo, disse Bastian, mas como faremos isso? Apenas vocês dois têm algum poder de combate.

Do lado de fora, os ghouls se aninhavam em frente da porta. Eles batiam violentamente contra a maciça e rústica porta de madeira de carvalho velho. O batente mal colocado já mostrava que não resistiria aos golpes, isso fez com o grupo se apressasse em concluir o plano contra Pazuzu.

– Willen, você fará o quê com o demônio? Questionou com incredulidade o mercenário. – Suponho que alguém servirá de isca para atrai-lo, e depois?

– Depois de atrai-lo eu usarei um encanto de selamento, e se Pazuzu for inteligente o suficiente, ele aceitará também realizar um pacto-companheiro. Explicou o sábio.

Willen é um raro caso de bem-nascido, criança que nasce com afinidade mágica, capacidade que confere ao corpo perceber e manipular diferentes tipos de energia etérea a fim de manipular a força dos elementos.

No mundo, a energia etérea assume diferentes formas de manifestação, a mais comum é através de encantamentos, rimas de palavras que dão substância à magia em sua forma manifestante. No caso dos bem-nascidos, tais indivíduos usam o próprio corpo como catalisadores, como afirma o grande alquimista Baraque.

Quanto aos elementos, os estudiosos das artes mágicas se especializam nos elementos naturais como fogo, água, ar, terra, luz e trevas. Willen é um sábio de luz com afinidade ao elemento ar, isto é, ele estuda encantos de luz, mas consegue manipular o ar sem precisar de um catalisador.

Além disso, há os estudiosos que manipulam os elementos artificiais, como metal, plasma, raio e, ultimamente, bem comum no meio dos usuários de magia da cidade de Eldenvar, a energia psíquica.

– Fome, maldita fome que me faria comer toda a vida do universo e beber todos os rios, mas nunca seria saciado. Pazuzu rugia de fome. – Aquelas crianças da floresta seriam uma boa entrada. Aquele garotinho que eu encantei com meus cogumelos infernais iria forrar meu estômago, mas a arrogante da Medusa apareceu e arruinou tudo! Maldita.

O som voraz dos ghouls aumentara consideravelmente nos últimos minutos desde que Willen explicara o plano. O grupo já estava todo posicionado para executá-lo.

– Não, não, não farei, eu sou muito jovem para morrer. Eu sequer casei para servir de isca para o demônio. De braços cruzados falava Hammax.

– Não amola, irmão, você será o herói dessa confraria, Roma tentava persuadir positivamente o amigo.

– Por que você não foi a escolhida? Carne de menina é mais macia, todos sabem, né. A pequena isca retrucou.

O resto do grupo disfarçou fingindo riscar o chão com algum esquema sobre o plano. – Se eu sobreviver a isso, eu juro que farei todos me recompensarem com dez moedas de ouro cada. – Certo, herói! Assentiram.

Tudo pronto. Hammax subia lentamente cada degrau, Willen sentara perto da porta da saída para concentração enquanto recitava um encanto de selamento, Roma e Bastian estavam escondidos na saleta para fazer número quando Pazuzu caísse na arapuca, uma vez que o plano era bem parecido com os planos do lendário detetive S. B. Doo de Termiria.

Or’kan se escondera nas sombras dos degraus usando um encanto de manipulação de luz e sombras, o que resulta na técnica de movimento das sombras dos mercenários.

Pazuzu sentira o cheiro de Hammax, seus instintos animalescos o fizeram ficar no telhado entre a porta do quarto e o corredor, dali ele emboscaria sua presa. Por sua vez, o menino caminhou sem prestar atenção a mais nada ao seu redor, o medo travara seu pescoço para que não olhasse para os lados.

– Santo Pai de misericórdia e Mãe das crianças abandonadas, não me deixai morrer. A isca rezava entre dentes, sua voz fraca parecia o sibilar de um pássaro.

Sem desconfiar do plano do demônio, o menino parou quando viu que nada saíra do quarto para atacá-lo, aquilo o deixou animado, confiante de que o monstro partiu sem mostrar nenhuma resistência. Enquanto se gabava, Pazuzu descia lentamente a ponta de sua cauda, fazendo que o cabelo de Hammax fosse levemente soprado, duas vezes fez o movimento, abaixo a isca tremeu feito vara verde.

A concentração de Willen era interrompida com baques fortes na porta. Lá fora, um ghoul servia de aríete, a cabeça da criatura já estava esfacelada, mas os companheiros não se importavam com isso, continuavam batendo e batendo com aquele corpo tecnicamente sem cabeça.

Lascas, sangue e carnes se misturavam quando o primeiro buraco se abriu, do ghoul aríete apenas a perna direita sobrara. A ninhada se acotovelava para encaixar a mão e puxar o sábio.

Na saleta, Roma e Bastian esperavam que o amigo saísse vivo daquela situação.

– Oh, mestre das águas, câncer, mostre-se e faça tua casa minha casa – Tergora inpenetrabiles! Conjurou Willen. Um escudo mágico se ergueu entre a porta e o sábio. – Poderei terminar o encantamento de selamento sem preocupações.

O que o sábio não sabia é que fora da torre as criaturas se amontoaram para fazer um tipo de torre viva de ghouls, subiam um após o outro para alcançar a janela do quarto do padre. Apesar da genialidade dos monstros, uma águia careca atraída pelo odor azedo, semelhante à carne podre, que exalavam.

A ave circulava o ghoul do topo, arranhando-o, ela fizera que se desequilibrasse, um efeito dominó de queda livre se seguiu naqueles instantes. Os de baixo foram esmagados, os do meio fraturaram pernas e braços, e os do topo, em sua maioria, morreram por causa da queda.

Apesar dessa situação parecer algo aleatório, não é, uma vez que a águia era um animal domado pelo druida Balafor, um herói da Guerra dos Batedores, quando o exército dos Filhos das Sombras se levantou para tomar a capital administrativa de Octavia, cidade de bardos e odaliscas.

A guerra demorou 77 dias para acabar, bardos e demônios disputavam cada centímetro da cidade, e foi nos últimos 20 dias que os guardiões da floresta ao redor de Octavia, os druidas vermelhos, cansados de conviver com a morte e destruição da fauna e flora, aliaram-se aos octavianos, rechaçando os Filhos das Sombras de volta para os domínios tenebrosos.

Foi nessa guerra que Balafor se tornou herói, quando domou o espírito ancião dos ursos da floresta. Ele levantou um pequeno esquadrão de elite formado por Chimmy, Alor, Tempestia e Shunamow para abater o filho de Abadon, Pervon, o mestre do Abismo. A batalha foi decisiva para manter o oriente do mundo livre das forças das trevas.

A águia de Balafor fora um dos animais sob o comando do herói druida. Não se sabe ao certo como ela foi parar em meio àquela perseguição, talvez fosse por sentir o poder da escuridão nos ghouls, ou porque voava para muitos lugares quando migrava, quem saberá, a companheira do herói serviu a um propósito nobre.

– Ahhh! O menino isca gritava. A besta Pazuzu corria atrás de sua presa ferozmente, mas como calculado, o tamanho o impedia de se mover livremente, os ombros do demônio batiam nas laterais.

O grupo sabia que era o momento da ação. Willen permanecera sentado esperando Pazuzu estar posicionado no centro do encantamento. Os órfãos na saleta ouviam o amigo gritar, mas não se intrometeriam porque sua ajuda atrapalharia naquele momento.

Quando Hammax saiu do último degrau, Pazuzu fez sua cauda metamorfosear para uma de escorpião. Malditos demônios, Pazuzu, além de bestial, dominava a arte das quimeras. O ferrão espetou a perna do menino, que sentira a pontada como faca em brasa penetrando na pele.

O pequeno herói tombou antes que o monstro cravasse suas presas, impedido por Or’kan, que saíra das sombras por trás de Pazuzu.

– O que pensa estar fazendo, Orc! O demônio arguiu. – O que você acha?! Retrucou o mercenário.

– Os de sua raça não deveria andar com humanos. Solte-me, traidor!

– Jamais faria isso... morra agora! Or’kan ergueu um braço e fez girar uma pequena adaga de prata lavada em água corrente e abençoada por um sacerdote da luz. – É hora de voltar para seu castigo, criatura.

Pazuzu se mexeu violentamente, uma vez que morrer significava voltar ao limbo, lugar onde os demônios são prisioneiros dos universais, antigas entidades do universo. – Não, não morrerei aqui! O monstro declarava.

– Oh, Pazuzu tenent. Sejai me servo tuo a servo suo voluntatem domini tui Willen! O sábio recitou o encanto. Um poderoso brilho dourando resplandeceu naquele lugar. Uma entidade angelical sem face apareceu, segurava grossas correntes de ouro que foram lançadas ao redor do pescoço do demônio, o contato das correntes e do metal faziam sua pele queimar.

– Não resista, você foi capturado, Pazuzu.

– Jamais servirei a um humano outra vez, nunca mais! Pazuzu falava com desprezo.

– Eu tenho um bom uso para você, aceite um contrato comigo.

O demônio cuspiu. – Jamais, humano imundo. Quanto mais rejeitava, mais as correntes se apertavam ao redor do pescoço.

– Esta magia tem um tempo de existência, quando o capturador sumir desse plano, sua vida sumirá também.

– Que seja. Pazuzu era orgulhoso, jamais abriria mão do seu código de honra para se aliar a um humano, ele não era do tipo que se rendia aos contratos, mesmo quando sua capitã, Medusa, resolvera se aliar a um certo rei, um segredo que faria muitos heróis perderem a vida e que lançaria o mundo em uma guerra de proporções apocalípticas. O fim se aproximava.

Enquanto Pazuzu estava preso pelo selamento, Or’kan foi ajudar o pobre Hammax, que àquela altura sofria o efeito do terrível veneno do demônio. Com fortes dores e febre alta, o menino tremia, todos os seus nervos sentiam como se uma descarga elétrica percorresse por todo seu corpo.

Roma e Bastian saíram da saleta ao pressentir que o amigo corria risco de morte. – Crianças, levem-no para um lugar seguro, o mercenário falou. – O que aconteceu? Roma questionou.

– Ele foi ferido pelo monstro, está envenenado, coloquem-no em um lugar seguro que logo sairemos em busca de ajuda. – Certo, as crianças responderam.

A corrente apertara tanto o demônio que sua voz forte como rugido parecia o crocitar de um velho corvo. – Sábio, dessa vez você venceu, mas na próxima não haverá misericórdia. Algo maior vai acontecer a estas terras, dizia o moribundo Pazuzu. – Veja, o menino morrerá logo se não terminar sua questão comigo.

– Cale-se, Willen respondeu com a voz dura como o metal. – O mundo jamais lembrará de seus feitos, malditos. Seja apagado da existência. O sábio fez um movimento de mãos que serviram para indicar ao Capturador que sua presença não era mais necessária. As correntes balançaram violentamente e o demônio foi feito em centenas de milhares de pedacinhos. Era o fim de Pazuzu.

– Aguente firme, irmãozinho, dizia Bastian. A imagem de Hammax trincando os dentes por causa da dor partira o coração do menino, um terror que jamais sentira alguma vez. – Vamos ajudá-lo logo, Roma, precisamos ir para a cidade, o médico vai ter algum remédio.

– Garoto, o menino foi envenenado por um demônio, apenas um sacerdote da luz pode fazer alguma coisa. O sábio interpolou. – Vamos para a catedral de Aldrovia, lá encontraremos um sacerdote capaz de curá-lo, provavelmente o veneno demorará três dias antes de ceifar a vida dele.

– Vamos, então, disseram os amigos de Hammax.

No canto da saleta, Or’kan conversava com Willen. – Você deveria ser sincero, o menino está vivo num golpe de sorte ou coisa parecida. – Realmente, nunca conheci alguém com resistência ao veneno de um bestial, o sábio respondeu. – Acredito que ele tem algo mágico, veremos enquanto corremos contra o tempo.

– Crianças, todos prontos? Perguntou o mercenário.

– Sim, responderam.

A cidade de Aldrovia ficava a 30 quilômetros do orfanato. – Rezem para seus deuses que o sacerdote esteja lá. Willen falou. Antes de sair do Saint Divine, Or’kan precisou dá fim a alguns ghouls.

– Gente, o que faremos com as crianças desaparecidas? Roma questionou.

– Uma coisa de cada vez, primeiro salvamos Hammax, depois os outros.

– Sim, porque isso tudo aconteceu por causa de vocês dois, afirmou Bastian.

– Calma, isso aconteceu porque Pazuzu estava nessas florestas. Mais cedo ou mais tarde o orfanato seria uma base dos Filhos das Sombras. Willen respondeu.

Aparentemente Bastian contentou com a resposta, mas a todo gemido de Hammax ele suscitava o assunto com alguma pergunta cheia de rancor. A caminhada até Aldrovia durou um pouco mais de um dia, no decorrer da viagem, o sábio ministrava sobre Hammax um encanto que aliviava suas dores, mas apenas um antídoto o curaria.

No amanhecer, eles avistaram as torres da igreja de Aldrovia, dali correram para falar com o sacerdote. – Parem, viajantes! Disse o guarda no alto da guarita. – Identifiquem-se, ordenou.

– Somos viajantes em busca do sacerdote da luz, Elliot. Respondeu Willen.

– Deem meia-volta, o sacerdote não está na igreja.

– E quem assume seu lugar, guarda? Perguntou Or’kan.

– A suplente do sacerdote, a senhorita Valentine, filha do lorde cavaleiro Victorio, o protetor da cidade.

– Bem, bem, prestem atenção, aqui temos um garoto que precisa de um toque da luz para ser livre de um veneno de demônio. Disse Willen.

– Você perdeu a razão sábio?! Os guardas escarneceram. – Os dias estão cheios de moribundos e agentes da escuridão, não queremos que nossa cidade corra riscos antes que todos os guardas estejam a postos para conter qualquer ataque.

Bastian e Roma estavam enfurecidos com a atitude arrogante dos vigilantes. ¬– Ei, guardas, somos apenas um grupo de viajantes que precisa de auxílio, disse Roma. – Não podemos pagar pelo tratamento, mas juramos defender a cidade se ela correr risco.

– Garotinha, você acha que confiaríamos em suas palavras? O guarda da direita perguntara.

– Por favor, senhor, somos órfãos do Saint Divine, não faremos mal algum.

Naquele momento, falar sobre o orfanato despertou a lembrança do guarda da esquerda, que era um sobrevivente dos maus tratos da madre Ligia.

– Ei, menina, aquela maldita da Afrodite ainda serve sopa de cebola?

– Sim, todos os dias, respondeu Roma.

– Aquiles, abra os portões, essas crianças são de Saint Divine tal como eu fui.

– Oh, sério, se tem a sua permissão então eles são boas pessoas.

O guarda Aquiles moveu a manivela para que o pesado portão de ferro abrisse. O portal estalou lentamente antes de completar a abertura.

– Sigam na direção noroeste, é lá que fica a casa dos sacerdotes, e onde encontrarão a senhora Valentine. Disse o guarda da esquerda, Leon.

– Obrigado, respondeu o grupo.

Aldrovia era uma cidade construída de maneira circular, não havia ruas retas, cada avenida era cortada por ruas menores que faziam a ligação de cada círculo, os prédios seguiam o raio em torno do centro, de cima, era como enxergar oito círculos um dentro do outro.

As tantas voltas que o grupo precisou dar antes de chegar até a casa dos sacerdotes demorou meia hora. No meio do caminho Or’kan sugeriu que ele e Roma procurassem por um hotel enquanto Bastian e Willen levavam Hammax, que estava perdendo calor corporal.

– Bastian, chegamos, segundo as instruções dos guardas, é essa a casa em que podemos encontrar a sacerdotisa suplente, disse Willen apontando para uma residência rodeada de flores e com o telhado pontudo, o qual lembra as catedrais dos deuses da luz.

– Então vamos chamá-la, respondeu o amigo de Hammax.

O órfão atravessou o caminho entre o portão e o jardim para alcançar a porta. – Alguém em casa? Sacerdotisa?! Gritou. O silêncio foi sua resposta.

Willen parecia visivelmente consternado por alguma coisa, talvez por esconder que o menino envenenado não tinha tempo algum, que na verdade era um milagre ele permanecer vivo por tanto tempo.

– Vamos, garoto! Bata com mais força, talvez ela esteja dormindo, o sábio falou.

O que não sabiam, infelizmente, é que a senhorita Valentine não era um exemplo de disciplina. Durante a noite, a sacerdotisa passara a noite na taverna Buraco de Minhoca, tomando toda a cerveja que seu corpo poderia suportar. Uma atitude pecaminosa que por vezes fora repreendida pelo sacerdote de Aldrovia.

Or’kan e Roma dobraram à esquerda na rua que os separaram do demais, enquanto caminhavam, notaram que em uma das ruas de ligação entre as avenidas duas mulheres brigavam, uma jovem negra de cabelos prateados e outra de meia-idade. – Sai daqui, caloteira, pague suas contas antes de querer beber mais! Gritava a senhora.

– Você sabe quem sou?! Falava a jovem em tom de protesto.

– Pouco importa quem seja, eu quero minhas moedas, menina! Respondeu a mulher mais velha.

– Eu pagarei, eu pagarei, dizia a menina. – Quero só mais uma rodada, insistia.

– Rodada nada, saia.

Antes de falar mais alguma coisa, a senhora empurrou a jovem que aparentava estar embriagada que caiu em poça de água.

– Veja, Roma, o manto branco com bainhas douradas é a veste de um sacerdote, informou o orc. – Será que essa menina tem alguma ligação com a igreja?

– Talvez, você ou eu pergunta? Roma sugeriu.

– Eu não sei, ela parece estar tendo um dia ruim, veja seu estado, disse o orc apontando para a jovem que se levantara para torcer as mangas encharcadas. – Menina, você está bem?

– Ahhh, mais monstros! Eu não tenho mais dinheiro, respondeu a jovem.

– Acalme-se, interpolou Roma. – Vimos o que aconteceu por isso queremos ajudá-la.

– Graças ao grande Pai da Luz, obrigado pela empatia, respondeu a jovem.

– Como se chama? Perguntou Or’kan.

– Eu sou Valentine, prazer.

– O quê! Você! A dupla exclamou.

– Sim, ué, qual a surpresa? Confusa a suplente do sacerdote respondeu à surpresa.

– Nós buscávamos por você! Disse Roma.

– Sabia! Vocês são cobradores, não é?! Nervosa Valentine respondeu.

– Não somos, buscamos o sacerdote porque nosso amigo foi envenenado por um demônio. Roma falou.

– Não é possível, alguém envenenado por demônios morrem instantaneamente. Ah não ser que... não seria possível que isso aconteceria, não aqui. Valentine falava de maneira reflexiva, o que deixou os dois confusos. – Cadê o amigo de vocês?

– Eles foram até a sua residência, somos um grupo, na verdade, disse Or’kan.

Bastian estava perto do amigo que tremia devido ao avançado estado de contaminação, as extremidades de Hammax estavam arroxeadas. Willen apenas observava, sem fé, de que algo pudesse salvá-lo, quando viu a silhueta de Or’kan, Roma e de Valentine surgindo.

– É este o menino, certo? Perguntou a sacerdotisa. – O veneno está quase no coração, lançarei um encanto para conter que chegue até lá, mas preciso que tragam para mim uma folha de planta cantora.

– Isso é brincadeira, não é? Questionou o mercenário. – Essa planta só nasce na cabeça dos trolls da Floresta Negra.

– Prestem atenção, o veneno só pode ser extraído com um encantamento e um remédio feito com essa planta. Arguiu Valentine. – Infelizmente com as batalhas que surgem contra os demônios ultimamente, muitos viajantes fazem uso dela em poções, por isso não temos no estoque da igreja.

– Precisamos salvá-lo, Bastian e Roma diziam. – Ajudem-no, por favor, depois pagaremos o que devemos do tratamento.

– Parem com isso, sequer têm lugar para ficar, disse Willen. – Ajudaremos vocês porque sem Hammax todos estariam mortos, mas iremos dividir nossas forças.

– O que você quer dizer, Willen? Perguntou Or’kan.

– Lucem malo custodiat animam puritate, recitou Valentine nos ouvidos de Hammax. O encanto servira de barreira contra o progresso do veneno. – O encantamento durará três dias, é o tempo que vocês têm para salvá-lo.

– Or’kan, você e Roma partirão em busca da planta, Bastian e eu precisamos partir em outra missão, disse o sábio.

– Missão? Questionou Bastian. – Eu não tenho preparo para isso.

– Calma, garoto. O lugar para onde iremos será recompensador, respondeu-lhe.

– Como posso manter a calma se meu amigo está à beira da morte e a outra irá a um lugar perigoso enquanto eu partirei para um lugar recompensador, em tom de reprovação Bastian falou.

– Ei, Bastian, interrompeu Roma. – Eu vou conseguir pegar a planta junto de Or’kan, lembra como eu sou boa com o arco?

O menino Bastian deixou um fino fio de lágrima correr. – Certo, eu espero por você, respondeu-lhe.

Depois do encanto, a dor deixou o corpo de Hammax, que não abria os olhos desde o envenenamento. – Ei pessoal, falou pesadamente. – Derrotamos o Pazuzu?

– Sim, derrotamos, respondeu Bastian ao amigo enquanto segurava uma de suas mãos. – Obrigado pelo seu sacrifício.

– Pare com isso, ainda temos uma vida pela frente, não é... lembra da promessa quando tomamos surra juntos? Desbravar o mundo... não é.

– Sim, amigo, nós iremos, respondeu Bastian.

– Todos, vamos sair da porta e entremos, disse Valentine. – O menino precisa descansar e vocês preparar os itens para a viagem. Ele pode ficar aqui para que eu o observe enquanto estão viajando.

Na tarde daquele dia, as duplas tinham preparado o que precisavam para a viagem. O destino de Bastian junto a Willen ainda era um mistério. Roma e Or’kan viajariam para a Floresta Negra para pegar uma folha de flor cantora que nasce na cabeça dos trolls, uma missão perigosa, mas necessária.

O grupo agradeceu pela breve hospedagem dada por Valentine e pelos mantimentos. – Façam bom uso dele, disse ela.

– Bastian, isso é para você, um espada para aprendizes, use-a quando Willen não estiver por perto, falara a sacerdotisa.

– Todos prontos, então vamos, disse Or’kan.

As duplas pareciam dispostas a enfrentar todas as adversidades do mundo para concluir suas respectivas missões. Antes de ir, Bastian subiu até o quarto de Hammax para se despedir.

O menino estava sentado na cama. – Ei, amigão, nós já vamos, deseje sorte, com um sorriso meia-boca Bastian disse.

– Eu não queria que isso acontecesse, Hammax respondeu. – Se eu não fosse tão desajeitado, nada disso tinha acontecido, incluindo as crianças do orfanato.

– Pare de se culpar, o que aconteceu aos órfãos não é culpa sua, nós iremos pegá-los, certo, Bastian falava para motivar o amigo. – Depois de você, eles serão nossa próxima missão.

– Se cuida, tá bem, falou Hammax.

Bastian ficou bem próximo do amigo e deu um breve selinho.

– Eu ficarei, respondeu Bastian.

Depois de derrotar Pazuzu, o órfão Hammax corre risco de morte por causa do envenenamento que sofrera durante a execução da armadilha para derrotar o demônio. Obrigados a buscar por uma cura, o grupo chegou à Aldrovia, infelizmente, o remédio para curá-lo está em falta, o que ocasionou uma missão para Roma e Or’kan, que precisarão ir para a Floresta Negra. O sábio Willen, no entanto, resolveu escolher Bastian para partir em uma missão para um destino misterioso. O que o destino reserva para o grupo de aventureiros? Descobriremos.

Continua

***

Previsão do próximo capítulo: 15/11/2018