O Álbum Marrom(4)
Era um álbum de cor marrom, antigo, dos anos 1880. Havia muitas fotos nele, todas de família. Ele ficava escondido em uma gaveta no quarto e não havia sido tocado há mais de cinco anos. As fotos estavam amareladas e mostravam os membros da antiga família de um homem chamado Albert. Era um álbum singular e logo saberemos porquê. A família de Albert colecionava todo tipo de coisas singulares, a última que chegara da Polinésia Francesa eram corais esverdeados que só nasciam nessa ilha. Na casa de família muitas obras de culturas antigas, muitas comidas diferentes e até mesmo animais empalhados de milhões de anos se achavam na casa. A casa era um relicário extremamente precioso, para àqueles, é claro que se interessassem por coisas exóticas.
Albert era apaixonado por toda a história dos objetos de sua casa. Por exemplo, ele amava um cartão postal feito em 1520 em uma ilha que não mais existia. Ele também amava as patas de ganso das ilhas Samoa que seu tataravô havia caçado e retirado. Ou então o marfim de um elefante que não mais existia. Havia muitas peculiaridades que ele adorava colecionar, e ele até mesmo trabalhava como antiquário. Mas o álbum marrom era o que ele mais gostava. Era um álbum de pessoas... Bom, podemos dizer que elas não estavam muito... vivas... Era um álbum de família que ele herdara de sua avó e que mostrava seus parentes mortos. Muitos considerariam esse álbum ruim e mórbido, mas não Albert... Ele sempre olhava as fotos e pensava como teriam sido esses parentes que ele apenas vira numa fotografia mortos. Sua avó não gostava do álbum e tentara até mesmo jogar fora dizendo que era um álbum amaldiçoado, mas Albert não acreditava em maldições e havia recuperado o álbum. Ele olhava sempre com admiração aquelas fotos de pessoas que não existiam mais. Havia também os diários escritos por seus avós mortos que estavam mortos no álbum. Albert lera cada página e se maravilhava de como era a vida há anos atrás. Seu avô servira em um regimento do exército como suboficial, e sua avó como toda mulher daquela época era uma dona de casa que cuidava do marido e dos filhos. Albert também tinha três quartos em casa repletos de antiguidades de todo tipo: moedas gregas e romanas, escudos antigos, bandeiras desfraldadas de guerras antigas, botas e roupas velhas e semivelhas. Havia ainda dois quartos trancados na casa no andar de baixo, um com uma porta vermelha e outro com porta azul.
A cada viagem que Albert fazia (E acreditem, ele fazia duas viagens ou mais por mês a outros países), uma coleção repleta de tudo que ninguém poderia imaginar era trazida à casa. Como Albert tinha um porão praticamente do tamanho da casa, ele nunca se preocupava com as compras, porque sabia que sempre havia mais lugar, e também havia sua casa de veraneio há dois quilômetros de sua casa atual. Quando chegava, sempre acendia incenso e fazia uma espécie de sinal da cruz em cada lugar, mas não deixava sempre de contar sua coleção curiosa de objetos estranhos, de alguns animais empalhados e até mesmo de dentes humanos e não humanos!
Todos os dias Albert sempre fazia anotações sobre sua coleção. Não que ele achasse necessário anotar, pois sua memória era altamente detalhista, mas ele anotava porque sentia que a anotação faria dele um colecionador melhor do que já era. Já havia três cadernos cheios de anotações. Ele era tão minucioso que até mesmo o horário em que havia adquirido o objeto, as cores, o nome da pessoa que vendera, a roupa que essa pessoa usava era anotado. Numa cômoda ao lado da cama de Albert havia um pelicano empalhado. Ele o chamava de Stuart e de vez em quando trocava algumas palavras com ele. Sua avó via em Albert uma pessoa que realmente levava o hábito de colecionar coisas antigas com muito aprumo, mas como toda pessoa que adora o comum e vulgar, ela considerava Albert maluco. Como Albert morava em uma casa separada das outras, ele não tinha vizinhos para ficar bisbilhotando sua vida, então a sua "mania" de colecionar objetos raros não era perturbada.
Porém, em cada objeto que Albert colecionava havia uma história triste, sombria e macabra. Tomemos como exemplo apenas cinco de seus objetos. Ele tinha um colar contendo a marca de um basilisco nele. Só este pequeno fato para muitos já é perturbador, porém a história era incrivelmente assustadora. O dono deste colar havia sido um praticante de magia negra assíria. Ele criara o colar em uma noite qualquer que ninguém nunca consegue se lembrar. O colar era um verdadeiro magnetizador. Qualquer objeto ou pessoa era atraído por ele, quando ele era colocado de lado, podia-se ouvir vozes emanando do lugar, vozes ao longe como se fossem de outro mundo. O colar também mudava de cor, isso tanto na presença das pessoas quanto longe delas, e o evento mais assustador foi que além de uma morte de um gato, cachorro e uma criança pequena, o colar era uma espécie de visualizador do futuro. Quando o dono morreu (Dizem que ele foi sufocado pelo colar, mas o colar foi encontrado longe dele), Albert o adquiriu de um abissiniano por quase mil dólares.
A segunda história é de um tambor usado na Guerra Civil. Esse tambor foi usado por um tal de Milnard, esse homem diziam podia se comunicar com os mortos e com os animais em volta, mas o tambor fazia todo tipo de coisas... Ele podia tocar sozinho, podia ser encontrado em qualquer lugar do mundo e duplicado, ele podia se ouvir como uma pessoa ao longe sendo tocado, e também saía marcas de sangue do tambor! Felizmente nesta história, o dono do tambor não morrera, e havia simplesmente cansado do objeto e vendera por uma bagatela.
A terceira história é de um livro escrito com uma tinta vermelha que muito se parecia com sangue. O livro ora tinha duzentas páginas ora trezentas, ora quarenta e sempre uma história diferente ele contava. Não havia ilustrações e o livro todo era bem sinistro. Havia pertencido também a uma pessoa que praticava magia. Esse livro ele havia perdido ou sido roubado por alguém que apenas desejava tirar esse livro curioso e mágico das mãos do mago. Logo essa pessoa morreu! Albert havia adquirido o objeto em um museu que ficou muito satisfeito em se livrar dele.
A quarta história é de uma boneca. Uma linda boneca de porcelana com faces rosadas. A boneca havia pertencido a uma menina chamada Lily Stratford. A boneca e a menina eram inseparáveis! Elas jamais estavam separadas, e seus pais tinham certa preocupação com isso, mas não ousavam separar a menina da boneca. Logo, as coisas na casa começavam a quebrar com a presença da boneca, portas abriam e fechavam sozinhas, a casa era invadida por todo tipo de animais, principalmente os mais nojentos, e ouvia-se de noite vozes e gemidos assustadores. O pai conseguiu criar uma boneca idêntica a esta assustadora peça e logo vendeu o objeto amaldiçoado por um preço exorbitante alegando que a boneca havia pertencido a um nobre russo.
O quinto objeto era uma estátua do deus Apolo que jorrava sangue e também uma espécie de linfa dela. Havia sido adquirida perto de Roma em uma das viagens de Albert relacionadas a sua família.
Todos estes objetos estavam no porão de Albert, e Albert era tão detalhista em sua agenda que ele até mesmo escrevia como o objeto parecia se comportar, como ele estava posicionado, e todo tipo de detalhismos.
Estes objetos amaldiçoados, e havia muitos além destes, não tinham nenhum efeito na primavera. Na primavera, eles apenas mudavam de cor, o tambor era de um amarelo canário apagado, a boneca era de púrpura, o livro tinha tons de verde esmeralda, o colar era de marrom amendoado, e a estátua tinha tons de azul esmeralda, chartreuse e mogno.
Todos os sábados Albert sentava-se no porão com sua poltrona e ficava ouvindo músicas o dia todo, lendo e observando os objetos. Ora um apito ensurdecedor ou então qualquer absurdo era ouvido no porão, mas raramente ele ouvia. Estava sempre distraído, pensando no que poderia adquirir. A vida de Albert era multifacetada quando se tratava de obter objetos. Tão eclético e versátil, que pouco lhe era desprezado, apesar que seu desprezo era mais por coisas que fossem manufaturadas recentemente.
Nos três livros completos de objetos de Albert, não havia nada que não fosse realmente um assomro para qualquer pessoa. E seus detalhes davam um tom artístico e estético a todos aqueles objetos. Ele pensava em mandar desenhar todos os objetos, mas preferia manter uma coleção à parte de fotografias. Afinal, objetos e fotos eram sua maneira favorita de adquirir objetos.
Nos outonos e invernos, todos os objetos amaldiçoados podiam ser vistos de madrugada ao pé da cama de Albert. Moviam-se pelo ar e faziam círculos e outras formas que Albert jamais poderia ver. Ao amanhecer, Albert via os objetos ao seu lado, e os guardava no guarda-roupa, e de tarde, eles estavam novamente no sótão.
Após dois invernos, o pouco da família de Albert viajou para o norte da Dinamarca, e ele ficou totalmente sozinho. Ele decidiu parar de viajar para adquirir objetos misteriosos e raros, mas algumas coisas começavam a ficar curiosamente diferentes na vida de Albert. Quando ele ia falar, ouvia-se em vez das palavras tique-taques de relógios ou grandes apitos de locomotiva. Seus passos estavam cada vez mais duros, e ele sentia dentro de si como se tivesse partes de algum objeto leve. Seu sono também estava muito perturbado, mas Albert não gostava de médicos e decidiu tentar todo tipo de remédios com ervas naturais. O sono retornara parcialmente, mas as outras sensações continuavam.
Logo, Albert realmente se esquecia de quase tudo que havia dentro de casa, e anotava as mesmas coisas sempre. Seu corpo começava a se iluminar sozinho durante todo o tempo. Albert começava a tentar pronunciar qualquer palavra, mas não saía voz alguma. Logo, Albert começou a escrever freneticamente em um diário, noites e noites ele passava escrevendo e de dia ora comia algo, ora dormia. Em uma noite, Albert literalmente se transformou em uma caneta fosforescente e voava pela casa. Passaram-se dois dias e nada dele voltar a ser humano. Ele emitia todos os tipos de luz e escrevia em seu diário. Ele ficou assim por quase vinte anos, e seus parentes? Bom, seus parentes sumiram em uma cidade pequena na Dinamarca e nunca mais foram vistos e a casa de Albert foi totalmente esquecida pelos poucos habitantes que moravam perto dele.