Paloma, a pomba
Num lugar distante, num período muito distante de nossa história, havia uma floresta vasta, verde e bem densa, de árvores enormes e imponentes, algumas repletas de variados tipos de flores, outras carregadas dos mais diversos frutos, mas todas abrigavam muitos tipos de pássaros. Alguns de penachos exuberantes, outros multicores, outros fosforescentes, e todos eles coloriam, como a aquarela num quadro, todo aquele ambiente arbóreo. Logicamente que cada pássaro se vangloriava pelas suas respectivas, e incríveis, penas, intitulando-se o mais belo, o que sempre proporcionava uma competição de beleza entre eles.
Mas, em uma singela toca, que era um buraco no tronco de uma das imensas árvores, havia uma pomba muito meiga chamada Paloma. Era uma pomba de caráter incrível, muito amiga, companheira e carismática. Mas apesar de todas essas virtudes, ela não tinha amigos, pois suas penas tinham cores comuns. O peito e o ventre coberto de penas brancas, e suas costas de penas cinza. Ela não possuía nada que fosse chamativo, como um desenho diferente ou uma cor mais exótica. Era simples, o que a tornava simples em suas atitudes, o que era tomado como desprezo para os demais, excluindo-a do meio e, muitas vezes, zombando-a.
Por vezes isso a feria por dentro, pois, dessa maneira, ninguém queria a sua companhia. Com isso, ela aprendera a viver na solidão, e sem rancor, pois não odiava seus vizinhos, alias, admirava-os, pois todos os dias podia ver aquele incrível espetáculo de cores e formas que eles faziam ao bailar pelos céus por todas as manhãs e tardes, e, em seus pensamentos, agradecia-os por lhe proporcionar tamanha maravilha.
Porém, um dia, quando a aurora estava morrendo, Paloma, que dormia num sono profundo e aconchegante, ouviu ecoar em sua mente a voz de alguém que a chamava pelo nome: “Paloma…”, dizia a voz, “Paloma… venha até mim… preciso de tua ajuda, Paloma”. Essa voz soava de forma gradativamente mais forte ao ponto de perturbá-la. Então, ela vira uma imagem clara em sua mente, de uma planície que ficara fora da floresta, cujo havia uma ave diferente, de penas amarelas, vermelhas e laranja, parecendo fogo, com uma calda de penas longas da mesma cor. Tal ave estava fraca e abatida no chão, parecendo que iria morrer a qualquer momento. Essa imagem fez Paloma acordar assustada, e sem pensar duas vezes, voou em direção à planície que vira em seu sonho.
Sem errar o caminho, ela encontrara a ave que lhe suplicava por ajuda, então, preocupada, aterrissou perto dela, mas era tão grande perto de Paloma, que esta se sentia um cisco ao seu lado.
- Que bom que… viestes… Paloma – disse a ave roucamente.
- Recebi teu apelo, e vim o mais rápido que pude. Mas és tão grande, que não sei como posso ajudar-te – Paloma disse preocupada.
- Eu sou… uma Fênix, Paloma… Sou uma Ave mágica. Tenho o poder… de manter o ciclo… da vida em seu… eterno fluxo. Tudo na natureza… nasce… cresce… se desenvolve… e morre. Depois… renasce novamente, e sempre segue… nesse majestoso circulo… que se movimenta… como o sol que vagueia pelo céu… sempre gerando Vida. Sou responsável… para que esse ciclo se mantenha… sempre renovando… aquilo que morre. Porém, eu também faço parte… deste ciclo, o que significa… que também morro.
- Não! – lamentou Paloma – Estais morrendo! É tão triste tal revelação, e o mais triste é não saber o que fazer para ajudar-te nessa hora. Mas o que acabara de me dizer é algo tão belo, mas ao mesmo tempo assustador. O que acontecerá com a Vida se tu morreres?
- Ela perderá o ciclo, e tudo se tornará… um caos – a Fênix disse, e reparou no olhar de espanto de Paloma – Mas não te preocupes, pois eu já morri… várias e várias vezes. Explicar-te-ei. Existe uma montanha, muito… mas muito distante daqui… chamada a Montanha do Sol. É… o pico mais alto que existe… tão alto que quase encosta o Sol. Lá… é a minha morada, e quando eu me encontro… em meu leito de morte, deito-me em meu… ninho e minhas… penas… transformam-se num lindo fogo que me… consome, transformando-me em cinzas. Apenas meu coração… que é um diamante vermelho, fica intacto, e assim, quando o sol toca o topo dessa montanha… seus raios tocam esse diamante, que brilha fortemente e começa a reconstruir… meu corpo novamente. Então… revigorado… posso desempenhar minha… função por mais… mil anos. O problema é… que tive um contratempo… e não tenho forças o bastante… para empreitar tal… viagem. Na verdade… morrerei a qualquer momento. Por isso chamei a ti.
- Por que? – Paloma estava aos prantos – O que poderá uma simples pomba fazer por tão majestosa e grandiosa Ave?
- Confiarei a ti… a missão de levar meu coração até… meu ninho na… Montanha do Sol – respondeu a Fênix.
Paloma se assustou.
- Mas por que a mim, confias tão difícil e importante missão? Existem aves mais fortes e mais belas do que eu e que tem condições naturais de suportar as dificuldades de uma viagem como essa.
- Eu sei… - respondeu a Fênix – mas a partir do momento… em que virem o quão valioso é meu… coração, transformarão em adorno para exibirem aos outros… A vaidade e a cobiça tomará conta de muitos… e uma possível guerra ocorrerá… A pobreza de espírito que… a maioria dos seres… possuem… faz com que sejam incapazes de cumprir com… essa missão. Ao contrário de ti… Paloma. A tua simplicidade… a fez pura… de coração nobre… e indelével. Eu sei que serás capaz de cumprir essa tarefa… pois sei que estarás sempre pensando, como agora o fazes… na importância que tem para todo o mundo… que meu coração chegue até meu ninho. Tu és incorruptível… Tu és honesta… Tu és benévola.
- Como podes ter certeza de tudo isso? – Paloma indagou.
- Sou uma Ave Mágica… Eu sei de tudo. E sei que tu… não enxergas a beleza que tens. Tuas virtudes a torna bela. Uma beleza… que ultrapassa o meio físico… Uma beleza que apenas os mais preparados podem enxergar… - então, as penas da Fênix começaram a flamejar, gerando um fogo vertical que crepitava de forma suave e lenta, bonito de ver, apesar de se tratar da morte da Ave – Chegou a hora. Confio a ti o meu coração. Siga para o Leste. Atravesse o grande Oceano… atravesse o grande Deserto… atravesse as Terras Gélidas. Chegaras numa enorme cordilheira. A mais alta, cujo o fim é, aparentemente inalcançável, trata-se… da Montanha do Sol. Lá, verás meu ninho. Deposite meu coração nele, e sua missão… estará cumprida. Adeus, Paloma – e o fogo tomara conta de todo o corpo da Fênix.
- Espere! Não se vá ainda! – Paloma exclamou.
- E não te esqueças. Quando estiveres em dificuldade, uses a força de tuas virtudes. Elas serão as tuas melhores armas nesta jornada – A voz da Fênix ecoou, e por fim, o fogo se extinguira.
Em meio às cinzas do que foi, um dia, a majestosa Ave que Paloma vira a pouco, estava um lindo diamante, pequenino, mas com um brilho vermelho incrível. Ao olha-lo, Paloma sentia-se feliz, não sabia por quê. Então, mesmo com medo do que teria que enfrentar, Paloma pegara-o com o bico e abriu voo em direção ao Leste, rumo ao seu destino, que, para ela, era desconhecido.
Tivera que atravessar um imenso Oceano, cujas tempestades constantemente surgiam, trazendo chuvas torrenciais, raios e furacões. Por vezes caíra no mar, e debatia-se diante das tormentosas ondas que lhe engolia. Mas ela nunca largará o diamante. Segurava-o com tanta força e convicção de que tinha que alcançar o seu destino que uma estranha força preenchia-a por dentro, fazendo-a ser capaz de enfrentar as águas tenebrosas, que queriam derrubá-la, conseguindo, inacreditavelmente, voltar a voar. Fora uma viagem dura, mas conseguira atravessar o Oceano.
Ao chegar ao Deserto, o sol queimava-lhe até a alma. Era tão terrível o poder que irradiava sobre aquela frágil pomba, que a mesma, por vezes, sentia-se sem forças para suportar aquela terrível provação. Suas penas estavam pesadas e já não conseguia voar tão rápido. Porém, sabia que tinha que alcançar seu objetivo, pois a Vida dependia daquilo e não podia desistir. Então, o Deserto mostrava que era implacável e lançava horripilantes tempestades de areia, que cegava os olhos de Paloma e, por vezes, a fazia cair no chão. Mas ela não largara o coração da Fênix, e, novamente, uma força estranha surgia dentro de si, fazendo-a ser capaz de enfrentar o Deserto e atravessá-lo.
Ao chegar às Terras Gélidas, sentiu um frio alucinante, que a congelava por dentro em todos os aspectos. Não havia tempestades nesse lugar, mas o frio era tão intenso, que, por vezes, a impedira de voar. Ela conseguia enxergar as cordilheiras, sendo que um dos picos era extremamente elevado. Não teve dúvidas de que se tratava da Montanha do Sol, mas, naquela hora, ela começava a duvidar se o Sol realmente existia naquelas terras.
Ela conseguiu tirar forças para voar em direção a Montanha, mas quando a alcançou, o ar era tão frio que suas asas haviam congelado, o que a fez cair forçosamente contra a muralha de pedra e gelo que era aquela enorme montanha. Ela se ferira muito. Suas asas sangravam e doíam demais. Realmente não poderia mais voar, nem se quisesse. Teve que ir andando Montanha acima.
Apesar de ser um feito extremamente impossível, Paloma já não pensava mais nas dificuldades, pois já passara por tantas que aquela era apenas mais uma a se enfrentar. Mantinha a concentração em não largar o rubro diamante. A força que sempre lhe surgira, estava presente naquele instante, mas a subida durara dias, semanas, meses. Essa força, mesmo presente, não era capaz de rejuvenescer seu corpo, já moribundo, de tanto sofrer pelas provações que a Natureza lhe impunha. Mas ela nunca deixara de caminhar, nunca deixara de subir, e aos poucos, alcançava o topo da Montanha do Sol.
Quando completou um ano subindo, numa noite, ela usou toda a sua energia para dar um pequeno, mas dolorido voo de um metro de altura. Altura essa que era à distância entre ela e o cume da Montanha. Ao chegar, ela despencou no chão, e acabou por soltar o diamante. Ela se desesperara, mas só tinha forças para se arrastar naquele chão congelado. Por sorte, o coração da Fênix não caíra do Cume, mas o mesmo estava longe do ninho, que se encontrava a poucos metros de distância do diamante. As últimas forças que Paloma exauriu foram para chegar perto do coração, e aninhá-lo com suas deterioradas asas, e num último suspiro de lamento, derramou uma lágrima e disse, ofegante, mas chorando.
- Desculpe… cara Fênix… Eu… falhei… Não consigo mais me mover… mas estou tão perto de seu ninho – Paloma suspirou – Mas minhas forças acabaram… meu corpo sucumbiu… e mesmo com toda a perseverança que tenho… não consigo me deslocar por minha vontade. Como último ato… protegerei seu coração… para que ele não corra o risco de cair montanha abaixo… e não se perca para sempre… Quem sabe… uma alma caridosa… ponha-o dentro… de seu lar. – Então ela fechou os olhos, derramou uma última lágrima, lançou um último suspiro, e morrera.
Naquela noite, tudo se silenciara. Era uma noite fúnebre, para velar pela alma daquela pomba que fora guerreira o bastante para chegar até onde chegou sem desviar de seu objetivo.
Então o Sol começou a nascer, e no cume da Montanha, o ele era gigantesco, mais brilhante e mais dourado do que nos outros pontos do mundo. Quando o Sol alcançou a morada da Fênix, o coração começou a brilhar fortemente, e, junto a ele, Paloma começara a brilhar também, cintilando o ouro. Então, tanto diamante e Paloma passaram a ser uma única Luz, que se unira ao Sol e assim ficou até o astro afastar-se da Montanha.
Repentinamente, Paloma abrira os olhos assustada, ofegante, como se ela fosse sugada de algum lugar desconhecido de volta para o seu corpo. Com a visão turva, esfregara os olhos para passar a enxergar melhor. Quando tudo ficara claro à suas vistas, vira a exuberante imagem da Fênix, imponente, de olhar vivo e flamejante, como o fogo, como o Sol. Já não era mais àquela que encontrara moribunda perto da floresta, mas uma verdadeira criatura Mítica e Mágica. Paloma estava espantada com aquela imagem, mas ao mesmo tempo admirada.
- Estamos mortos? – finalmente Paloma perguntou.
- Não, querida Paloma. Estamos bem vivos. Fomos renovados com a energia do próprio Sol, que reascendeu o Sol interior que há dentro de nós. Agradeço, do fundo do meu coração de diamante, pelo bem que me fez. Enfrentaste todas as tormentas do mundo para proporcionar o meu renascimento e, por isso, a continuidade do Ciclo da Vida – então a Fênix abraçou fortemente Paloma, e a pomba ficara muito sem jeito – A propósito, tuas penas ficaram muito bonitas.
- Como assim? – então a pomba olhara para ela mesma e ficou estupefata ao ver que suas penas tornaram-se douradas, como o Sol, e sua cauda aumentara e tinha, nas pontas, desenhos arroxeados – O que aconteceu comigo?
- Tornara-te mágica. É o que acontece quando o Sol toca o teu coração, iluminando-o por dentro. Como eu te disse, há muito tempo, tu possuis qualidades verdadeiras e virtudes bem desenvolvidas, das quais você conseguiu utilizá-las como um poder para alcançar o teu objetivo. Isso purificou o teu coração ao máximo, deixando-o livre para se iluminar com a grandeza solar.
- Nossa… - ela disse espantada – Mas eu… morri.
- Tenho certeza disso, e renasceu. Isso a torna uma criatura mágica, que está para além da vida e da morte. A eternidade, para ti, não será mais um mistério, pois, na realidade, todos os seres são mágicos, mas ainda não sabem. Estão presos a futilidades e acabam não desenvolvendo as virtudes como deveriam. Os seres morrem, mas suas almas são imortais, e elas nascem novamente. Eles desconhecem isso e demorarão muito até compreender.
- Mas… eu sou apenas uma pomba – Paloma disse.
- Não. Tu és A Pomba de Ouro, e o teu poder é o da Esperança, pois mesmo em teu leito de morte, tu tevês a nobre atitude de proteger meu coração, acreditando na possibilidade de alguém surgir e depositá-lo em meu ninho. Mas tu não esperavas que bastasse que o meu coração ficasse exposto ao Sol em qualquer lugar desse cume para que eu renascesse. Vamos, Paloma, a Pomba de Ouro, voe comigo neste mundo afora e vamos, eu, a Fênix, espalhar o renascimento ao mundo, e tu a Esperança.
E assim ambos alçaram voo, felizes por poder servir ao Mundo com tamanha Magia. E desde então, graças a Paloma, a pomba passou a ser, conhecida por todos, como um símbolo de Esperança.