A Janela :
Ele ficava grande parte do dia ali, só olhando o movimento lá embaixo. Ficava de pé, pois não gostava de se sentar. Também, sua missão ali lhe exigia muita atenção e concentração também. Observava tudo, e com precisão impecável. Nada lhe escapava aos seus atentos olhos.
Estava preparado para sua vigília, pois até um lanche, além da garrafinha de água mineral, ele mantinha sobre uma mesinha bem perto. Fazia tudo isso para não se afastar do seu posto de sentinela.
Como um falcão vigiando a presa, ele olhava cada movimento lá embaixo na avenida. De pé, ali naquela varanda ele tinha domínio de todo o campo de visão. Ele era minucioso e naquele momento não queria deixar nenhum detalhe importante lhe escapar. Essa missão lhe era mui importante.
Aquele dia ele estava com sorte, pois a avenida estava movimentada. Muitos carros, bicicletas, e motos a perturbar com seus roncos infernais, mas ele nem prestava atenção a esse detalhe. Tinha alvo certo para suas pesquisas. Ele sabia o que procurava, o que desejava encontrar. Sabia também que ficaria alegre e feliz ao encontrar o que tanto queria. Viu e riu de muita coisa, riu de muita gente... bobo ele. Tanto prazer em observar passantes de uma avenida, em pleno dia.
Quando já pensava em sair da varanda, surgiu algo do ponto cego de seu campo de visão. Valeu a pena ter sido paciente e esperar o quanto ele o fez. A recompensa sempre vem e a compensação dele veio.
Num momento ele viu uma moça passando pela avenida. Reparou bem nela e ficou a cismar, pois algo no andar da menina lhe chamou a atenção. Sorriu. Ele sorriu, pois comparou a figura da mulher a um animal. Aliás, ele imaginou, em sua mente cínica, vários animais.
Fixou nela o seu olhar arguto e foi enumerando bichos, aves, quadrúpedes e até insetos, os mais variados possíveis. Ficou satisfeito com a conclusão que chegara em relação à moça, lá embaixo. Fizera, realmente uma boa escolha.
Seriema. Ele viu uma seriema, na imagem esbelta daquela infeliz. Era magrela, meio seca, como uma seriema e de longas pernas. Tinha até o pescoço fino e alongado. Muito alongado. Era de um tipo meio desajeitado. O seu jeito de virar a cabeça para olhar ao redor imitava mesmo a ave corredora da imaginação daquele observador. Ele achou graça, achou muita graça e se considerou com sorte.
Notou que o andar da moça era inconstante, meio trôpego, ora mais rápido ora mais lento, exatamente como a ave em questão, que acelera o andar ao encontrar um inseto para seu aperitivo. Com essa conclusão ele riu.
O que a moça procurava ele não sabia, mas deu-lhe, decididamente, a alcunha de seriema. Ele fez algumas anotações mentais e saiu da janela. Imaginar uma seriema no pasto, despertou seu apetite e o lanche da mesinha havia se acabo. Foi direto à cozinha, procurar algum repasto e voltou ainda mais animado.
Enquanto comia, pensou na sua sariema. Sorriu. Estava satisfeito consigo mesmo, com sua crítica e o seu cinismo. Considerou como ganho o seu dia.
Assim que terminou o lanche, voltou àquela janela, seu observatório. De novo ele já estava ansioso e pronto para olhar a avenida, e imaginar mil outras coisas para os muitos transeuntes que por ali passariam.
> F I M <