A ADORÁVEL DESCONHECIDA E OS BENDITOS FRUTOS DE MINHA IMAGINAÇÃO

Prólogo

Pouca gente sabe desse detalhe! A droga morfina tem seu nome derivado de Morfeu, visto que ela propicia ao usuário sonolência e efeitos análogos aos sonhos. Quando uma pessoa augura: "vá para os braços de Morfeu", sugere ter um sono tranquilo, com bons sonhos, como se estivesse envolvido pela paz e bem-estar desse deus (Na mitologia grega).

Como a maior parte das divindades do sono e dos sonhos, Morfeu é alado. Tem grandes asas rápidas, que batem sem fazer barulho, e o levam num ápice aos confins da Terra. Todas as noites, enlevado por sons cristalinos de harpas e cânticos “New Age” viajo com Morfeu, um dos deuses dos sonhos. E pela manhã, bem cedo, amanheço revigorado para criar, inventar e fantasiar para o deleite de meus nobres leitores, alguns curiosos, outros também sonhadores.

TRECHOS DO TEXTO “POSSE CONSENTIDA”

“Hoje estás mais ousada. Mais solta. Tão segura a ponto de me fazer crer ser possível um novo alvorecer e pleitear outras audácias desejadas. Novamente me dirás ao ouvido as mesmas palavras, sibilantes, ditas em uma madrugada quase tenebrosa, quando caia uma chuva fina acompanhada de frio glacial. Foram tuas encorajadoras palavras, insinuantes, que me fizeram ter um arrojo atrevido, sem igual”:

“Não te quero minha fêmea apenas rosácea para o deleite de momentos fugazes. Quero-te toda faminta, abstida e só minha; lânguida, não sem forças, mas dominada e sensual; devassa, despudorada, vadia entre lençóis imaculados para manchá-los e perfumá-los com nossos fluidos mesclados após a posse incentivada, consentida, almejada.”.

A VITÓRIA SOBRE A HIPOCRISIA

10h:48min – 11/05/2018 (Sexta-Feira) – O ônibus que saiu da integração sito em Campina Grande, PB, próximo do Teatro Severino Bezerra Cabral, com destino ao bairro do Cruzeiro, passando pela rua onde eu moro, estava quase vazio. Sentei-me em uma das poltronas reservada para os idosos. Nas mãos eu conduzia o livro “A mulher do próximo”, escrito por Gay Talese.

Explico: Ainda não perdi o hábito de andar sempre com um livro nas mãos. Isso ocorre desde o tempo de adolescente quando eu resolvi estudar durante todo o tempo disponível para um bom concurso, aprender um pouco mais. Abri na página onde se encontrava o marcador: Página 127. Dispus-me a ler, sem pressa, mesmo sabendo não ser bom para a visão por conta do balanço do veículo que conduzia a mim e aos demais poucos passageiros.

No supracitado livro o autor mergulha fundo na intimidade de seus contemporâneos, traçando um amplo e fascinante painel da mudança de costumes sexuais que surgiu nos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 1970. Como se fosse um romance, este livro, lançado em 1980, narra diversos episódios de adultério e sexualidade aberta, isto é, consentida. Mas, o melhor da narração de Gay Talese é que nada é ficção.

Ao abordar frontalmente, indo de encontro à repressão no que diz respeito ao sexo, pornografia, religião e censura o autor briga ferozmente com as autoridades e, ao transformar sua obra em um clássico da história da sexualidade, Gay Talese venceu a hipocrisia!

O EMBARQUE DA LOIRA DESCONHECIDA

10h:59min – 11/05/2018 (Sexta-Feira) – O ônibus fez uma parada para o embarque e desembarque de passageiros. E, como se houvessem acendido todas as luzes do cosmo, o ambiente se iluminou e um aroma de um perfume parecido com “Grace Midnight”, fragrância feminina da Hinode invadiu minhas narinas e impregnou todo o interior do transporte coletivo. Encerrei a leitura e fiquei atento. Algo ocorria.

Do alto dos meus muitos "quilômetros rodados" entendo que existem mulheres de todos os tipos e caracteres, para todos os gostos e desgostos de quem souber ou não valorizar. Existem as mulheres lindas, sensuais, estabanadas, cuidadosas; as sérias e as risonhas; há as amorosas, as ciumentas controladas, descontroladas e indiferentes; existem também as sonsas, as gostosas, dengosas, inteligentes.

Existem, ainda, as mulheres tagarelas, caladas, discretas, introvertidas, travadas; as pudicas e devassas; as exploradoras e as exploradas; as sofridas, as guerreiras, as acomodadas; há as corajosas, medrosas, lamurientas, choronas, saudáveis e doentes... E existe aquela mulher que tem tudo isso e mais, muito mais. Trata-se de algo inexplicável, impactante! A desconhecida loira seria apenas minha imaginação? Um espectro? Quem sabe? Talvez.

Na ocasião fiquei inquieto. A moça-mulher adentrou ao coletivo e já de frente a mim olhou-me de viés. Mordeu o lábio inferior de leve. Arqueou uma das sobrancelhas divinas e com a mão esquerda ajeitou os cabelos longos e lisos, esvoaçantes, para trás de uma orelha, (o gesto é um exercício inconsciente para descarregar a tensão, o nervosismo, a insegurança), enfeitada por um brinco diminuto. Sentou-se na fileira da frente, joelhos bem juntos, permanecendo de lado para mim. Explicarei melhor: Se ela olhasse só para a frente veria o motorista e o para-brisa.

O lado esquerdo dela estava voltado para mim. Eu estava a dois metros dela. Não demorou um minuto e a moça linda voltou os olhos para a esquerda. Parecia inquieta. Nervosa. Nossos olhares se cruzaram. Fez isso mais de três vezes em intervalos curtos e, em uma dessas ocasiões, uma corrente forte de uma energia desconhecida percorreu todo o meu ser. Apertei forte o livro que eu conduzia sem saber o porquê dessa minha reação.

A distância senti o cheiro do feromônio misturado com o “Grace Midnight” que ela usava. E, como num passe de mágica, um clarão como um sublime devaneio veio a minha mente em ebulição. A loira bonita, mordiscando - seria um cacoete? - o lábio inferior e segurando com delicadeza uma madeixa loiro platinado, parecia dizer sussurrando:

"Apague o incêndio que em meu interior cresce até o subir incontrolável de um grito rouco. Desejo embebedar-me na doçura do teu sumo e anseio que se alastre no recôncavo de meu ventre o morno néctar da vida. Quero tua língua, chama e pétala em minha boca, igual à orquídea rósea, fulva, selvagem e pura. Em minha vagina quero que te enraízes soberano...".

UMA CENTELHA ETÉREA COMO UM SUBLIME DEVANEIO

Ela estava nua, deitada na cama, os loiros cabelos bastos, sedosos, esparramados pelos ombros delicados, escondendo o pescoço fino e longo, marcado pelos chupões da sacrossanta e doida lucidez consentida, perdida em devaneios melosos, soluçando tal qual santa mulher devassa que um dia tive em meus braços.

Os braços, as mãos divinas, pequenas, com dedos longos, enfeitados por unhas vermelhas, caiam: uma à esquerda, ao lado das coxas alvas, a outra à direita por sobre o ventre macio, chato, em uma tentativa inútil de cobrir o púbis que eu antes, em algum tempo imensurável, sôfrego, balbuciante, beijara enlouquecido. A pele ebúrnea, macia, perfumada, exalava sexo por toda a extensão trêmula.

Os sacolejos do ônibus, provocados pelas freadas, às vezes, bruscas, não foram capazes de mudar meus pensamentos libidinosos sobre uma possível intimidade com a moça-mulher que insistia em me olhar de vez em quando. Estaria me confundindo com algum amigo conhecido dela? Um amigo de seu pai, do seu irmão ou irmã, ou de sua mãe?

Talvez algum professor, médico, patrão, vizinho? Quem sabe? Pessoas entravam e outras desciam do transporte coletivo. Tentei desviar os pensamentos para algo mais sério, menos surreal. Consegui me lembrar de uma pergunta e resposta singulares do Livro dos Médiuns e Livro dos Espíritos (Primeira edição).

PERGUNTA 28 E RESPECTIVA RESPOSTA DO LIVRO DOS MÉDIUNS

28. Os Espíritos podem se tornar visíveis sob uma aparência diversa da forma humana?

"A forma humana é a forma normal; o Espírito pode variar-lhe a aparência, mas é sempre o tipo humano."

Não podem se manifestar sob a forma de chama?

"Podem produzir chamas, clarões, como muitos outros efeitos, para atestarem sua presença; mas não são os próprios Espíritos. A chama, frequentemente, é apenas uma miragem, ou uma emanação do períspirito; em todos os casos, não é senão uma parte deles; o períspirito não aparece por inteiro senão nas visões.".

LIVRO DOS ESPÍRITOS (PRIMEIRA EDIÇÃO)

213. (...)

As aparições, a que pretendem ver certas pessoas, são de fato efeitos da realidade ou de uma ilusão?

"Certas vezes, imaginação sobrexcitada; então é uma ilusão; contudo nós já temos dito que os Espíritos podem aparecer-vos tanto sob a forma humana, quanto sob a de flama etc.".

CONCLUSÃO

Não foi mais do que meio minuto... Ao sair dos meus devaneios olhei para onde deveria estar a moça loira de cabelos sedosos e longos. Não a vi mais! Mas, no interior do ônibus, o aroma suave permanecia no ar. Olhei para a frente. Olhei para trás. Creiam-me, olhei até para aquela fresta que fica localizada na parte superior dos coletivos para entrada do ar. Nada! A moça sumira como uma flama avermelhada, tal qual vi uma rosa encontrada, quiçá perdida, no lugar onde ela estava, deixando em meus olhos um espanto, um ar abobalhado no semblante.

Fiz uma prece silenciosa. Não consegui, ainda, decorar o Salmo 51 (Considerado o Salmo do Perdão), mas iniciei até onde eu sabia:

“Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias. Lava-me completamente da minha iniquidade, e purifica-me do meu pecado. Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim.”.

Depois da prece silenciosa em minha mente palavras foram ouvidas por meus pensamentos insanos. Era meu dicotômico Henrique quem dizia:

“Provocas-me. Deixas-me doido de propósito. Eufórico, compreendo que crias uma expectativa invulgar porque tens um jeito diferente de ser quem és. Seguimo-nos um ao outro aonde quer que formos. Ela estará, às vezes, outras, também estarão conosco! O que aconteceu hoje ocorrerá noutras ocasiões. Você se digladia contra seus anseios e/ou vontades reprimidas.".

"As inúmeras mulheres tais quais: Analu, Arlete, Beatriz, Carla, Eni, Fátima, Fernanda, Gracielda, Ione, Isis, Jeane, Josileide, Joseane, Jussara, Janaína, Luzia, Maria, Marta, Silvânia, Solange, Rosilda e tantas outras, cujos nomes não me lembro agora, também têm as mesmas visões e por isso atraímo-nos. Essa reciprocidade insana faz parte de nossas provações.".

"É preciso acreditar que esse martírio compensará a longa espera, que NÃO SERÁ ETERNA, creio, pois dependerá mais de você do que de mim, pela sua evolução justa, necessária, há muito tempo sonhada, mas não ainda merecida. De uma coisa tenha certeza: Eu, a moça bonita e perfumosa do ônibus e tantas outras mulheres que povoam sua mente permissiva, obsessiva, mas não necessariamente criminosa, somos frutos de sua fecunda imaginação!".