A Montanha de Ícaro

Prefácio/Prelúdio...

A Grécia mitológica guardava diversos segredos espetaculares. Um desses contos trata-se de um jovem obstinado que desafiou o seu destino com muita ousadia, um vestígio de ideia surgiu em sua mente, um sonho impossível para qualquer mortal, sonho este de cortar os céus em voos altos e rasantes.

Certo dia andando pelas ruas da ilha de Creta, entre os becos escuros do povoado e das tavernas que fediam a cerveja e mijo fresco, ouvia-se o murmúrio sobre um velho ancião que habitava na mais alta montanha da ilha e que tinha poderes divinos.

Ao ouvi-lo o coração dele encheu-se de vontades ocultas e peculiares, o fascínio lhe veio aos olhos em forma de chamas incandescentes, seus pés puseram a mexer-se e logo o mesmo estava correndo em direção ao destino proferido...

Corpo...

O jovem destemido escala a grande montanha árida e perigosa, seus dedos esfolam-se em contato com a rocha afiada, os raios do sol ardiam e crestavam sua pele alva, além de grandes toletes de rocha que caiam cada vez que o mesmo avançava, o perigo era evidente porém o sonho de voar era maior dentro do seu coração, sua ambição o fazia subir cada vez mais.

Por fim ele chega a um pequeno vilarejo próximo ao pico, povoado por pouco mais de cinquenta pessoas chamados de Ícarianos, o silêncio entre todos eles são coletivos e súbito por conta do impacto de ver um estrangeiro aparecer entre as rochas.

- Onde está aquele que chamam de velho ancião?

Pergunta o jovem ofegante.

- Ei garoto venha cá!

Grita uma voz em meio à multidão decrépita

- Quem me chama?

Indaga procurando quem proferiu as palavras.

A figura sai do meio da multidão e se revela um homem que aparenta estar na casa dos quarenta anos, com cabelos grisalhos e apoiado em um cajado, vestido de uma túnica azul fosca com bordas de linho dourado, ele está descalço e seu rosto suado por conta do forte calor.

- Eu sei a quem procuras!

Grita mais uma vez, agora apontando seu cajado para o visitante.

- Pois então me conte sobre ele, não quero perder tempo.

A multidão atrás do sacerdote começa a burburinhar ante a atitude do jovem.

- Antes quero deixar-lhe bem claro o quanto é perigoso o que tu queres.

Adverte com maestria.

- Não sinto medo do que possa parecer impossível aos olhos alheios.

Aclama o jovem de forma otimista.

O sacerdote o finta e vê o sangue escorrer entre os dedos e os joelhos, misturando se com o suor do corpo e o barro da montanha.

- Sim, sim, vejo que tens muita coragem, porém ela será o seu túmulo e esta é a última vez que eu lhe advertirei.

Sua visão fica turva, e seus olhos voltam-se para as mãos calejadas ele as fecha com força, fazendo com que o sangue se torne ainda mais abundante, a dor lhe vem e o mesmo sente-se mais vivo e exclama...

- Assim veremos amigo, diga-me logo o que quero saber!

Espantado o sacerdote se põe a falar.

- Como quiseres meu jovem, este ancião a qual procuras chama-se Dédalo o homem pássaro, ele reside no pico dessa montanha acima do vilarejo, vá pelas escadas ashes* e boa sorte.

Seus olhos voltaram a brilhar ante a chance vindoura apresentada, ele corre novamente em direção das escadas ashes, deixando um rastro rubro como prova de que estivera ali.

Chegando lá ele vislumbra cada lance acinzentado por conta de uma quantidade elevada da poeira que não cobre somente os degraus, mas também circula pelo ar, tornando o acesso ao pico dificultoso.

Sua camisa agora torna-se um filtro, amarrada sobre sua cabeça tampando-lhe as narinas, logo o silêncio volta a perpetuar, algo ao qual ele já se acostumara em outrora, seus pés antes marrons ganham a coloração de cada degrau.

O silêncio é quebrado pelo canto de um pássaro, não só um como vários outros de outras espécies, além de aves de rapina e outras aves desconhecidas de seu intelecto, ele segue o som e finalmente sai da nuvem cinzenta.

Junto desses pássaros ele vê uma silhueta humana alada com asas brancas e brilhantes como o sol que iluminam a montanha, o ser misterioso pousa ao seu lado a sua feição é como a de uma águia, seus olhos parecem ser de vidro e refletem a luz ofuscante.

- O que lhe traz aqui meu jovem?

Uma voz metálica feito trovão ecoa em toda sua mente já agitada, sem reação alguma ele contempla as belas asas do homem pássaro, suas penas e sua formosidade.

Os seus olhos estão inflamados novamente e a loucura se torna visível, ele puxa o ar que lhe foi roubado pelo fascínio de volta para seus pulmões, e subitamente a fala retorna aos lábios.

- Eu quero voar como você homem pássaro.

As aves agora o rodeiam também.

- Imaginei isso, com prazer lhe ensinarei o que sei. Terás asas como as minhas e tu voará mais alto que o próprio sol!

Exclama o ancião de peito estufado.

- Farei o meu melhor.

Limitou-se a dizer o jovem obcecado.

- Abra seus braços devagar filho, e olhe para eles neste momento.

Ao abri-los suavemente o contorno de asas graciosas aparecem, com penas douradas.

- Agora mova suas asas repetidamente.

O jovem obedece à risca os mandamentos proferidos, e começa a maneja-las em movimentos repetitivos de cima a baixo sequencialmente até o momento de flutuar.

Ao seu lado o mestre lhe dava instruções para utilizar suas novas asas, as palavras adentravam a mente do jovem Ícaro e ele não as achava complexa de modo algum, sentia como se já soubesse há anos como voar e que aquelas asas já existiam dentro dele.

Após algumas semanas e várias lições de voo, chegou o grande dia.

- Filho... Sinto que estais apto a alçar voos maiores.

Ícaro abriu os braços e viu as asas serem partes do seu corpo, orgulhoso não se continha, era visível a confiança.

- Eu também creio nisto meu pai, voarei por ti e serei eternamente grato por todos os seus ensinamentos.

- Pois bem seu teste final será o pulo do pico mais alto do vilarejo abaixo de nossos pés, lá me provarás se és digno das asas que eu lhe dei, limpe-se de toda a sujeira que trouces e voe por mim.

Dédalo virou-se de costas e o deixou ali.

O dia estava ensolarado e o povo do vilarejo estava agitado com a notícia espalhada por toda a aldeia, um pouco antes do pico se fazia presente todos os integrantes do pequeno povoado, sons proviam das escadas ashes, não eram identificáveis de início porém o entusiasmo dali foi-se aumentando com a proximidade dos ruídos.

Subitamente do meio da nuvem cinza aparece um jovem obstinado, que corre numa velocidade absurda em direção ao pico para seu salto de glória, agora ele corre e bate suas asas em meio ao corredor formado por todos, e grita com todo o ar que se reserva nos pulmões.

- Em nome de Deus meu pai eu voo!!!!

O pulo é teatral, ao bater das asas ele ganha altura e se funde com a luminosidade, todas pessoas do povoado ficam abismadas com o que veem diante deles, não o bastante o jovem quer mais e bate as asas com um afinco ainda maior, subindo a uma altura jamais conquistada e por este motivo paga o preço pela sua soberba.

As suas asas antes douradas começam a queimar pelo ardor dos raios do sol e tornam-se cinzas, e seus olhos conhecem finalmente o medo.

Ele procura o ancião em meio a queda e o encontra junto ao sacerdote, logo percebe o quanto foi enganado e traído, que tudo não passou de uma ilusão.

O ancião solta risos de alegria durante o seu sofrimento, lágrimas caem e inundam o rosto do jovem em queda livre seu sonho tornou-se um pesadelo horrendo, o vento sopra as cinzas de suas asas diretamente para as escadas e abaixo dele um túmulo aquático o espera de braços abertos, pronto para recebe-lo da melhor forma possível.

Por fim todos do povoado voltam ao seus afazeres, frustrados por não verem o que foi prometido.

Epílogo...

Suas asas antes brancas sofrem mutações e trocam de cor, seus lábios descascam, seus dentes caem e sua pele se rasga. A transformação está completa o renascimento tem o seu estágio final terminado.

Junto das aves ele descansa ouvindo as doces melodias e assovios de seus melhores amigos, uma voz humana inunda seu transe e o transporta de volta para o local donde está...

- És o mestre Dédalo?

- Sim sou eu, o que queres jovem?

- Quero que me ensines o que sabes.

- Com prazer lhe ensinarei tudo o que sei......

Fim.

Glossário

* Ashes significa cinzas.

* As asas eram uma ilusão criada pelo mestre dele.

* Para conseguir se ''renovar'', o ancião precisava coletar a ousadia e as cinzas dos jovens que morriam.

* O pulo (Salto de Glória) era o sacrifício necessário para completar o ritual.

* O ritual era composto por 3 Partes, Implantar a ilusão na mente da vítima (dando asas para ele), Ensinar suas técnicas de voo (alimentando mais a ilusão de que poderia voar e reforça-lo a não ter medo), e o salto de Glória (a queda traria o medo, neste exato momento toda sua determinação e ousadia jovial seriam transportadas/absorvidas por seu mestre).

* O nome do Povoado da montanha (Ícarianos), só é uma mera coincidência com o nome do personagem principal.

* Sim essa é uma visão diferente da verdadeira história de Ícaro.

Matheus Lacerda
Enviado por Matheus Lacerda em 01/05/2018
Reeditado em 25/01/2019
Código do texto: T6324615
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