A REDENÇÃO
Em uma época em que a China era dominada pelo poder dos mandarins, chefes locais que disputavam o poder, a influência desses homens ultrapassava todos os limites aceitáveis, chegando ao ponto de, em certas localidades, eles manterem maior poder que o próprio Imperador, fazendo de suas vontades a verdadeira lei.
Conta-se que, certa feita, um desses homens poderosos, foi chamado às pressas pelo chefe de sua guarda pessoal que trazia uma má notícia; naquela manhã, em uma casa de banhos, seu filho tivera um entrevero com outro homem, e no calor da discussão, esta descambou para uma luta corporal. Acometido por uma fúria incomum, o homem, armou-se de uma lâmina curta, acabando por ferir mortalmente o herdeiro primogênito que, infelizmente viera falecer instantaneamente.
Tomado por uma ira cega, o Mandarim saiu do palácio dirigindo-se para a casa de banhos, ante os olhos estupefatos de seu chefe da guarda, que, imediatamente, tratou de segui-lo a fim de evitar consequências indesejáveis. Ao chegar à casa de banhos, o rosto do Mandarim transfigurou-se em dor e sofrimento; jazia no chão, inerte, o corpo ensanguentado de seu filho …, seu primogênito …
O Mandarim caiu de joelhos junto ao corpo e urrou de dor, rasgando suas vestes e blasfemando contra tudo e contra todos; por algum tempo, o homem poderoso mais parecia uma criança repleta de uma fragilidade dolorosa e que lhe impingia uma prostração que rasgava seu coração e despedaçava sua alma.
Repentinamente, ele cessou as lágrimas e lamúrias, se levantou e depois de olhar ao redor, ordenou ao chefe da guarda que tomasse conta dos preparativos para o cerimonial fúnebre de seu filho …, e que o chefe da guarda perguntou-lhe a respeito do homem que cometera o crime, ele se limitou a dizer: “mantenha-o encarcerado …, após a cerimônia irei ter com ele ...”
E assim foi feito …, foram três dias de celebrações em honra do corpo e do espírito do jovem herdeiro. E nesses três dias, o Mandarim manteve-se firme, exibindo uma altivez exterior que contrastava com a sombra que corroía seu coração e sua alma.
Quando, finalmente, o período de luto e consternação deu-se por encerrado, o Mandarim ordenou que lhe trouxessem o responsável pelo crime hediondo. Agrilhoado e com alguns ferimentos pelo corpo o homem foi trazido à presença do Senhor Feudal. Ao vislumbrar o rosto do criminoso, o Mandarim foi tomado por enorme e desconcertante surpresa …, era um homem jovem, pouco mais velho que seu falecido filho.
Todavia, antes que palavras pudessem ser ditas, uma mulher, rompendo a barreira de soldados e conselheiros, invadiu e amplo recinto central do palácio, atirando-se ao chão em reverência, ao lado do prisioneiro. Chorando copiosamente, a mulher implorou pela vida do prisioneiro; disse que estava dele noiva e que ansiavam por uma vida comum repleta de amor e carinho.
Ela lamuriou e suplicou o perdão do Mandarim …, rogou que preservasse seu futuro marido, pois, caso contrário, ela seria uma mulher em desgraça pelo resto de sua vida. O Mandarim ouviu tudo atentamente, sem demonstrar qualquer impressão ou sentimento ante as palavras embargadas da solicitante …, e, em seguida, fez-se um silêncio cheio de solenidade e de expectativa.
-Teu futuro marido não morrerá! – disse o Mandarim, em tom solene e carregado de austeridade – Pelo contrário …, quero que ele viva!
O espanto dentro do amplo recinto fez-se ouvir em coro uníssono …, ninguém compreendia a atitude do Mandarim que perdera seu filho pela ira exacerbada e consciência turvada, daquele homem agrilhoado que esperava apenas uma palavra para ter sua cabeça decepada pela espada do chefe da guarda.
Será que ele perdera o equilíbrio? Alguns comentavam …, será que ele enlouqueceu? Sussurravam outros, inconformados com as palavras de seu líder. Transcorridos alguns minutos, o Mandarim levantou-se de sua cadeira e desceu a curta escadaria que o separava do amplo salão; ele aproximou-se do homem acorrentado tendo ao seu lado sua futura esposa, e esperou que ele erguesse o olhar em sua direção …, e quando o fez, o líder local, finalmente, pronunciou-se:
-Você não vai morrer …, não hoje …, nem amanhã …, você viverá …, e se casará com essa mulher …, e com ela terá filhos …, e no dia que seu filho varão completar a idade em que meu precioso foi tirado de mim por sua fúria …, nesse dia ele morrerá em seu lugar! Essa é minha decisão que será cumprida!
Um clamor de espanto ecoou pelo salão; não havia pior pena, pior condenação para um homem que ver a condenação de alguém que sequer ainda não nasceu; o criminoso chorou copiosamente, assim como sua futura esposa …, o Mandarim, por sua vez, mantinha-se altivo e arraigado em sua decisão. Deu por encerrada a sessão pública, ordenando ao chefe de sua guarda que se incumbisse de dar cumprimento à sua decisão, retirando-se sem mais nada dizer.
A partir daquele dia, o Mandarim passou sua existência remoendo o ódio e também a tristeza que enegreciam sua alma; nada lhe causava prazer, e ninguém conseguia arrancar-lhe um sorriso; os dias arrastavam-se tristes e vazios. Um de seus conselheiros mais próximos ainda tentou dissuadi-lo da decisão proferida contra o criminoso, cujo nome era Wu. Como resultado, conseguiu apenas atrair para si a fúria do seu líder, que vociferou palavras de ódio, mantendo-se firme em sua decisão.
Enquanto o tempo passava, o Mandarim recebia informações sobre a vida de Wu, através de seu chefe de guarda; Li Chu, o fiel guerreiro, diariamente lhe trazia notícias sobre a vida do homem que matara seu filho. Ele se casara e passara a trabalhar em uma fábrica de cerâmica e passava os dias em silêncio. O Mandarim agradecia as notícias e ordenava que Li Chu prosseguisse em sua vigília.
Certa manhã de primavera, O Mandarim decidiu dar um passeio no entorno da vila; pediu que lhe preparassem uma montaria. No estábulo ficou extasiado com a beleza da égua branca e pernas grossas que haviam selado para ele; era um animal belíssimo o que fez o Mandarim agradecer a atenção dos cavalariços responsáveis. Ele montou a égua e saiu cavalgando em direção a uma planície próxima.
Cavalgou por muito tempo, sentindo o vento acariciando seu rosto e o sol dourado banhando seu corpo; por um momento, toda a tristeza e todo o vazio que o destino lhe impusera desaparecera no ar como fumaça, perdendo-se na beleza infinita de uma manhã de primavera. O Mandarim deixou-se levar pela vontade de sua montaria, e somente parou quando sentiu que o cansaço atingira a ambos. Contornando a parte mais baixa da planície, ele avistou uma pequena cabana que, segundo ele próprio, ainda ficava dentro dos limites de sua propriedade.
Picou a barriga da égua forçando o trote, dirigindo-se àquela propriedade; assim que se aproximou, de seu interior, saiu uma velha senhora, que reconhecendo a figura imponente do Mandarim, curvou-se em reverência. O líder local, saltou de sua montaria e aproximou-se dela, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, uma linda jovem veio lhes fazer companhia. Também saindo do interior cabana, toda sorridente, ela trazia nas mãos uma bandeja com um bule e uma xícara …, repentinamente, o Mandarim sentiu-se tomado por um estado de êxtase …
A beleza da jovem era algo sublime e contagiante, tornando-se impossível não olhar para ela, e ver o amor refletido em seu sorriso; tinha um ar jovial e alegre, quedando-se imóvel, como uma perfeita escultura de carne, deixando-se apreciar pelo olhar envolvente do Mandarim.
-Seja muito bem-vindo, Meu Senhor Liu-Chang! – disse a velha, quebrando o silêncio que se instalara entre eles – Sinto-me honrada em recebê-lo em minha humilde moradia …
-Ora, vovó! Nosso Mandarim parece exausto! – intercedeu a jovem sorridente – Ele precisa descansar um pouco …, tomar um chá …, por favor, Meu Senhor Liu-Chang, entre …, sua presença muito nos honrará!
Ante o olhar estupefato de sua avó e também do Mandarim, a jovem manteve-se alegre, segurando a bandeja, enquanto abria a porta do casebre para que ele entrasse. Liu-Chang, o Mandarim, sem relutância, aquiesceu ao convite, e acenando para que a velha senhora o antecedesse, ele a seguiu. O interior da cabana era muito pobre, porém, muito organizado e limpo. A jovem correu até a tosca mesa de madeira, nela depositando a bandeja e tomando nas mãos um jarro de água, oferecendo-o ao Mandarim.
Liu-Chang declinou, inebriado pelo delicioso aroma que provinha do bule de chá, querendo saber o que ele continha. Era um aroma suave, doce e que causava uma enorme sensação de bem-estar.
-É chá de pétalas de begônia, meu Senhor! – respondeu a jovem com um sorriso esfuziante – Fiz especialmente para a sua chegada …
-Você sabia que viria até aqui? – inquiriu o Mandarim, entre curioso e surpreso.
-Claro que sim, meu Senhor! – ela respondeu com um tom jovial – Mas, agora, sente-se, por favor, e aprecie o chá …
Muito confuso com as palavras ditas pela jovem, o Mandarim tomou nas mãos a xícara por ela estendida a ele; o aroma suave, doce e envolvente do chá inundou sua mente e seu espírito, preenchendo-o com uma deliciosa sensação de bem-estar, de paz e de harmonia que há muito ele não sentia com tal intensidade. Saboreou a bebida com uma indescritível sensação de paz interior, como se todas as suas atribulações, todos os seus problemas e toda a sua dor, simplesmente, desaparecessem, dando lugar a um estado de harmonia com o universo.
Ao terminar de sorver a bebida, Liu-Chang olhou no fundo do olhos da jovem anfitriã e percebeu que ela sorria para ele …, um sorriso dado com o olhar, algo que ele jamais percebera em alguém.
-Me diga, linda jovem – perguntou ele, intrigado e curioso – Como você sabia que eu viria até aqui e tomaria seu chá?
-Meu Senhor – ela respondeu, com um tom suave, mas decidido – Desde há muito eu espero por esse dia …, eu nasci para fazê-lo feliz …
-Não compreendo? – interrompeu ele, ainda mais curioso com as palavras da jovem – O que isso quer dizer?
-Quer dizer, meu Senhor, que eu nasci para fazê-lo um homem feliz! – ele insistiu, agora, com um sorriso iluminado – Eu quero desposá-lo!
A frase caiu como uma pedra sobre a cabeça do Mandarim; e o que mais impressionou o líder local, foi a naturalidade com que a jovem proferiu aquelas palavras …, de início, após recobrar-se do baque, ele teve ímpetos de rir daquela jovem …, mas uma sensação interior lhe dizia que aquela jovem proferia palavras sinceras e repletas de um sentimento doce e honesto.
-Você é muito jovem …, e bonita! – ele ponderou, com um tom hesitante – Deve haver muitos pretendentes …
-Não! – ela arguiu com firmeza – Não há outro homem …, minha vida somente persistirá, se o Senhor me desposar …
Nesse momento, o Mandarim olhou para a anciã que a tudo observava, discretamente, encosta à soleira da porta, e viu que seu olhar não era de reprovação, mas de pura aceitação com certa reserva. Liu-Chang pediu, então, que a jovem lhe servisse outra xícara daquele chá delicioso, ao que ela atendeu prontamente. Ele sorveu a bebida, sentindo-se ainda mais tranquilo e em paz consigo mesmo.
Repentinamente, Liu-Chang se levantou e caminhou em direção à porta; de frente para a anciã, ele disse: “Amanhã, meu Chefe de Guarda virá até aqui buscá-las …, quero que desfrutem do meu palácio e da minha cordialidade ...”. E ao terminar de proferir essas palavras, o Mandarim retirou-se da cabana, montando em sua égua e saindo a pleno galope.
Enquanto galopava, Liu-Chang pensava nas palavras da moça que lhe servira aquele delicioso chá, pensando em com seria bom …, se fosse verdade …
Mal sabia ele que o destino já havia traçado uma linha curta e direta ao coração do Mandarim; durante o resto daquele dia e também por toda a noite, Liu-Chang não conseguiu tirar de sua mente o rosto daquela linda jovem, e suas palavras ecoavam em seu interior, não como um grito, mas sim como um delicioso sussurro!
Assim que os primeiros raios de sol iluminaram o palácio, Liu-Chang mandou chamar Li Chu e ordenou-lhe que fosse até a cabana e trouxesse à sua presença a anciã e a jovem com quem ele se encontrara no dia anterior. Um tanto atônito com a ordem do Mandarim, o chefe da guarda hesitou por um instante, mas, em seguida, partiu para atender à ordem de seu líder. E algumas horas depois, a anciã, cujo nome era Mai Li, chegou acompanhada de sua neta, que era conhecida por “Raio da Manhã”, sendo seu nome apenas Mei.
As visitantes foram recebidas com pompa e circunstância, ante os olhos curiosos de alguns convivas do palácio, que aguçavam a curiosidade alheia em saber a razão de tal visita. Após as apresentações de praxe, Liu-Chang ofereceu uma farta refeição, que foi saboreada entre os membros da nobreza local, sendo que o Mandarim e suas convidadas, tiveram assento especial em um piso elevado de onde podia se ver todo o salão.
Os olhos de Mei brilhavam com toda aquela situação e mal conseguia conter sua ansiedade em vislumbrar tudo à sua volta; ao mesmo tempo, o Mandarim conversava com a anciã, elogiando a beleza de sua neta e sua educação acima dos padrões para que fora criada em um ambiente paupérrimo. Foi nesse momento que a anciã contou-lhe a história de Mei.
Na verdade, ela não era sua neta; Mai Li a encontrara, ainda um bebê, abandonada em uma floresta próxima do vilarejo que ficava situado mais ao norte; sem saber o que fazer com a criança, ela decidiu criá-la, já que não tivera filhos e seu marido morrera muito cedo. As aptidões de Mei surgiram naturalmente, sem que houvesse necessidade de interferência da anciã, que apenas cuidou dela, alimentou-a e deu-lhe roupas.
Todavia, após um inverno muito rigoroso ela e sua neta adotiva viram-se forçadas a migrar com os poucos recursos que tinham, desaguando naquele casebre em que ele as encontrara; Liu-Chang ficou extremamente sensibilizado com a narrativa da anciã e não hesitou em convidá-las para viver na vila em torno do palácio. Mai Li, incapaz de conter as lágrimas que emergiam de seus olhos cansados, agradeceu imensamente a atenção do Mandarim e aceitou o convite.
Após um rápido e quase lacônico comunicado de sua decisão, Liu-Chang ordenou a um de seus conselheiros que encontrasse acomodações para a anciã e sua neta; Mei olhou para o Mandarim e sorriu com uma alegria incontida. Ela se aproximou dele e disse com tom doce e suave: “Agradeço-lhe por sua gentileza, meu Senhor …, e saiba que, em breve, desfrutaremos de uma alegria ainda maior!”. Sem esperar por resposta, a jovem afastou-se em reverência. Ainda sem compreender as razões de tudo aquilo, o Mandarim sentiu-se atraído pela jovem, desejando-a como jamais sentira nos últimos tempos, e sentindo-se envolvido pela deliciosa presença daquela jovem de olhos brilhantes e sorriso cativante.
Noite de Tormenta!
Nos dias que se seguiram, Liu-Chang, sempre que podia, visitava a moradia de Mei, desfrutando de sua companhia afável e envolvente; e mesmo ante alguns olhares críticos, e outros repletos de reprovação, o Mandarim prosseguia naquela relação que lhe dava paz de espírito, uma jovialidade inspiradora e uma razão para seguir em frente.
Não tardou para que Mei frequentasse o palácio com uma frequência incomum, partilhando dos gostos do Mandarim, usufruindo de sua cordialidade e gentileza e sentindo-se ainda mais atraída por ele. Certa tarde, observando o imenso jardim ao redor do palácio, Liu-Chang viu-se envolvido por um redemoinho de pensamentos …, todos conduzindo a um único destino: os lindos olhos de Mei! Sentiu-se atormentado por aqueles pensamentos, já que inadmissível um homem na sua posição desejar uma mulher tão jovem.
E foi nesse pequeno tormento interior que ele viu-se arrebatado por um desejo viril, que, há muito não experimentava; repentinamente, foi tolhido pela presença de uma serviçal que lhe trazia uma mensagem em um delicado papel de arroz. Ele agradeceu e esperou a mulher retirar-se para, somente depois, desdobrar o papel e ler a mensagem. Era uma mensagem de Mei.
“Meu Senhor. Ansiosamente, espero pela oportunidade de desfrutar de sua companhia ainda esta noite. Tenho a esperança que o Senhor venha me visitar e tomar um delicioso chá. Imensa honra em aguardá-lo!”.
Ao terminar de ler a mensagem, Liu-Chang viu-se no meio de uma tormenta de desejo que lhe arrebatava os sentidos; todo o seu corpo vibrava de uma forma involuntária, deixando-o em pleno estado de descontrole. Ainda com o bilhete entre as mãos, ele se dirigiu aos seus aposentos, onde permaneceu como um animal enjaulado. Andava de um lado para o outro, apertando as mãos, respirando acelerado e contorcendo o rosto em uma expressão de quase desespero.
Mal o manto da noite iniciara sua viagem pelo céu, afastando o sol para que a lua pudesse passear pelo firmamento, o Mandarim saiu de seu quarto, retirando-se do palácio e dirigindo-se para a morada de Mei. Durante o caminho, não percebeu que a lua fora ocultada por pesadas nuvens que não demoraram em desabar uma pequena borrasca com ventos uivantes e gotas frias.
Liu-Chang não se importava com mais nada, senão chegar ao seu destino; assim que viu-se na soleira da porta da pequena casa onde Mei residia com sua avó, ele foi surpreendido, quando a porta se abriu a jovem surgiu a sua frente, trazendo um lindo sorriso no rosto e um olhar convidativo. Pediu que ele entrasse, ajudando-o a livrar-se da roupa molhada. Aturdido, o Mandarim limitou-se a deixar que a jovem o desnudasse parcialmente, cobrindo-o, a seguir, com uma túnica de lã.
Convidou-o a sentar-se enquanto ela trazia os apetrechos para a preparação do chá. Ao retornar, Mei estava vestindo uma túnica azul-turquesa que realçava ainda mais a sua beleza; os longos cabelos negros estavam soltos, tal como uma linda moldura para seu rosto alvo e deslumbrante. A beleza daquela jovem cativava ainda mais o Mandarim, que mal conseguia conter o ímpeto de tomá-la em seus braços e beijá-la apaixonadamente.
Mei aproximou-se da mesa, convidando-o a sentar-se com ela; com gestos sutis e delicados ela preparou o chá, depositando a mistura de pétalas ressequidas e sementes róseas, cujos aromas eram, simplesmente, inebriantes, deixando o Mandarim encantado com os gestos carinhosos com que a sua anfitriã preparou a bebida fumegante. Ela serviu a ele a xícara de chá e esperou que ele a saboreasse. E ao bebê-la, Liu-Chang foi tomado por uma tormenta de sensações muito mais vorazes do que aquelas que despejavam sua fúria crescente do lado de fora da casa. Um verdadeiro turbilhão de sensações tomou conta do corpo do Mandarim, fazendo com que ele se sentisse arrebatado por uma força acima de sua compreensão. E tudo isso acontecia ante o olhar lânguido e apaixonado da jovem Mei.
Com movimentos delicados e repletos de sensualidade, a jovem levantou-se e deixou sua túnica entreabrir-se, revelando segredos que conspiravam pelo desejo do Mandarim; Mei desnudou os ombros, enquanto deixava que a túnica escorregasse ao longo de seu corpo, revelando, finalmente, sua beleza eloquente que clamava pelas carícias do poderoso homem que estava a sua frente, cuja expressão denunciava seu absoluto estado de êxtase.
Incapaz de controlar suas ações e gestos, Liu-Chang ficou em pé e avançou na direção de Mei que, por sua vez, ansiava pelas ações ousadas de seu conviva; ele a tomou nos braços e a beijou apaixonadamente; suas mãos, ávidas por esmiuçar cada recôndito daquele corpo jovem e viçoso, passeavam pela pele quente e macia, fazendo-a fremir alucinadamente. E eles se entregaram a uma dança sensual, buscando a satisfação de algo que fora conspirado pelo universo.
Mei, sempre com seus gestos delicados, reteve o ímpeto do Mandarim, ajudando-o a despir-se e revelando a ela toda a masculinidade revitalizada do homem que a cortejava naquele momento; nus, eles tornaram a se abraçar, esquecendo-se em beijos e carícias infinitas; Mei deixou-se conduzir pelo homem para quem sua existência fora concebida, oferecendo seu corpo como um cálice repleto de prazer a ser sorvido lentamente.
Enfim, após um oceano de carícias, Liu-Chang tomou-a em seus braços e carregando-a no seu colo, levou-a ao aposento lateral, depositando-a suavemente sobre a cama; ele subiu sobre ela, e depois de mirá-la cuidadosamente, deixou que sua boca passeasse por seu rosto, descendo de maneira abusada pelo colo da jovem, até que seus lábios encontrassem os mamilos intumescidos que pediam por seu contato quente e carinhoso. Liu-Chang saboreou aquelas pequenas delícias, encantando-se com os suaves gemidos de sua jovem parceira, contorcendo-se ao toque em suas partes íntimas.
Liu-Chang apreciou aquelas pequenas frutas que passeavam entre seus lábios e sua língua, ao mesmo tempo em que sentia as mãos pequenas, quentes e macias de Mei acariciando sua pele que arrepiava-se ao toque sutil e repleto de desejo. O Mandarim sentiu-se tomado por uma virilidade inesperada e surpreendente que o fez hesitar por um instante; mas, o olhar apaixonado de Mei dizia exatamente o contrário. “Venha, meu Senhor …, venha me fazer tua mulher!”, sussurrou Mei no ouvido de seu companheiro.
Mais uma vez, e ainda surpreso com aquele rompante viril, que há muito tempo ele não sentia, o Mandarim deixou que seu corpo controlasse seu ímpeto; e ele sentiu quando penetrou a gruta quente e úmida da jovem, avançando em seu interior no ritmo dos suspiros, gemidos e gestos corporais de sua parceira, que não ocultava o quanto prazer aquele momento estava lhe causando.
Eles copularam …, não com fúria, mas com suavidade; não com a impetuosidade adolescente e exasperada, mas com a cadência harmônica de corpos e de movimentos. Ao sabor da tempestade que desabava lá fora, o casal movimentava-se em um ritmo doce; Mei deixava-se levar pelo desejo incontido do Mandarim, mesmo quando ele inverteu as posições, deixando que ela ficasse sobre ele, agindo como verdadeira amazona domando sua montaria.
O gozo fluiu sem limites, extravasando um reservatório mútuo que esperara tempo demais para desaguar em seus corpos e também em suas almas; tomados por uma imensa satisfação, e depois de horas de um sexo concebido nas estrelas, o casal quedou-se inerte sobre a cama, adormecendo pesadamente. Pela mente do Mandarim, sonhos surreais, com cores e brilhos inexplicáveis pareciam perpetuar em seu interior toda a experiência com Mei, para que ela jamais fosse esquecida ou perdida nos labirintos do tempo …
Acordou com os beijos de sua companheira que sorria docemente para ele. “Realizei minha missão, meu Senhor”, ela disse entre sorrisos, “agora, eu te pertenço …, para sempre!”. Liu-Chang mirou aqueles olhos brilhantes e sorriu; nada disse, apenas sorriu para ela. Mei exultou-se com aquele sorriso que parecia conter milhões de palavras.
A viajante das estrelas.
Depois daquela noite, o Mandarim desposou a jovem Mei, mesmo ante a imensa crítica social que tal atitude frutificou junto aos seus súditos; alheio a tudo isso, Liu-Chang passou a conviver com sua jovem esposa, cujos olhares, gestos e sorrisos eram somente destinados a ele. Sua avó recusou-se a residir com eles, preferindo permanecer onde morava, mas, mesmo assim, ela abençoava aquele casamento que ela sabia inevitável.
A torrente de paixão e desejo do casal era algo inacreditável, e todos comentavam que, após o casamento, o Mandarim parecia ter rejuvenescido, mostrando-se mais ativo e alerta; Liu-Chang também achava o mesmo, e, certa manhã, comentou o fato com Mei, que após um sorriso iluminado respondeu: “Nosso amor alimenta tua alma, meu Senhor …, e este chá de hibisco que tomas todas as manhãs alimenta teu corpo!”. O Mandarim olhou surpreso para ela, mas após um minuto de silêncio sorriu afável.
Meses se passaram, calmos e bucólicos, até que …, retornando de uma visita ao palácio do Imperador, Liu-Chang foi recebido por serviçais, anunciando que sua esposa estava em trabalho de parto. Surpreendido pela notícia, tomado por uma onda de choque que perpassou seu corpo e sua mente, o Mandarim apeou da montaria e pôs-se a correr atabalhoadamente em direção à sua residência. Ao chegar na antessala de seus aposentos, foi detido pelas aias que gritavam que ele não podia entrar, já que, naquele momento, apenas a parteira e a avó de Mei assistiam à jovem, ajudando-a para o desenlace.
As horas arrastavam-se impiedosas, tornando a espera do Mandarim algo mais que doloroso; os gritos que, vez por outra, ecoavam abafados pelas portas cerradas do quarto do casal, agrediam os ouvidos e também a alma do Mandarim, cuja impaciência ganhara uma dimensão que o assombrava, tornando-o um homem cujo coração gritava de ansiedade, mas que a mente esforçava-se em anuviar tanta tensão.
Já era noite quando, finalmente, Mai Li, a anciã entrabriu a porta do quarto, saindo de seu interior; tinha uma expressão cansada, com os olhos avermelhados, em uma clara demonstração de que chorara recentemente; atrás dela, vinha uma aia, trazendo entre os braços uma linda criança envolta em tecidos alvos; ela se aproximou do seu Senhor e, cuidadosamente, estendeu seu pequenino fardo para os braços de seu pai.
Liu-Chang, com os olhos já marejados, tomou a criança nos braços, mirando seu rostinho suave e tranquilo; ainda tomado pelo momento, o Mandarim beijou a testa da criança e sorriu para os que estavam a sua volta …, apenas a anciã não sorriu.
-É uma linda menina – disse ela, incapaz de esconder seu pesar – Mas foi um parto difícil …
-O que você quer dizer com isso? – quis saber Liu-Chang, encarando a anciã, que, por sua vez, optou por baixar seu olhar.
-Mei sofreu demais – ela prosseguiu, com a voz embargada e vacilante – Creio que seria melhor que o Senhor a visse …, antes que …
Liu-Chang não esperou pelo término da frase da anciã; devolveu a recém-nascida para os braços da serviçal e irrompeu em direção ao quarto onde sua esposa estava; encontrou-a deitada sobre a cama, respirando com dificuldade, enquanto outras aias tentavam acalentar seu sofrimento. O Mandarim aproximou-se da cama, sentindo uma dor entorpecer seu coração, e os passos tornarem-se mais pesados e difíceis.
Assim que o viu, Mei sorriu e pediu que ele deitasse ao seu lado. Liu-Chang aquiesceu, permanecendo ao lado de sua amada esposa. "Nossa filha não é linda?", ela perguntou com tom de voz fraco e vacilante. “Sim, minha querida, ela é a mais bela entre as belas!”, respondeu o Mandarim, contendo a vontade de chorar.
Mei suspirou profundamente, e, em seguida, mirou o rosto de seu esposo; ela sorriu com o mesmo sorriso iluminado que sempre resplandecia seu rosto; houve um breve silêncio que apenas foi quebrado quando ela, recuperando alguma energia decidiu falar.
-Te deixo essa pequena joia, meu Senhor – ela disse, com tom ofegante – Cuida dela com o mesmo cuidado que cuidastes de mim …, ela é uma dádiva divina para ti …, aplaca teu coração e vive na redenção do amor que te dediquei e para o qual fui concebida …
-Acalma-te, meu amor – intercedeu o Mandarim, temendo pela vida de Mei.
-Nossa filha veio para a redenção do teu coração amargurado – prosseguiu ela com enorme dificuldade – Zela por ela …, que ela zelará por ti …
E essas foram a últimas palavras de Mei …, ela faleceu tendo Liu-Chang ao seu lado; o Mandarim conteve suas lágrimas e pediu às serviçais que preparassem o corpo para a vigília e para o sepultamento. Na manhã do dia seguinte, todos vieram ao palácio para as últimas honras para a esposa do Mandarim; na pequena multidão, Li-Chu, o fiel guardião, observou a presença de Wu, o assassino do filho do Mandarim; acompanhado da esposa e do seu filho varão, ele demonstrava profunda consternação.
Após as cerimônias de praxe, o corpo embalsamado de Mei foi colocado no mausoléu, onde dois soldados faziam a guarda dia e noite, enquanto aias e serviçais cuidavam dos incensos e das flores que eram renovadas todas as manhãs. Passados alguns dias, Li-Chu veio ter com seu Senhor …, e antes que ele pudesse fazer algo, o Mandarim, apoiou-se em seus ombros e desabou em um pranto que parecia não ter fim …, o soldado, acostumado às agruras do campo de batalha, quedou-se silente, sabedor de que o Mandarim precisava libertar-se da tristeza que assolava sua alma.
Meses se passaram, e Liu-Chang aplacara seu sofrimento dedicando-se a cuidar da filha, uma linda criança que crescia a olhos vistos; a anciã fora incumbida de velar a pequenina, cujo nome era Mei-Li, e exercia tal tarefa com um desvelo e cuidado únicos. O Mandarim aprendera a suavizar sua dor através dos risos soltos de sua pequena joia, ao mesmo tempo que também aprendia a tornar-se pai mais uma vez na vida …
Adotara o hábito de tomar chá de pétalas de begônia, pois ao sorver aquela bebida, a imagem de Mei vinha à sua mente, invadia seu coração, preenchendo-o de calma e de regojizo, e ele sentia-se renovado para seguir em frente.
Todavia, um evento certo aproximava-se; e foi Li Chu o responsável por trazê-lo a conhecimento do Mandarim. O filho varão de Wu atingira a mesma idade em que o filho de seu Senhor fora morto por ele; Liu-Chang consternou-se do fato e ficou pensativo … Li Chu, vendo a sombra da dúvida pairar sobre o rosto de seu Senhor, achou por bem afastar-se e deixá-lo envolto com seus pensamentos.
De fato, o Mandarim não sabia o que fazer …, afinal, a condenação que lançara sobre Wu fora feita ainda sob o calor do acontecimento, e ele tinha a intenção de concretizá-la a todo o custo, exceto pelo surgimento de Mei em sua vida; aquela linda mulher lhe mostrara que o amor é o sentimento que deve reinar sobre as mentes e almas de todos os viventes …, nas palavras dela, sua vida fora concebida apenas para mostrar isso para ele.
Nesse momento, o Mandarim foi sacado do oceano de pensamentos no qual estava imerso pela aproximação de Mai li, a anciã, que trazia em seus braços a pequena Mei-Li, a flor que iluminava a vida do Mandarim; a anciã aproximou-se dele, exibindo o pequenino embrulho que trazia nos braços. Liu-Chang mirou aquela linda vida desabrochando e compreendeu a mensagem que ela representava e que era a resposta para todas as suas dúvidas; ela e sua mãe eram viajantes das estrelas e vieram a terra com um propósito ...
A Decisão de uma vida.
Na semana seguinte, sem que houvesse a necessidade de uso de força, Wu compareceu ao palácio do Mandarim, ladeado por sua esposa e por seu filho, um belo rapaz na flor da idade. Liu-Chang estava no salão, reunido com conselheiros e com seu chefe da guarda quando lhe foi anunciado a chegada do súdito. Imediatamente, o salão ficou repleto de curiosos, ansiosos por saber se a pena seria, efetivamente, cumprida.
O casal e o filho aproximaram-se da pequena escadaria que conduzia à cadeira de honra onde sentava-se o Mandarim, e permaneceram ali, imóveis e silenciosos, aguardando que ele assentasse sobre a cadeira para que, então, a solenidade tivesse seu início. E após uma espera que mais pareceu uma eternidade, finalmente, o grande líder local surgiu; tinha uma expressão repleta de solenidade e trajava sua vestimenta mais escura, sem que isso lhe concedesse um ar agressivo. Ao seu lado estavam Li Chu e Mai li, que segurava nos braços a pequena Mei Li.
O Mandarim sentou-se e pediu ao arauto que lesse a ordem do dia; o único item da pauta cuidava do destino do filho de Wu, o assassino do filho do Mandarim; pausadamente, ele leu a condenação, que consistia na morte do herdeiro de Wu assim que ele atingisse a maioridade como pena pelo crime cometido anos antes. E ao terminar a leitura, o arauto conclamou todos para que ouvissem as palavras do Mandarim.
Liu-Chang, então, levantou-se, olhou para a família à sua frente, respirou profundamente, para, em seguida, manifestar sua decisão, que foi assim declarada:
“Anos atrás, tomado por uma ira descontrolada e um imenso desejo de vingança, eu decidi que a morte de meu filho deveria ser compensada com a morte de outra vida …, mas, quem sou eu para decidir quem vive e quem morre …, creio que ao longo desses anos, você, Wu, e sua família tenham padecido pelo temor da perda de seu varão, como a lâmina de uma espada constantemente apontada para seus corações …, hoje …, pensando na vida …, na beleza que é a dádiva divina, me consterno pelas palavras que foram proferidas naquele dia, ao sabor do ódio, do ressentimento e da profunda dor …, partam em paz, pois eu rejeito uma condenação que não foi dada com sabedoria …, sigam com suas vidas, que eu seguirei com a minha …, ao lado desta joia que me foi dada com imenso amor e gratidão …, essas são minhas palavras e essa é minha decisão ...”.
Alheio aos comentários e às expressões atônitas dos presentes, Liu-Chang deu as costas, tomou a anciã pelo braço, olhou para o rostinho iluminado de sua filha e retirou-se do recinto; Li-Chu, pela primeira vez em anos, esboçou um sorriso que apenas não se concretizou porque haviam muitas pessoas à sua volta.
E assim, Wu retornou para sua vida, tendo o coração aliviado e a mente tranquilizada por não perder seu filho; o Mandarim também seguiu com sua vida, mas, graças à Mei, ele aprendeu que a maior redenção que existe é aquela que nasce do amor e da vida …, sua pequena Mei Li era a prova inconteste disso.
Com o passar dos anos, o Mandarim viu sua filha crescer e desabrochar como uma linda flor; e qual não foi sua surpresa quando Li Chu correu até ele em uma manhã, pedindo que ele fosse até o jardim interno do palácio. E lá, surpresos, eles viram lindas begônias florescendo, enquanto Mei Li as apreciava com um olhar cheio de brilho; O Mandarim deixou uma lágrima escorrer, era como se alguém estivesse concedendo uma benção amorosa …
A imagem de Mei veio à sua mente e ele conteve-se para não desabar em prantos. O seu fiel soldado tocou-lhe o ombro e ambos, já no outono de suas vidas, foram agraciados com o sorriso doce, ingênuo e sincero da jovem Mei Li.