PASSARINHO

A terra mexeu-se e ele tibuuufff... Ouviu umas risadas Eita, cana da gota! Com estrelas na mente, conseguiu levantar-se. Tudo girava. As pessoas eram imagens em águas turvas, rios emprenhados pela chuva intensa. Eita, hoje exagerei! Quer saber, tô nem aí. Gostava de uns pilequinhos, besteira. Não tinha mais mulher, fora trocado por outro; os meninos nem se lembravam dele, fazer o quê? Estava cheio desta vida, ora essa! Coisa mais insossa, repetitiva: acordar, ficar pensando besteira, sem ter o que fazer, sem ter o que comer, fazia tempo que não entrava numa mulher. Também, quem ia querer ir pra cama com um cachaceiro... Olhos vermelhos que nem lua do sertão, dentes desbotados, os braços estavam mais pra vareta de limpar espingarda... Barba cheia, mente cheia de besteiras, andava pensando em alçar um voo, que nem o menino passarinho da canção de Luiz Vieira. Só que ele não tinha os braços da amada que lhe dessem asas. O estômago doendo, fome da peste! E o mundo rodando. Quase que era atropelado, sua mãe sendo xingada pelo motorista, e ele rindo. Ta rindo do quê, bebum! Queria era comer, pediu um trocado a alguém. Mais um experimento mal sucedido da cidade grande, desses tempos apocalípticos, ouviu alguém vociferar. Uma senhora mudou de calçada, quando o viu. Que coisa! Um homem jovem, até bem apessoado, por que não vai trabalhar? Emprego não falta, que coisa!

Sentou-se na calçada apinhada de gente, marionetes bêbadas que nem ele, só que bem vestidas e com emprego. Bem que podia assaltar alguém, tanta gente fazia isso. Uns meses na cadeia, besteira. Se não comesse iria desmaiar, talvez morrer. Aí seria enterrado como indigente. O homem do cachorro quente, por que não pensou logo? Ele o conhecia, daria um pedaço de pão, pronto. Levantou-se e feito um joão bobo pediu um pedaço de pão, compadre. Pode ser? Uma carninha, tô com a fome das moléstias! O compadre balançou a cabeça hôme, até quando vais levar essa vida desregrada? Não vês que esta cachaça está te matando? Besteira, compadre. A gente morre até de uma topada. Uma cachacinha é bom pra gente esquecer os desacertos desta vida. A vida também bebe, suga o sangue da gente. E ria, e ria... E o compadre não lhe deu o pão nem a carninha. Ia beber o rio.

Chegou à ponte de ferro que dividia aquela cidade grande, encostou-se na balaustrada. Um vento meio morno, meio sonolento, invadiu-lhe as ventas. Água barrenta, mas um rio bonito. Abriu a boca, aspirou aquele ar carregado, e pensou no menino passarinho da canção. Alguém lhe disse certa vez que a imaginação forçava a realidade a desterrar-se. Os poetas não imaginavam a realidade que eles queriam? Ele não era poeta, era um perdulário da permissividade criativa. Iria voar, sim. Daí viraria anjo e nunca mais passaria fome nem sede. Subiu a balaustrada, bateu os braços e pulou.

Matuto Versejador
Enviado por Matuto Versejador em 11/04/2018
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