O ENCONTRO BORDADO

Vestia um vestido de seda vermelho. O vento adentrava por de baixo e refrescava suas curvas acentuadas e fogosas. Andava sempre sozinha, talvez, a procura de alguém, mas ninguém sabia ao certo. Seu sorriso era como o mar, ia do Norte ao Sul. Seus olhos eram bucólicos, penetrantes e inquietos.

Certo dia, saiu de casa para tomar um ar fresco, mas encontrou-se com uma chuva pesada. Então ela abriu seu protetor de sempre, e foi até a praça da esquina. Lá, não havia ninguém. A solidão a perseguia a cada quadra.
Sentou-se num banco protegido por um coqueiro e lá ficou por alguns minutos. Olhava para todos os lados e não enxergava nada que a agradasse, mas alí permaneceu junto a solidão.

Depois de passar meia hora namorando o nada, levantou-se e foi até a uma outra praça que havia a algumas quadras. Foi caminhando como uma tartaruga, e a cada passo, o chão se inundava com suas lágrimas. O gosto salgado misturava-se com o concreto cinzento, formando assim, uma melancolia sem fim.

Chegando na praça desejada, percebeu que não havia nenhum banco seco, e pôs-se a ficar de pé. Olhou para o seu lado direito e viu um pequeno balanço quebrado, lembrou naquele mesmo instante a sua infância traumática. Na medida em que o balanço adentrava em seus olhos, o passado retornava com mais força. Relembrou de Tina, uma amiga de infância já falecida, vítima de uma meningite. As duas sempre brincavam no balanço da escola, o preferido era o vermelho, pois ia mais alto, ao encontro de Deus. Recordou de seu pai, Alfredo, que fizera um balanço no jardim de casa, mas que com o tempo, desmoronou. E foi enxergando esse desmoronar, que ela voltou a realidade. Piscou os olhos rapidamente por três vezes, como se fosse uma mulher biônica.

Enfim, enclinou-se para o seu lado esquerdo e avistou uma senhora sentada segurando seu guarda-chuva, e ao mesmo tempo, tricotando. Entrelaçava os fios com uma velocidade absurda. Bordava o rosto de um homem em volta de um mar de pessoas. Olhava ela dessa vez piscando lentamente, pois de todas as pessoas que estavam no tecido, nenhuma era parecida consigo. Criou-se alí naquele instante uma crise existencial profunda. Não sabia ela o que estava fazendo de pé naquele dia de chuva numa praça. Perguntava-se a todo instante o porquê daquela senhora estar bordando o rosto de um homem. E perguntava-se quem era ele. O desespero ia invadindo o seu ser, seu coração batia mais acelerado do que o normal. Suas mãos ficaram gélidas. Suas pernas tão fortes, já tremiam. E seus olhos tão penetrosos e vivos já não enxergavam nada.

Depois de dez minutos, viu aquele mar de pessoas com um feixe de luz em volta. Estava no céu, e aquele homem que havia visto sendo bordado na terra, era Jesus.Tentou voltar para a sua vida terrestre, mas não conseguia. Piscou os olhos rapidamente e nada. O mar de pessoas já havia sido totalmente bordado, e todos a receberam com muita alegria e paz, em especial, Tina.
Morrera de hipotermia, causada pela chuva forte que decidiu encarar. Seu vestido de seda não fora o suficiente para acalentar suas curvas tão esbeltas. Jesus aos poucos ia sendo bordado na terra, tempo o sufiente para aquela moça se dar conta de que seu corpo já não tinha mais. Era agora uma alma, de frente para Jesus carinhosamente entrelaçado por mãos habilidosas.

- Francielly Fernandes.
- 24/03/2018.
Francielly Fernandes
Enviado por Francielly Fernandes em 24/03/2018
Reeditado em 19/07/2019
Código do texto: T6289131
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