Entrevistando um Ídolo
[conto de minha autoria e publicado na antologia "Ponto Reverso - Contos sobre Realidade Alternativa" pela Andross Editora, em 2013]
— Olá, amigos ouvintes! Aqui quem fala é Leandro Koogan e hoje é um dia muito especial para mim. Não só por ser o meu aniversário, mas também porque hoje, 26 de agosto de 2013, o nosso programa Galera Craque faz seis anos! E para comemorar esse tempo em que venho a vocês toda semana falar de esportes, a produção resolveu aprontar comigo. Gente, eu juro que não sabia de nada. Simplesmente cheguei aqui no estúdio e ele já estava aqui, esperando para um papo comigo. Imaginem só, pessoal. Nossa, eu estou falando mais do que de costume aqui...
— Fica frio que eu também estou nervoso, Leandro. Acompanho o seu programa e gosto muito dele. Espero que o pessoal goste, ou vamos apanhar.
— Ahahahahahah... Tá legal. Deixa eu me acalmar...
— Você tem o tempo que quiser. O programa é seu mesmo...
— Ahahahah... É isso aí, gente. Para quem ainda não reconheceu pela voz, hoje eu vou falar com um dos maiores ícones do esporte nacional e um dos melhores pilotos da história da Fórmula Um. Hoje eu tenho como convidado ninguém menos do que ele... Ayyyyyyyrton Senna!
— Uau, você virou o Galvão Bueno agora?
— Desculpa, Ayrton. É a empolgação. Bem... vamos começar fazendo um balanço da sua vida, desde aquele kart que o seu pai te deu na infância, até hoje. O que você pode dizer desses 53 anos de vida?
— Olha, Leandro... quando você tiver a minha idade, vai ver que tudo parece mais bonito na nossa memória. Nunca neguei que para chegar aonde cheguei, precisei ter muita força e determinação, além de amor e fé. Não foi fácil, mas quem disse que a vida é fácil?
— Pode crer, Ayrton. Para essa nova geração que não o conhece, como resume a sua vida do kart à entrada na Fórmula Um, em 1984?
— O kart em 1973, a Fórmula Ford 1600 em 1981, e a Fórmula 2000 em 1982, além da F3 em 1983... Hoje vejo que foram torneios que valorizei bastante, e de cada um eu fui tirando um aprendizado. Em cada modalidade eu me aprimorava para dar a um passo maior.
— Que culminou na sua entrada na Fórmula Um pela Toleman em 1984, certo?
— Exatamente, Leandro.
— Seu começo foi no mínimo notável, Ayrton. Subir três vezes no pódio em condições tão precárias como eram as do carro que você dirigia, e fazer isso debaixo de chuva... O que dizer?
— Como eu disse, tudo foi um passo rumo a algo maior. Sou bem recebido em muitos lugares. Só que Mônaco, Inglaterra e Portugal são os países que melhor me acolhem, além de Japão e Brasil.
— É. Você terminou aquele ano em nono colocado, não foi?
— Sim.
— E em 1985 você ficou em quarto, assim como em 1986 e em 1987 ocupou a terceira colocação na pontuação, certo?
— Caramba, como eu vou falar algo, se você já sabe de tudo?
— Ahahahahah... Desculpa, Ayrton. É que eu sou um grande fã... até o pessoal do estúdio está rindo. O diretor acabou de me dar uma bronca...
— Acontece.
— Voltando... entre 1985 e 1987 você estava na Lótus. Em 1988, na McLaren... O que dizer?
— Era o ano do tudo ou nada, Leandro. A pressão era enorme e eu precisava mostrar a todos, e até para mim, que o meu objetivo na Fórmula Um era vencer.
— E deu no que deu. Em 1988 você se consagrou como campeão.
— Sim. Pane no motor, um monte de pilotos me ultrapassando, chuva... Foi uma corrida dura.
— Concordo. Acredito que 1990 foi um ano muito difícil para você, Ayrton. Depois do incidente em Suzuka em 1989, quando você e Prost colidiram e ele passou para a Ferrari... qual a lembrança que guarda daquele ano?
— Somente a de que fui campeão, Leandro. Deixei o passado no lugar dele, e a única coisa que gosto de lembrar é que fui bicampeão.
— Boa, Ayrton. Nem preciso perguntar que de 1991 você só lembra que foi tricampeão, certo?
— Exatamente.
— Pena que de lá até 1995 você teve que encarar tantas coisas, não é? A superioridade da Williams em 1992, que deu o título ao Nigel Mansell, e em 1993 com Alain Prost...
— Sim.
— ...E 1994.
— É. Chegamos ao ano que até hoje me dá pesadelos.
— Eu acompanhei tudo, Ayrton. Ou melhor: o Brasil acompanhou. Os carros instáveis, a dificuldade que você tinha de acertá-los, com o Schumacher logo atrás...
— Foi o pior ano da minha vida.
— Quer que eu pule essa parte, Ayrton?
— Não. Vamos em frente. Você sabe como acabou.
— Ok. Ímola, 1994. Quando o seu carro se chocou com aquele muro na curva Tamburello, o que passou pela sua cabeça?
— Leandro, não vou mentir. Eu estava sob uma pressão enorme naquele ano. E quando sofri aquele acidente, eu apaguei com a colisão. Quando vi um bando de gente tentando me acordar e checar se eu estava bem, eu saí furioso do carro. Tive uma briga com o diretor da equipe, Frank Williams, e como todos sabem, pensei em parar no meio da temporada. Ainda mais quando eu parei para ver que um braço da suspensão tinha cravado a lataria. Se aquilo tivesse ido um palmo acima...
— Sim, Ayrton. Todos ficaram em choque com aquilo e a repercussão.
— É. E graças a todas as cartas, telefonemas e depoimentos nos programas esportivos foi que eu vi que não podia abandonar a Fórmula Um. O ano de 1994 foi um ano que corri muito mal. Não tive chance de ganhar. Mesmo com os problemas que mais tarde foram revelados.
— Fala do carro do Schumacher com componentes ilegais?
— Isso mesmo.
— Entendo, Ayrton. Mas tudo bem... Se 1994 foi ano ruim para você, o que me diz dos bons tempos de 1995 a 97?
— Três títulos mundiais consecutivos, casamento em 1996 e nascimento da minha filha em 1997. O que quer que eu diga? Aqueles três anos foram presentes de Deus, Leandro.
— Ela está com quantos anos?
— A Vitória fará dezesseis semana que vem.
— Pois é, Ayrton. Lembro que o seu casamento foi uma festa e tanto. É verdade que você só casou porque venceu em 1995?
— Ahahahah... O pessoal adora distorcer a história, Leandro. Só que não nego. Em 1994 e 1995 a vida estava tão complicada, que, se não fosse pela minha mulher, eu teria ficado maluco. Daí eu disse a ela, “se eu vencer, a gente se casa”. E você sabe que promessa é dívida...
— Ahahahah... Acontece, Ayrton. E seus dois últimos anos nas pistas, qual balanço faz deles?
— Em 1998, realizei o sonho de correr pela Ferrari. Não ganhei nada por lá, e em 1999 eu voltei para a McLaren. Não tinha problema. Eu já era hexacampeão e não precisava provar mais nada. Quis encerrar com a equipe que me ajudou a alcançar o primeiro título, e embora não tivesse ganhado o torneio daquele ano, da mesma forma como no anterior, trabalhar com o chefe da equipe, Ron Dennis, que hoje é como um irmão para mim, me trouxe outra coisa.
— E o que seria?
— Paz de espírito.
— Ahn... isso foi uma coisa entre aspas, certo? Porque depois que você se aposentou, não parou quieto...
— Ainda havia muito a ser feito. Participei de campanhas de prevenção de acidentes de trânsito, assumi o comando do Instituto Ayrton Senna, sou colunista em jornais e revistas sobre automobilismo no Brasil e no mundo, além de comentarista em alguns programas de TV. Dou palestras motivacionais, e graças ao meu programa de torneios de kart para crianças em comunidades carentes, ganhei o cargo de embaixador da UNICEF. Considero esse o meu sétimo título.
— Legal... Mas me diz uma coisa, Ayrton: por que sempre que associavam o seu nome ao Ministério do Esporte, FIA ou clubes esportivos e religiosos, você sempre se declarava contra a ideia?
— Leandro, eu gosto de correr. Não de política. Depois do incidente em 1994, os carros passaram a ter estofamentos mais espessos em torno da cabeça e do pescoço, pneus que permanecem fixos ao carro em caso de acidentes, e as pistas possuem maiores áreas de escape graças à minha luta por uma competição mais segura. Fiz tudo sem pertencer a partido algum. Não tive interesse em adquirir uma equipe também por causa disso, já que poderiam me acusar de monopólio, por eu ter influência muito grande na Fórmula Um. Estou ciente disso. E como sei que esta influência se estende para fora das pistas, procurei ficar longe da mídia nos protestos que tivemos este ano. Se bem que mal fui procurado, já que não sou jogador de futebol...
— Ahahahah... É o que eu sempre falo aqui no meu programa. Temos grandes ídolos na Fórmula Um, Indy, vôlei, basquete, natação e no MMA, que tem se tornado cada vez mais popular. Mas como o povo só pensa em futebol, a Galera Craque existe justamente para vocês. Esta é a casa de vocês, e serão sempre bem-vindos aqui.
— Obrigado, Leandro.
— Agora só para finalizar, já que o programa está acabando... esse ano o seu sobrinho será campeão de novo?
— Ah, isso eu não posso dar certeza. Como tio e empresário dele, torço para que o Bruno nunca desista e continue representando o país dele nas pistas. Se ele vencer, é consequência. Afinal, ele está competindo para vencer.
— É isso aí, Ayrton. Obrigado a todos que ouviram o programa, e espero que tenham gostado. Ayrton, muito obrigado pela participação e espero revê-lo para comentarmos sobre o que você ainda tiver a conquistar.
— Obrigado, Leandro. E obrigado a vocês que nos acompanharam. É sempre bom estar aqui.