Os Criadores de Sonhos

Os Criadores de Sonhos

Elizie não suspeitava que a chegada do inverno traria tanto frio e solidão.

Bom, na verdade é isso o que todos nós esperamos quando o outono começa a ser retalhado por ventos afiados até chegar ao fim. Mas para Elizie isso seria muito mais difícil de suportar, pois foi no primeiro dia de inverno, quando as nuvens deixavam o céu pálido e frio como um cadáver, quando a neblina era tão sólida quanto a mais terrível das emoções, quando mãos cinzentas seguravam os seus olhos impedindo que você se sentisse disposto a acordar numa manhã gélida, que o seu marido, o seu grande amor, partira para o mar.

Foi isso. Sem mais explicações. John, um ótimo pai e esposo, deixara Elizie e o filho Max para partir num barco a remo em direção ao horizonte. Os dois foram ver sua partida no porto ali perto(era uma cidade pequena nas bordas de um mar). O garoto de sete anos acreditava que aquilo não passava de uma brincadeira, e que o pai iria voltar logo com uma surpresa. Max só não gostou do fato de o pai não o ter levado consigo para a aventura. Mas Liz se sentia derrotada e perdida. John subira abordo sem trocar contatos físicos com a família(não havia nem olhado nos olhos deles). Ela sentia, em algum lugar no fundo dos ossos, que ele partiria para sempre, por mais improvável e injusto que aquilo aparentasse ser. Ele partiu.

Liz acenou, muda, incapaz de produzir algum som. Mas somente as ondas preguiçosas acenaram de volta.

Mas isso não fora o mais estranho; John havia chegado até onde os olhos podiam alcançar, e lá ficou. Não sumira de vista. Estava muito longe, sim, mas ainda estava lá. Foi quando Liz desabou em lágrimas, acreditando que o marido estava louco.

-Viu? Ele, só está pescando, mamãe. Ele vai voltar logo.-dissera Max. Mas nada ia fazer Liz acreditar em outra coisa que não o abandono. Ela conhecia o marido. Aquele gelo no olhar dele(ou na ausência de seu olhar) já percorria o semblante de John nas últimas semanas, e isso com certeza não significava que ele iria voltar.

Liz também sabia que o garoto estava tentando ser forte. Por ela. Max também vinha apresentando um rosto melancólico há algum tempo. Pouco depois de John começar a mostrar um humor seco e triste, o menino começou a se sentir da mesma forma.

Os dois haviam ficado no porto até o anoitecer, observando a figura longínqua de John a sumir e reaparecer por detrás das ondas, distante e lenta como um fantasma na imensidão. Liz e Max retornaram para casa sem trocar palavras.

"O que aconteceu com essa família? Tão perfeita e verdadeira..." , pensava Liz.

E eram mesmo. O casamento de Liz era um dos poucos(se não o único) do bairro em que havia uma relação verdadeiramente amorosa. Ela era determinada e possuía o seu próprio emprego. Não dependia de John para sobreviver, financeiramente falando. O garoto era inteligente e carinhoso, e já mostrava sinais de independência dos pais. John era uma ótima pessoa, e ele a amava, ela sabia. Ela sabia ler os olhos das pessoas, eles sempre dizem a verdade. Os dele brilhavam ao falar com ela. E o seu toque gentil a fazia sentir-se como uma flor de fogo.

Assim, a família da qual menos havia sobre o que conversar passou a ser a mais comentada entre os vizinhos. Uns diziam que o motivo da ruína do casamento era uma traição, com certeza. Outros falavam em incompatibilidade entre os dois, eram muito diferentes. Ela era mais enérgica, ele tímido e calado com todos, parecia ter o seu próprio mundo. E havia aqueles que acreditavam que a única explicação possível para aquilo era a loucura.

Mas Liz não possuía fôlego ou paciência para se importar com os olhares e os sussurros que surgiam quando ela passava por perto das pessoas. Ela não queria ouvir. A única coisa que importava era o seu John, e ela ia todos os dias até o porto somente para ver se ele ainda estava lá. As esperanças que alimentamos mesmo quando estamos despencando em direção ao fim do mundo. E ele estava, mas muito ao longe, um sonho inalcançável. "O que está acontecendo? O que esse bastardo está fazendo? Esse... esse tremendo de um desgraçado... que eu tanto amo."

Na volta de uma dessas visitas ao porto, Liz chegou em casa e encontrou Max deitado no chão da casa e olhando para o teto.

Não estava sendo fácil, obviamente. O garoto apresentava o mesmo olhar vazio do pai, desde antes do ocorrido.

A família do lado de John apresentava um histórico alarmante de depressão. Ele já a havia contado várias histórias de parentes que, não importava o quão bem aparentavam estar, uma hora eles simplesmente perdiam o brilho dos olhos e iam sentar-se num quarto escuro, e permaneciam assim. Alguns se recuperavam. Liz nunca pensou que isso um dia aconteceria com os seus dois amores.

-Levante, Max. Va para o seu quarto. A cama é bem melhor para se deitar.

O menino não olhou para a mãe, mas falou:

-Não posso.

Liz olhou para ele, pôs as mãos na cintura e emitiu um ruído de interrogação que queira dizer "como assim?"

-Não posso. O meu quarto está cheio de corvos.

Liz estava destruída, mas ainda sabia ser firme quando preciso. Puxou o garoto pelo braço, não para machucar, mas para fazê-lo acordar daquele transe.

-Venha, Max. Agora. Não é bom ficar deitado no chão gelado nesse inverno. Vamos para o seu quarto. Você não pode se sentir assim o tempo todo, e pare de criar fantasias como desculpa.

-Mas mãe, é sério. Eles me disseram que estavam comendo a vida do papai. Não quero que eles comam a minha...

Ela não deu ouvidos. Subiu as escadas com o filho e andou depressa em direção ao quarto, puxando-o pelo braço. Mas de repente ele parou, brusco, e parecia que nada desgrudaria os seus pés do chão. E ficou com o olhar vidrado.

Liz olhou para ele, um tanto preocupada.

-Eu vou abrir a porta do seu quarto e provar que não tem nada nele. Veja.

Ela soltou o braço dele e caminhou até a porta. E foi quando tocou na maçaneta, por um momento, um simples fragmento de segundo suspenso na eternidade, que ela sentiu que alguma coisa não parecia natural.

"Não seja infantil, Elizie", pensou.

Girou a maçaneta lentamente e abriu a porta. Ficou olhando para o quarto.

Max chegou de fininho e espiou o aposento, escondendo-se atrás da mãe.

Não havia nada ali.

-Viu? Max, escute.-disse Liz, abaixando-se até a altura do filho e segurando suas mãos.- Não é saudável alimentar esses sentimentos ruins. Eu também estou passando por isso, mas temos que aceitar e continuar respirando, não é mesmo? Vamos tentar juntos. Ajude a mamãe. Eu não consigo sozinha.

-Eu... eu vou tentar, mamãe. Vou tentar ser um homem corajoso e forte para você.

Liz sorriu.

-Isso não tem nada a ver com ser um homem, meu pequeno. É muito além disso. Só estou pedindo que seja o meu filho. - E o abraçou.

-Agora vá dormir. Pode deixar a porta aberta. Vou deixar a minha aberta também. Se ficar com medo outra vez é só me chamar. E feche essa janela. Além do frio, o vento traz muita sujeira, folhas secas, poeira, penas de pássaros, essas coisas.

-Tá.- disse ele, esfregando os olhos.

Liz foi deitar-se.

E naquela noite ela chorou. Chorou pelo seu marido, pela saúde mental do seu filho, e por ela. E sonhou com plumas negras caindo num mar tempestuoso.

* * *

Quase uma semana já havia se passado desde o dia da partida. Liz e Max passavam menos tempo no porto, mas aquilo ainda tornava a situação um pouco menos dolorosa para o filho e para ela própria. Ver o seu marido. Ou uma lembrança dele, a sua silhueta frágil na vasta solidão. Ela também se sentia jogada numa imensidão distante, às vezes. Mas ainda tinha o pequeno Max.

Ela ja havia cogitado alugar um barco e ir em busca de John, mas ela tinha certeza de que, se se aproximasse, ele se afastaria ainda mais. E o mesmo aconteceria se qualquer um fosse lá. Ela tinha uma certeza sólida de que ele queria ficar absolutamente sozinho.

-Tomara que ele esteja pescando-disse Max, olhando para o pai ao longe.- Se não ele vai morrer de fome.

Liz não disse nada. Aquilo tudo era tão estranho para se conceber que ela não pensava muito sobre isso. Só olhava. E esperava.

Ela olhou para cima. As gaivotas voavam alto no céu de pérola, e de longe contra aquela luz pálida pareciam negras.

-Você teve problemas com os seus pesadelos de novo, filho? Sobre os corvos?

Max olhou para ela, e depois para baixo.

-Bem, eles apareceram de novo... mas eu me cobri com o cobertor e pedi que fossem embora. E disse que a vida do papai não é boa para comer, pois ela deve ter gosto de roupas velhas e livros velhos, já que é tudo o que o papai sempre gostou de ter em toda a sua vida.

Liz riu de leve.

-Muito bem, filho. Se pedirmos com toda a nossa força, os pesadelos acabam indo embora.

-Mas, mamãe... não são pesadelos. São de verdade.

-Por favor Max, já conversamos sobre isso.

Naquele momento, começou a ficar muito frio. Liz olhou para John no horizonte. "Meu deus... O que esse homem está fazendo?"

-Vamos, Max. Vamos para casa. Me ajude a acender a lareira.

Os dois deram as mãos e se arrastaram em direção à casa em meio à neblina pela pequena rua úmida.

Chegando em casa Liz pediu para Max ir até os fundos buscar a lenha para o fogo. Quando voltou, o menino veio com um livro grande e velho nas mãos.

-Mas filho, vamos morrer de frio se não acendermos esse fogo. Onde está a lenha?

-Eu achei isso aqui jogado embaixo da lenha, mãe. Olhe só. Nunca vi esse livro por aqui.

-Com certeza é um dos livros do seu pai, filho. Deve ter esquecido lá. Ele estava com a mente tão embaraçada nesses dias. Deixe-o aí e vá pegar a madeira.

Max jogou o livro no sofá como se ele próprio fosse uma tora de lenha e saiu. Liz ficou curiosa e foi dar uma olhada nele.

Era bem pesado, grande e velho, com uma capa de couro muito desgastada. Letras de uma caligrafia caprichada em alto relevo e com a tinta dourada já descascando delas revelavam o título do livro: "Os Criadores de Sonhos". Ela o abriu.

Era uma espécie de lista de nomes de pessoas muito importantes no passado(e nos dias atuais), muitos deles artistas, outros filósofos. Havia uma sessão especial enumerando todas as bruxas da Idade Média e até pessoas dos tempos pré-históricos. Havia também pessoas não conhecidas na lista, mas ainda assim importantes. Ela abriu e começou a ler a introdução:

"Àqueles poucos capazes de enxergar além dos fins dos mundos", começava o livro.

"O presente volume tem como objetivo reunir os nomes de todos os seres iluminados que conseguiram ver que a vida é muito mais do que mostra esse manto que chamamos de realidade e que, de uma maneira ou de outra, foram capazes de transmitir as suas experiências para as gerações futuras com enorme maestria, e é de bom grado que catalogamos tudo o que eles têm a nos dizer aqui nesse livro. Incapazes de suportar os dogmas de pedra de sua época e o mundo à sua volta, essas pessoas questionaram o universo e foram fugitivas da vida, do tempo e do mundo palpável. Elas vêm fazendo isso desde o início dos tempos, desde quando aprendemos a dar significado às coisas, desde que começamos a inventar o nosso mundo tal como o conhecemos hoje. Senhoras e senhores, aqui estão as pessoas que tornaram possível o ato de sonhar, deixando os caminhos abertos para nós, meros mortais, os seguirmos.”

Liz interrompeu a leitura, pois o livro estava tão velho que uma das páginas caiu. Era a primeira página, aquela que permanece em branco. Liz a pegou e viu que nela estavam escritos, a lápis, o preço do livro e o endereço do local onde ele fora comprado.

-Gostou do livro, mãe?-Disse Max ao retornar com a lenha nos braços.

-Filho, deixe o fogo para depois. Precisamos dar uma saída.

* * *

Liz andava apressada com Max ao seu lado quase correndo. Ela segurava o pesado livro em seus braços.

O frio corria atrás deles como alguma coisa faminta. Era uma tarde cinza de inverno que pedia para nos recolhermos em casa ao invés de pormos nossa carne à prova dos dentes do gelo, mas Liz vira no livro algo de estranho e, ao mesmo tempo, quase esclarecedor quanto ao que acontecera com o seu marido, e creditava que podia conseguir a resposta para aquilo tudo.

A cidade era pequena, e os dois não levaram mais do que quinze minutos para chegarem até o sebo onde John havia comprado o livro. Era uma loja relativamente grande, localizada numa rua de paralelepípedos escorregadios e escuros. Possuía uma vitrine encardida por onde mal se podia enxergar os volumes ali expostos, fazendo-os parecer mais com fantasmas de livros do que propriamente livros. A placa de madeira comida pela umidade apresentava um entalhe de um pássaro que, era possível notar, já havia sido de um vermelho mais vivo do que aquele. E, com certa dificuldade, Liz leu o nome desgastado do local: "O Cardeal Escarlate".

-É aqui.

Os dois adentraram a loja, fazendo soar o pequeno sino no topo da porta. O lugar possuía uma iluminação fraca, mas mais clara do que a tarde escura lá fora. As paredes da loja eram todas vermelhas, e nos fundos havia uma grande cortina escarlate, fazendo o espaço inteiro parecer o cenário de uma peça de teatro. Máscaras da "commedia dell'arte" enfeitavam as paredes e as estantes abarrotadas de livros empoeirados. Havia também alguns brinquedos muito velhos e com a tinta desgastada espalhados pelo chão.

Um senhor magro e narigudo usando gorro e luvas de um vermelho gritante(e um casaco da mesma cor) que estava sentado atrás do balcão dormindo sobressaltou-se e pôs seus óculos de armação redonda.

-Ah... se... sejam bem vindos ao Cardeal Escarlate. Em que posso ajudá-los?

-Olá. Eu vim aqui para me informar sobre algumas coisas. Sou Elizie, e esse é o Max.

O velho direcionou o olhar para baixo.

-Oh, olá passarinho. Tenho certeza de que vai adorar a sessão infantil daqui. Se eu soubesse onde ela fica nessa bagunça eu o levaria até lá, mas pode ficar à vontade. Na verdade, acho que a sessão infantil está espalhada pela loja inteira...

Max apenas olhou para baixo e mexeu os pés.

-Desculpe, senhor...?-disse Liz.

-Me chame de Cardeal.

-Senhor Cardeal. Desculpe, mas não estamos no espírito de comprar nada. Eu vim para lhe perguntar sobre esse livro que foi comprado aqui pelo meu marido.- Liz estendeu o volume.

O Sr. Cardeal tomou o livro nas mão e o estudou por um momento.

-Ah, sim, claro. Eu nunca me esqueço dos clientes. Você deve estar falando do cavalheiro de olhos tristes que veio aqui. Estranho ele se interessar por esse livro. Ninguém nunca quis comprá-lo. Pois é, esse título faz acreditar que se trata de uma lista dos melhores padeiros do mundo, eu também não acharia muito interessante.

-Pois bem... Eu gostaria de saber se o senhor já leu esse livro.

-Obviamente que sim. É o que mais li na vida, tenho uma cópia em casa, é dos raros. E eu já li todos da loja. Exceto aqueles que eu ainda não li.

-Ótimo. Então, será que o senhor poderia me explicar do que se trata o livro? Eu não tenho tempo para lê-lo. Pois estou tentando descobrir algum jeito de trazer o meu marido de volta... ele... está... indisponível no momento. É uma longa história. E acredito que ele leu esse livro antes de fugir de casa. Vai ver ele teve uma iluminação ou sei lá, e decidiu partir...-Liz fungou o nariz.

-Oh, pobre passarinha. Eu lamento mesmo. Então, você quer saber sobre esse livro, não é? Muito bem. Ele nos faz ter uma iluminação, sim. Ele apresenta uma lista de pessoas que eram realmente muito fora do comum e que, supostamente, encontraram a saída desse mundo. Encontraram quando perfuraram a realidade, ou as realidades existentes. Ele também explica como elas conseguiram, e em que circunstâncias, dando fundamento a uma teoria bastante complexa. É um livro muito interessante, deveria ler quando puder.

-Hmm... Então ele fala de técnicas de meditação ou de concentração para atingir algum estado de transe e encontrar a paz de espírito ou algo assim?

-Bom, não exatamente. Ele leva a coisa mais a sério. Imagine... Imagine uma estante cheia de livros. Cada um deles é um mundo diferente. E em meio a eles há uma traça. Essa traça pode viajar livremente entre os livros, abrindo buracos entre as páginas e formando túneis, conectando todos eles. Ora, os Criadores são a traça. Entendeu? Não é uma viagem espiritual. Aqui diz que você realmente perfura a realidade e abre caminho para outra.

-Minha nossa, que ideia esquisita... E onde é que a parte de criar sonhos entra nisso?

-Mas é isso mesmo que você ouviu. Esses túneis abertos por essas pessoas são os próprios sonhos. O livro diz que os sonhos são caminhos que interligam as dimensões. E, quando estamos sonhando, é por esses túneis que vagamos, graças aos Criadores. Entendeu, passarinha?

Liz sentiu a mente pesar. Ela olhou para Max, sentado no chão de cabeça baixa perto de um cavalinho de balanço do tamanho de um banquinho.

-Ok. Tem outra coisa... O meu filho começou a ver... corvos... nesses dias. E disse que eles falam. Eles falaram que estavam comendo a vida do pai dele. Isso começou pouco depois que o meu marido partiu. O livro diz algo sobre isso?

-Bom... Você abre portais para outras dimensões. Tecnicamente coisas podem sair de lá. Mas corvos não são de outra dimensão, não é mesmo?

Os dois ficaram pensando por um momento. Então o Sr. Cardeal levantou uma sobrancelha.

-Veja bem, moça... Me recordo de uma coisa do livro: ele fala que, nos sonhos, as nossas emoções se materializam, correto? Muito bem. Eu lembro do seu marido. Ele possuía um humor muito melancólico e sombrio quando veio aqui. Bom, uma vez que o seu homem está, supostamente, dentro dos sonhos, as emoções dele podem ter se materializado em corvos, bichinhos bem macabros. Estando o portal entre as dimensões aberto, os corvos saíram. Viu? Simples, como um passarinho no ninho.

Liz, pela primeira vez, parou para pensar naquilo tudo. Ela não pôde acreditar que alimentava aquele tipo de conversa, e percebeu que estava mesmo desesperada. "Meu deus. Estou pedindo informações a um velho maluco que não diz coisa com coisa. E por um momento eu estava até acreditando."

-Bem, senhor... talvez o meu marido só tenha tido uma crise de depressão. A família dele teve vários casos assim. Eu... eu deveria ter alugado um barco e remado até ele, já que ele está no mar. Temos que conversar. Talvez seja só um momento ruim da vida dele. Tenho que...

Tec.

Tec.

Tec.

Algo batendo contra a vitrine da loja.

Depois, o barulho de vidro sendo quebrado.

Liz se sobressaltou e virou os olhos em direção à fonte do som. Ela viu Max parado, de frente para a vitrine, sem mover um músculo.

Ali, do lado de fora, havia um corvo. Ele enfiou o bico pelo vidro e disse, numa voz bizarramente rouca e estranhamente pausada:

-Quando... acabarmos com o... John... vireeemos atrás de... vocêssss. É uma morte... deliciosamente... leeenta. Mas... estamos quase... lá.

Max gritou e cobriu os olhos. Liz sentiu sua alma sendo lançada num abismo, e tudo ficou escuro.

* * *

Liz via John morrer. Ele estava translúcido, sumindo.

Mas não via só ele. Ela via as lembranças do marido como se estivessem presas à copa de uma árvore. Pareciam frutos. E havia garras negras arrancando cada uma delas e voando para longe.

Os corvos estavam comendo a vida do seu marido. Não... aquilo não eram corvos. Eram parecidos, mas possuíam uma forma diferente. A forma de um pesadelo.

-Madame, acorde. Vamos, passarinha, acorde... isso, isso.

Liz recuperava a consciência lentamente, e percebeu que sua cabeça estava apoiada no colo do Sr. Cardeal. Max estava em pé, olhando para ela com curiosidade e preocupação.

-Mãe?

-Olá, querido.-disse Liz com uma voz pesada. Ela sentou-se no chão. Respirava com dificuldade.

Ela pensou naquela coisa que havia falado com eles ali fora, através da vitrine. “Coisa”, sim, pois era algo assustador e que não merecia ser chamado por um nome conhecido.

-Então quer dizer que... era tudo verdade. As "visões" do Max... e as coisas que o livro diz.

-Pois é, moça... minha nossa. Eu não fazia ideia. Eu vi um corvo falar. Meu deus, aquela voz.- O Sr. Cardeal estava tremendo.

Liz tentou ficar de pé, mas ao apoiar a mão no chão para se levantar, uma dor explodiu em seus pulsos.

-Cuidado, passarinha. Acho que você caiu sobre as suas asas. Pobrezinha.

-Eu estou bem. Max, eu preciso salvar o seu pai. Tenho que remar até lá. Meu deus, por que é que ele foi fazer isso? E no mar?

-Eu acho que sei o motivo do mar, moça. É preciso estar em um estado de completa solidão para se concentrar e conseguir abrir a passagem. É o que diz o livro. Oh céus, eu não posso acreditar que é real... é o meu livro preferido, e ele diz a verdade. Há mesmo o outro lado, o lado dos sonhos. É quase uma fantasia, só que real!

-Hmm... esse lado parece muito perigoso para mim agora. Se suas emoções realmente se materializam quando você está lá... tudo pode acontecer. Bom, eu tenho que ir. Max, fique aqui com o Sr. Cardeal e seja educado. Eu volto logo.

Ela tentou levantar mais uma vez, mas a dor nos pulsos foi ainda mais forte.

-Liz... querida. Você não pode remar assim.

-Eu não me importo. É o meu marido. Eu vou.

O Sr. Cardeal suspirou. Retirou o gorro vermelho vivo da cabeça e passou a mão nos fios de cabelo sobreviventes.

-Sabe, querida. Eu não tenho nada a perder. Minha família e amigos já se foram há muito tempo. A loja me mantém vivo, mas não por dentro. Eu... eu quero ajudar. Eu gostei de vocês, meus passarinhos. Desde que entraram por essa porta. Eu quero fazer alguma coisa útil, e ficarei extremamente feliz de acompanhar a senhora e o seu menino nessa jornada. E eu tenho a chance de realmente ver o que foi meu material de estudo por tantos anos.

Ele ajudou Liz a se levantar. Ela o abraçou. Pegou o gorro das mão dele e o colocou na cabeça do velho.

-Então é melhor colocar o seu elmo, nobre guerreiro. Vamos.

Os três saíram pela porta, fazendo o sininho soar corajoso contra o vento gélido do inverno.

* * *

Ainda era possível ver o barco de John ao longe, mas Liz já não sabia se o seu marido ainda estava lá. Enquanto esperavam o homem que cuidava do aluguel de barcos, o Sr. Cardeal escrevia energicamente num pedaço de papel.

-O que está fazendo, senhor?-perguntou Max.

-É algo... muito bom, eu acredito. É sobre a minha loja.- e riu pare ele, sem dar mais explicações.

Max não entendeu.

O barco chegou, e eles não perderam tempo.

O Sr. Cardeal estava remando, enquanto Liz protegia Max do frio abraçando-o.

-Mãe, o papai está bem? Você acha que os corvos ainda estão... incomodando ele?

Liz ficou calada. Apenas deu-lhe um beijo na cabeça e o abraçou mais forte. E assim ficaram por várias remadas e vários balanços de mar até que, de repente, o Sr. Cardeal começou a tossir.

-Senhor, você está bem?

-Oh, minha filha, eu já não sou mais o jovem passarinho que eu era antes... mas eu estou bem, Liz. Estamos quase chegando.

-Deixe-me ajudar. Acho que ainda consigo usar um dos meus pulsos.

E os dois foram remando.

O Sr. Cardeal estava enérgico, assustado mas ao mesmo tempo animado. Ele começou a assobiar uma canção para relaxar, que Liz reconheceu de muito tempo atrás. Ela podia acompanhar a letra dentro de sua cabeça:

“There’s a little bird that somebody sends

Down to the earth to live on the wind

Born on the wind and sleeps on the wind

This little bird that somebody sends.”*

Aquilo relaxou um pouco Liz também. Max ficou com uma expressão mais leve no rosto.

Uma névoa surgiu, cobrindo a todos como um manto frio que escondia um mundo novo e vasto. Eles se apressaram mais para não perderem o barco de John de vista. Até que, enfim, chegaram lá. E Liz encontrou o que temia:

Nada. O pequeno barco jazia ancorado vazio e solitário, esquecido pelo mar. Ali na água, ao redor deles, algumas plumas se afastavam negra e lentamente, deslizando sobre as ondas.

Liz estava com o choro entalado na garganta quando ouviu Max dizer:

-Olhem! Ali em cima!

Ele estava apontando o dedo trêmulo de frio para o alto, acima do barco do pai. Liz seguiu o gesto do filho e percebeu, com dificuldade, que havia um tipo de redemoinho quase transparente ali. Ele fazia um som suave de tempestade ao longe. E, aparecendo e desaparecendo de vista, a imagem desfocada de um corpo quase apagado dentro do redemoinho envolto por neblina.

-John!-Gritou Liz, levantando-se do barco, fazendo-o chacoalhar violentamente. Os óculos do Sr. Cardeal caíram no mar, e Max se segurou nas bordas.

Liz agitava os braços, quase pulando, e gritava. Até que ela perdeu o equilíbrio, caindo dentro d'água.

E sumiu de vista.

-Mamãe!-Gritou Max. E, antes que o Sr. Cardeal tivesse tempo de impedir, o menino pulou na água também.

O velho ficou ali, sem saber o que fazer, olhando ora para o corpo de John quase inexistente ali em cima, pendendo entre os mundos, ora para a água escura e gelada esperando que alguém aparecesse.

Ele estava tirando o casaco pesado para se jogar na água quando o braço de Liz surgiu na superfície agarrando a proa do barco de John. No outro braço, estava Max.

Liz lutou para pegar impulso e subir no barco, puxando o garoto e gritando pela dor nos pulsos.

-John! Querido! Eu estou aqui! Aqui!-disse ela, andando cada vez mais para baixo de onde o redemoinho estava. E, quando ela chegou exatamente embaixo dele, desapareceu junto com Max.

* * *

Insubstancial. Foi como Liz e Max se sentiram.

Ventos que não vinham do mar sopravam os dois e os faziam parecer iscas vivas no ar, balançando lentamente mas, ao mesmo tempo, com uma força de outros mundos.

Dar as mãos ali era como segurar fumaça, mas Liz e Max permaneciam juntos. Ou eram um só, suas essências fundidas dentro da matéria dos sonhos.

Eles vagaram pelo nada pelo que poderia ter sido um minuto ou uma hora. Abaixo deles, mundos passavam numa velocidade inimaginavelmente mais rápida do que a da luz. Era uma sensação boa.

Mas eles não podiam esquecer o seu propósito. A mente funcionava de outra forma ali, e era fácil esquecer da sua identidade. O próprio John mal existia por causa disso, e ainda por cima estava tendo a sua vida dilacerada pelos corvos, a materialização dos seus sentimentos mais tristes.

Liz e Max viram algo familiar, e se dirigiram em sua direção. Quando viram John, recobraram novamente as suas essências.

-Querido- a voz de Liz ecoava como várias vozes juntas naquele silêncio nebuloso, e ela não sentiu a sua boca se mexendo enquanto falava.

John não deu sinal de ter ouvido. Ela chegou mais perto, flutuando, puxando Max. E tocou o peito nu do seu marido.

Dessa vez ele gemeu, como se estivesse dormindo, e abriu os olhos lentamente.

-Sou eu, John. Somos nós.

-Papai. Estamos aqui!

-Quem... quem...-disse John, apenas.

Liz o envolveu em seus braços. Levou a boca ao ouvido do homem.

-Querido, eu vi o que os corvos estão fazendo. Eles estão levando embora tudo o que você é e já foi. Mas eu vou lhe dizer uma coisa: eles estão na sua cabeça. Você os criou, John, e pode destruí-los. -Liz sentia que sabia de todas as coisas do mundo ali naquele lugar. A visão do outro lado era realmente libertadora. Ela continuou:

-Isso será mais fácil se você se lembrar de quem é, meu amor. Eu sei disso.

-Eu... não sei o que... é real... não mais...

Max deslizou para o meio dos dois e segurou a mão do pai. E, dessa vez, ele começou a respirar.

Liz olhou dentro dos olhos de John, tentando acender aquela chama quase apagada, mas viva, dentro deles.

-Viu, querido? Isso é real.- depois ela segurou o rosto do homem entre as suas mãos.- E isso é real também. Vamos. Lute. Lembre-se.- E, finalmente, o beijou.

Liz sentia as coisas ao redor quase como se as visse. E, mesmo de olhos fechados, ela pôde ver que ali perto dela havia uma flor selvagem sendo consumida por chamas. E ela se sentia mais do que bem com isso.

No mesmo momento, de longe, Liz sentiu asas negras se aproximando. Mas, por algum motivo que ela não sabia, não se desesperou. Ela estava tão bem ali que poderia morrer naquele momento.

John começou a se mexer agora. Olhou para os dois à sua frente. E disse:

-Liz? Max?

Ela sorriu. O menino abraçou a cintura do pai.

-Liz... querida... eu ouvi a sua voz... ela está vindo de todos lugares à minha volta. Você... e o pequeno Max... estão em tudo. Eu posso sentir.- E se abraçaram. E ficaram ali.

O vento nas asas dos corvos se aproximando trazia o fim do mundo.

* * *

O Sr. Cardeal não conseguiu pular de um barco para o outro, e caiu na água. Seus ossos frágeis mal foram o suficiente para fazer ele se mexer ali naquele gelo, mas depois de muita luta ele conseguiu subir no barco de onde Liz e Max haviam desaparecido há apenas alguns segundos atrás.

Ele sabia que não podia ser sugado sem controle pelo redemoinho. Precisava manter-se preso a algum lugar para poder puxar os seus amigos. Mas ele tinha um plano, e começou a desamarrar a corda que prendia o barco à ancora e amarrá-la à sua cintura.

* * *

Os três ainda estavam se contemplando, enquanto a destruição se aproximava bem às suas costas. O mundo poderia acabar naquele instante, e eles estavam felizes, juntos mais uma vez. John se lembrava deles, mas a nebulosidade do lugar o impedia de lembrar de como era a vida na terra, e ele não se esforçava para tentar voltar para ela, ou para destruir os corvos. E nem os outros dois se importavam com isso também. Mas, quando já era possível sentir o vento soprado pela velocidade dos corvos, eles sentiram algo puxar todos os três ao mesmo tempo. E uma voz gritou:

-Venham rápido! Os corvos estão chegando!

E eles foram puxados mais forte e sentiram seu corpo cair, cair e cair, de volta a uma forma mais sólida e num mundo mais sólido. E aterrissaram numa superfície de madeira.

-Muito bem! Fiquem onde estão agora, não cheguem perto da boca do redemoinho!-Gritava o Sr. Cardeal, ainda flutuando lá em cima mas impedido de ser sugado para dentro do portal pelo peso da âncora.

Liz e Max recobraram a consciência, mas John estava desmaiado.

-Senhor! Já pode descer! Rápido, antes que os corvos cheguem!

-Não se preocupe, Liz! Eu vou fechar o portal. O livro ensina como!-Disse. Mas então ele começou a desamarrar a corda da cintura.

-O que está fazendo? Não, você vai ser sugado!

O velho olhou nos olhos de Liz e de Max, sorrindo.

-Mas isso é o que eu sempre quis, querida. Adeus, meus passarinhos. Nos vemos em outro mundo!- e partiu de uma vez.

Houve um estrondo de trovão quando o portal foi fechado, e um clarão cortou os horizontes de todos os mundos.

* * *

Liz conseguiu chegar ao porto ofegando. Lá foram acolhidos por pescadores e devidamente secos.

Max tremia, mas estava sorrindo.

-Você conseguiu, mamãe. Trouxe o papai de volta.

-Fomos nós, querido. Quando você segurou a mão dele, seu pai voltou respirar. Eu vi.- disse, e abraçou o filho.- E o Sr. Cardeal foi essencial.

Os pescadores os pediram que esperassem por ajuda para irem até um hospital para que John recebesse os devidos cuidados. Ainda estava inconsciente, mas respirando.

-Mas... O Sr. Cardeal. Ele foi levado. Será que ele vai ficar bem?

-Eu acredito que sim. Ele parece conhecer bem aquele livro, tem as instruções certas. Ele era meio maluco, esse mundo não é para ele mesmo.

Max sorriu.

-Eu vou sentir falta dele, mesmo sem conhecer ele direito.

-Eu também, querido.

Então Max lembrou-se de algo.

-Mamãe, quando ele puxou a gente de volta para o barco eu vi o Sr. Cardeal colocando um papel no seu bolso.

Liz levantou uma sobrancelha e vasculhou na sua calça. Achou o papel e, com os olhos correndo por ele cada vez mais rápidos, pôs a mão na boca e começou a chorar.

-Mãe, o que foi?

-Max... ele deixou tudo para nós... ele nos deu... o Cardeal Escarlate!

* * *

John se recuperou bem no hospital. Liz achou melhor esperar chegar em casa para conversar propriamente com ele, pois ainda precisava saber o que dera na sua cabeça para fugir de casa e viajar para outra dimensão.

Quando chegaram em casa, Liz pediu para ele se explicar.

-Querida... eu sinto muito. Não há nada do que eu me arrependa mais. Mas acontece que... bom, você sabe do histórico de depressão da minha família. Eu sempre suspeitei que, mais cedo ou mais tarde, chegaria a minha vez. E chegou. Mas... quando eu vi que o pequeno Max aqui começou a ser infectado pelo meu humor... eu não pude suportar. Eu percebi que ele estava ficando muito triste, e era exatamente assim que as crises dos meus parentes começavam. Não queria passar o mal da minha família para ele. Eu queria vê-lo bem, e curá-lo passou a ser o meu principal objetivo, mas para isso eu tinha que me curar. Comecei a ler livros sobre o assunto, mas todos eles não mostravam verdade em suas palavras. Até que, vasculhando pela cidade à procura de qualquer loja de livros, cheguei ao Cardeal Escarlate, onde fiquei durante um bom tempo, encontrei o livro e me interessei. Eu já havia tentado de tudo, e achei que um método alternativo poderia funcionar. Eu estava desesperado, queria acreditar em alguma coisa. E realmente acreditei no livro, pois tudo faz tanto sentido nele... Aí eu pensei: "se eu, de alguma maneira, conseguir mesmo chegar a um desses túneis abertos pelos Criadores, se eu conseguir passar fisicamente para o lugar mais profundo dos pensamentos, para os sonhos, talvez eu possa sentir e ver com os meus próprios olhos alguma resposta para sair desse estado de tristeza insuportável.” E com isso pretendia deixar o Max feliz novamente. Foi... foi isso. Me desculpem por ter abandonado vocês. Eu quase piorei as coisas... e isso tudo não adiantou de nada. Não muito tempo depois que eu atravessei, os corvos surgiram e começaram a fazer aquela coisa horrível que doía tanto. Mas de alguma maneira eu consegui acessar a sua mente, Liz, já que você teve visões de mim morrendo... de qualquer jeito, eu sinto muito por tudo isso.

-Bom, papai... eu acho que funcionou sim. Eu percebi isso lá mesmo dentro do túnel. Eu não me sinto mais triste.

-Nem eu, meu menino. Nem eu. Mas não foi por minha causa que ficamos bem. Foi por vocês. Descobri que não é possível vencer esses problemas emocionais sozinho. Pois quando suas emoções acabam por possuir você por completo, você está num quarto vazio sem nem ao menos uma mão para segurar a sua. Juntos, nós podemos tudo.

Liz olhou com ternura pare ele.

-Bem, o que importa é que você deixou os corvos lá. Os seus sentimentos depressivos não voltarão mais. De alguma forma isso tudo adiantou sim. E que assim seja para sempre.

John riu para ela.

-Papai... você ainda sabe como fazer isso?

-Bem... não. Eu não sei. Era uma coisa que eu queria muito fazer somente naquele momento e, não sei como, consegui. Mas é perigoso demais passar para o outro lado sem saber como as coisas funcionam ali. Bem, os Criadores também não sabiam, mas eles... de alguma forma... já possuíam um pé em outro mundo, entende? Era quase natural para eles, apesar de eles também terem se esforçado muito para isso.

-Para mim você também sempre foi meio que de outro mundo, querido.

Os três se abraçaram e riram muito por estarem juntos novamente. E dormiram ali mesmo no sofá, sem se preocuparem com mais nada.

* * *

Era o primeiro dia de trabalho no Cardeal Escarlate. Liz decidiu manter a decoração do lugar intacta em respeito à memória do Sr. Cardeal. Mas teve que trocar a placa por uma mais nova, e colocou mesas do lado de fora com livros em promoção para atrair mais clientes. E contrataram um mágico para apresentar os seus números lá dentro onde havia aquela grande cortina vermelha de teatro. As crianças da cidade adoraram, e foi um sucesso que permaneceu por muito tempo.

Max ajudava a atender os clientes, e ao final de cada compra os levava até a porta. Uma vez, se despedindo de um comprador, Max ouviu um assobio que vinha de uma árvore ali perto, e pareceu a ele que alguém o estava chamando. Ele se aproximou da árvore, mas não havia ninguém ali.

Então ele ouviu um ruído vindo dos galhos, e um pássaro muito vermelho surgiu. Ele nunca tinha visto aquela espécie por ali antes.

O animal virou a cabeça para o menino num gesto gentil(pelo menos gentil para um pássaro). Assobiou mais uma vez e foi embora, rodopiando, feliz por estar livre. Max acenou para ele e sorriu, um riso grande de orelha a orelha.

*”This little bird”, canção de Marianne Faithfull.

Lumontes (Lucas Montenegro)
Enviado por Lumontes (Lucas Montenegro) em 17/02/2018
Reeditado em 24/02/2018
Código do texto: T6256779
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