presença subliminar
O telefone tocava pela quarta vez naquela mesma noite. No começo até achou normal, pois poderia ser alguém querendo desejá-la ´´meus pêsames``, seu marido teria sido enterrado naquele mesmo dia, mas não falavam nada. Se fosse uma brincadeira, seria uma dessas de mal gosto e de pessoas que desrespeitam a dor dos outros.
Alberto deixara um grande legado, uma enorme saudade nos corações de quem o conhecia. Filhos? Nenhum. Seu tempo era curto demais para fazer filhos, precisava de dinheiro por mais que suas rendas estivessem todas bem vivas e as contas em dia.
Sua morte fora um pouco premeditada, assim podemos dizer. Seu mais velho teria lhe pedido que fosse deixar uma encomenda a caminho de seu trabalho, na casa de um amigo. Que passasse lá e fizesse este favor! A perícia só pode explicar que os cabos dos freios teriam sido manipulados, mas não disse quem teria feito esta barbaridade. Somente seu irmão teria tentado consertar seu carro no dia anterior, isso explica sua frieza na hora do velório.
Na noite de sofrimento Marta nem conseguia grudar os olhos, imaginando seu marido em todos os lugares da casa, como ele gostava de sentar-se na beira da piscina com um caderno de anotações onde escrevia suas melhores crônicas, era um escritor de mãos cheias. A saudade de ouvir ele reclamando dos clientes mal-educados a levara ao choro.
— Amor, onde está meu caderno de anotações? — perguntaria.
— Eu guardei em cima da sua poltrona, já sabia que você a procuraria. — Marta responderia.
O que restou, foi apenas seu caderno e suas roupas.
Mas aqueles telefonemas, quem era que ligava naquele fatídico dia e não dizia nada? Só ouvia sua voz trêmula e cansada. Se fosse uma brincadeira, tratava-se de uma muito bem elaborada, onde várias pessoas fizessem parte. Será que neste mundo ainda existem pessoas capazes de brincar com a dor das outras assim? Preferiu colocar a culpa na ligação, péssima qualidade.
De novo torna a tocar. Nada mais uma vez? Nada, nadinha de nada. A chuva já estava caindo lá fora, a poltrona estava toda ensopada. Não se levantaria aquela hora da madrugada, no outro dia a enxugaria e coloria para dentro de casa.
Quando resolveu nem atender mais e nem se mexer quando aquele aparelho fizesse barulho, algumas coisas dentro de sua casa começara a cair. Até suas fotos preferidas com seus pais! O conjunto de copos novos comprados na semana passada foram todos ao chão.
Um arrepio lhe subiu as pernas, ela estava sozinha dentro daquela gigantesca residência, lembrou que recusara por várias vezes no cemitério, a companhia de suas irmãs que se ofereciam para dormir lá pelo menos durante esta tempestade emocional. Lembrou-se do número de uma delas e correu para telefoná-la e quando chegou próximo, antes de tirá-lo do gancho o seu toque foi começando devagar e vibrando ao mesmo tempo. Marta não queria atender, mas cada passo que dava para trás era uma coisa que caia na cozinha e dentro de seu próprio quarto.
Um som estranho vinha diretamente da porta, como se alguém quisesse entrar. Pegou um pedaço de madeira, acompanhado de uma lanterna e foi até à porta. Lá estava Bob, seu cachorro implorando para entrar com o caderno de Alberto na boca.
Desde então pôde dormir em paz. Refletindo, olhando para foto de seu esposo e entendendo que ele só queria que ela observasse duas coisas queridas sua que estava pegando chuva.