Crepúsculo dos super-heróis
CREPÚSCULO DOS SUPER-HERÓIS
Miguel Carqueija
Depois do formol no iogurte, bromato de potássio no pão, coliformes fecais no leite, aditivos cancerígenos nas conservas e assim por diante, a poluição marcou mais um tento: agora apareceram vestígios de cryptonite no bacon. Resultado: o Super-Homem foi parar no CTI após tomar o desjejum. Isso foi a gota d’água que fez aflorar uma surda revolta que já grassava entre os super-heróis, e assim vários deles se reuniram em meu escritório de advocacia, resolvidos a lutar por seus direitos.
Após uma algazarra inicial, eles começaram a falar separadamente. Um dos primeiros foi o Batman:
— Veja bem o senhor a situação humilhante a que me submetem. Ultimamente eu tenho convivido com outros heróis como o Super-Homem e a Mulher Maravilha. Só que eu não tenho poder algum, nunca me deram! Resultado: o mais extraordinário que eu e Robin fazemos é ficar pulando como macacos de prédio em prédio, agarrados em bat-cordas. Isso é vida?
— Veja o meu caso — disse o Fantasma. — Os comitês dos direitos dos negros vivem me acusando de racista. Logo eu, que só bato em brancos! Mas eles acham que eu sou muito paternalista em relação às tribos africanas...
— Ninguém é perfeito, você sabe — falei. Um advogado às vezes não tem como evitar ser hipócrita.
— Acusaram-me também as feministas, de não dar a devida atenção à minha esposa. Só porque ela está sempre sendo raptada. Ora, eu não tenho os poderes mágicos que os idiotas dos nativos me atribuem...
Voltei-me para a Mulher Maravilha.
— E a senhora, dona Diana? Qual é o seu problema?
— Qual é o meu problema? Olhe bem para mim!
Olhei e olhei bem. Como ela nada dissesse, continuei olhando, sem saber o que mais fazer.
— Está vendo as minhas pernas? — perguntou finalmente.
— Sim, e os braços também — respondi estupidamente.
— Você vê claramente que embora eu seja uma super-heroína, sou obrigada a aparecer em público com esse traje ridículo que me torna um objeto sexual, apenas. Até no mundo dos super-heróis impera o machismo!
Robin, que estivera inquieto o tempo todo, conseguiu finalmente uma brecha para falar;
— E o meu caso? Olhe: nós somos manobrados vilmente pelo King Features e demais sindicatos. Eu sempre vivi à sombra do Batman. Agora, porém, com a minha inclusão na série dos Super-Amigos de Hanna-Barbera, a situação piorou. Sou apenas uma figura decorativa: até o Aquaman faz melhor papel!
Voltei-me então para um indivíduo magro, franzino e de aspecto sofredor, jogado a um canto. O único, aliás, vestido de forma normal...
— E o senhor quem é?
— Sou o mais infeliz dos super-heróis. Meu nome é David — observou tristemente.
— Não me lembro de conhecê-lo... o senhor tem certeza que é super-herói? Não tem nenhum aspecto.
— É claro que sou super-herói! Mas ao contrário dos outros, nem bonito eu sou! É uma discriminação!
— Ora vamos! O Homem de Borracha também não é bonito! E o senhor até ganha dele em beleza!
— Escute, você está zombando de mim? Isso é muito perigoso! Eu não posso me irritar!
— Mas, meu amigo, que espécie de super-herói o senhor é? Não conheço nenhum super-herói que tenha nome de gente, como o senhor.
O Mandrake aproximou-se de mim e cochichou-me ao ouvido. Era tarde demais, porém: o homenzinho começara a inchar, suas roupas rasgaram-se e agora ele se transformara num sujeito enorme e verde, e furioso...
Agora vocês entendem por que é que o meu escritório fechou para reforma?
NOTA: esta fanfic foi escrita na década de 1980.
imagem do Mandrake (criação de Lee Falk, EUA, 1934)
Fantasma, também criado por Lee Falk
Hulk, por Stan Lee
Super-Homem por Joe Shuster e Jerry Siegel
Mulher Maravilha por William Moulton Marston e Harry G. Peter
Batman e Robin, Bob Kane
CREPÚSCULO DOS SUPER-HERÓIS
Miguel Carqueija
Depois do formol no iogurte, bromato de potássio no pão, coliformes fecais no leite, aditivos cancerígenos nas conservas e assim por diante, a poluição marcou mais um tento: agora apareceram vestígios de cryptonite no bacon. Resultado: o Super-Homem foi parar no CTI após tomar o desjejum. Isso foi a gota d’água que fez aflorar uma surda revolta que já grassava entre os super-heróis, e assim vários deles se reuniram em meu escritório de advocacia, resolvidos a lutar por seus direitos.
Após uma algazarra inicial, eles começaram a falar separadamente. Um dos primeiros foi o Batman:
— Veja bem o senhor a situação humilhante a que me submetem. Ultimamente eu tenho convivido com outros heróis como o Super-Homem e a Mulher Maravilha. Só que eu não tenho poder algum, nunca me deram! Resultado: o mais extraordinário que eu e Robin fazemos é ficar pulando como macacos de prédio em prédio, agarrados em bat-cordas. Isso é vida?
— Veja o meu caso — disse o Fantasma. — Os comitês dos direitos dos negros vivem me acusando de racista. Logo eu, que só bato em brancos! Mas eles acham que eu sou muito paternalista em relação às tribos africanas...
— Ninguém é perfeito, você sabe — falei. Um advogado às vezes não tem como evitar ser hipócrita.
— Acusaram-me também as feministas, de não dar a devida atenção à minha esposa. Só porque ela está sempre sendo raptada. Ora, eu não tenho os poderes mágicos que os idiotas dos nativos me atribuem...
Voltei-me para a Mulher Maravilha.
— E a senhora, dona Diana? Qual é o seu problema?
— Qual é o meu problema? Olhe bem para mim!
Olhei e olhei bem. Como ela nada dissesse, continuei olhando, sem saber o que mais fazer.
— Está vendo as minhas pernas? — perguntou finalmente.
— Sim, e os braços também — respondi estupidamente.
— Você vê claramente que embora eu seja uma super-heroína, sou obrigada a aparecer em público com esse traje ridículo que me torna um objeto sexual, apenas. Até no mundo dos super-heróis impera o machismo!
Robin, que estivera inquieto o tempo todo, conseguiu finalmente uma brecha para falar;
— E o meu caso? Olhe: nós somos manobrados vilmente pelo King Features e demais sindicatos. Eu sempre vivi à sombra do Batman. Agora, porém, com a minha inclusão na série dos Super-Amigos de Hanna-Barbera, a situação piorou. Sou apenas uma figura decorativa: até o Aquaman faz melhor papel!
Voltei-me então para um indivíduo magro, franzino e de aspecto sofredor, jogado a um canto. O único, aliás, vestido de forma normal...
— E o senhor quem é?
— Sou o mais infeliz dos super-heróis. Meu nome é David — observou tristemente.
— Não me lembro de conhecê-lo... o senhor tem certeza que é super-herói? Não tem nenhum aspecto.
— É claro que sou super-herói! Mas ao contrário dos outros, nem bonito eu sou! É uma discriminação!
— Ora vamos! O Homem de Borracha também não é bonito! E o senhor até ganha dele em beleza!
— Escute, você está zombando de mim? Isso é muito perigoso! Eu não posso me irritar!
— Mas, meu amigo, que espécie de super-herói o senhor é? Não conheço nenhum super-herói que tenha nome de gente, como o senhor.
O Mandrake aproximou-se de mim e cochichou-me ao ouvido. Era tarde demais, porém: o homenzinho começara a inchar, suas roupas rasgaram-se e agora ele se transformara num sujeito enorme e verde, e furioso...
Agora vocês entendem por que é que o meu escritório fechou para reforma?
NOTA: esta fanfic foi escrita na década de 1980.
imagem do Mandrake (criação de Lee Falk, EUA, 1934)
Fantasma, também criado por Lee Falk
Hulk, por Stan Lee
Super-Homem por Joe Shuster e Jerry Siegel
Mulher Maravilha por William Moulton Marston e Harry G. Peter
Batman e Robin, Bob Kane