O padre e a assistente social
- Desce logo Terezinha, a gente vai acabar chegando atrasada na missa.
- Espera só um pouquinho tia. To terminando de me arrumar.
- Vê se não demora...
Pouco depois a tia gritava, de novo, no pé da escada:
- Anda menina. Por que tanta demora pra se arrumar? Até parece que está se preparando pra ir a uma festa!
Quando a sobrinha finalmente desceu de seu quarto, a tia ralhou com ela:
- To te chamando faz um tempão. Sua mãe e seu pai já foram pra igreja e nós vamos chegar atrasadas.
- Só tava me arrumando direito, afinal lá ta cheio de rapazes bonitos pra paquerar.
- Que conversa menina! Você vai a missa pra paquerar? Deixa de falar bobagem!
- A senhora está linda tia Luiza! Notei que tem se produzido pra ir a igreja. Aposto que é por causa daquele padre novo, o frei Gustavo. Ele é o maior “gatão”, não é?
- Que falta de respeito é esse Terezinha! E eu vou a missa interessada em homem, ainda mais num padre?
- Eu só disse que ele é lindo e perguntei se a senhora também não achava?
- Eu vou a igreja pra rezar. Nem reparei nesse padre que você está falando.
- Mas a senhora só ia a igreja de vez em quando! Agora, desde que o padre Gustavo veio pra paróquia, não falta á missa nenhum domingo.
- É que tenho sentido necessidade de rezar mais. O trabalho que eu faço mostra muito o sofrimento das pessoas, disse a tia com o rosto vermelho e mudou de assunto. Vai, toma logo seu café e vamos depressa pra chegar na hora.
Quando elas chegaram á missa já tinha começado e ninguém as notou. Foram sentar em um dos poucos lugares livres, da igreja lotada de fiéis, e de cabeça baixa, como se estivesse rezando, a tia se autopunia com seus pensamentos cheios de culpa.
“Por que isso foi acontecer comigo, meu Deus? Sei que estou pecando, mas eu o amo. Eu não queria, mas não pude resistir ao charme dele. Ele é tão gentil e bondoso. É padre, mas também é um homem maravilhoso. Por que essa necessidade que sinto dele? Dessa ânsia que me machuca tanto, apesar do prazer que me causa, e da qual não tenho nenhum domínio?”.
Ao voltarem para casa a tia não chorava, mas caminhava de cabeça baixa e calada. Ela tinha a alma pesada. Estava amando o padre Gustavo e não sabia conviver com isso, com o sentimento de culpa que esse amor lhe trazia.
Maria Luiza tinha quase trinta anos. Era assistente social e quase todo dia visitava uma família carente, com intenção de ajudá-la. Morava com a irmã, o marido dela e a filha deles, que era uma linda menina chamada Terezinha. Dedicava sua vida a família da irmã, que também era a sua, e ao trabalho que realizava com amor.
Transou com vários rapazes, na época da faculdade, e agora que era adulta tinha alguns casos de amor esporádicos, mas nunca se sentiu apaixonada para assumir um compromisso com um homem.
Numa tarde ela foi visitar uma mulher, que tinha perdido o marido e ficado com quatro filhos pequenos. O falecido tinha sido um pobre carvoeiro e morreu deixando a família na miséria.
Quando lá chegou, além dos moradores daquela pobre morada, encontrou também um padre que tinha ido consolar a viúva e as crianças. Tomou junto com ele, em velhas e gastas canecas de latão, o café ralo que a boa senhora lhes serviu, juntou sua generosidade com a dele. Sofreram com as almas unidas á dor que ali existia e quando se foram dali o que poderia parecer absurdo e pecaminoso tinha acontecido. O padre e a assistente social estavam apaixonados.
Quando voltaram da igreja, sobrinha e tia ajudaram a preparar o almoço. Depois que a família almoçou, o cunhado de Maria Luiza foi sentar-se na varanda e sua esposa lhe levou uma cerveja.
- Obrigado amor. E sua irmã, está descansando?
- Ela saiu. Foi visitar uma daquelas famílias que ajuda.
- Mas hoje é domingo!
- Você sabe como ela é, querido. Não tem dia nem hora pra socorrer as pessoas. A Luiza parece que nasceu pra amparar aqueles que precisam de ajuda.
- Eu sei como ela é, só que acho que devia pensar um pouco nela mesma. Já passou da hora de arrumar um namorado. Vai acabar ficando velha e sozinha.
- Eu sempre falo isso pra ela, mas você conhece a minha irmã. É uma pessoa que não aceita conselhos e só faz aquilo que tem vontade.
Ele dirigia devagar pela estrada deserta que cortava o campo. Vestia uma calça leve e clara, uma camisa de mangas curtas e o colarinho clerical branco que usava, quando saiu da cidade, não estava mais em seu pescoço. Quando a estrada ficou paralela com um grande rio, ele dirigiu mais alguns minutos e parou o carro num largo acostamento. Desceu dele e caminhou até a margem, onde Maria Luiza o esperava.
Assim que se viram nada disseram. Beijaram-se apaixonadamente e entregaram seus corpos as delícias do amor, ali mesmo na grama da beira do rio. Foi uma hora em que, para os dois, desapareceram os pensamentos cheios de culpa, com que eram atormentados, ou de algum outro sentimento constrangedor e doloroso. Quem ali ditava o certo e o errado era somente o amor.