Etcetera

Os dias amarelecidos passavam todos iguais. Ano após ano. As bromélias brotavam em setembro, a aroeira sorria aos cachos de pimenta rosa, alimentando os pássaros. Por vezes, a aroeira, até parecia um pé de pássaro. Nascera para servir, a árvore frondosa, da casca ao galho, da folha à raiz, da flor à semente. Sua carne em ferida exposta sangrava na cura de outras carnes, transferindo para si, de outrem, as chagas. Já a orquídea bambu, disputava altura com o muro verde do castelo, e suas flores moçoilas abriam-se apaixonadas pelo Sol.

As alamandas entrelaçavam-se numa peleja sem fim, amarelecendo ainda mais os dias. Primavera, enfim!

O clima quente, austral, esparramado de gente com ar de alegria em busca de mar. Seus corpos nus esticados n'areia, assoprados pela brisa, amorenando entorpecidos pelos beijos do Sol... Chuvas esparsas lavavam a maria fumaça a soltar um grito no ar, parelha aos ouvidos, ardendo as ventas, levando as vistas num desejo de sonhar - de perder os sentidos.

Tapetes sem cor, sem vida, de folhas caídas na meia estação, em meio a vida e a morte, levadas ao vento, como bilhete de amor esquecido no banco, enquanto se espera o trem, cujo amor nele nunca vem.

A passarada a suicidar-se na janela de vidro ao longo do inverno. Em busca de alimento pediam socorro e partiam da mata em retirada. Num coro afinado e doído cantavam em troca de "pão"... Até que pudessem, quem sabe, retornar ao seu habitat, em uma outra farta estação.

E assim caminhavam os anos, passavam porque tinham de passar.

Branca, que não era de neve, suave mulher de voz branda, de traços leves. Corava a um simples olhar. Amava as palavras, mas não ousava e nem sabia como as pronunciar. Branca, vivia em um castelo, alimentando o sonho de encontrar seu príncipe. Há anos amanhecia com um sapo, que adormecia a sonhar com o beijo de uma ninfeta...

E assim viveram por anos... infelizes! Até que, arregaçou a barra do avental de "lese", branco como Branca, e pô-se a olhar novos horizontes.

Viu outras cores nos dias. Deu voz às palavras e as palavras lhe deram vida. Branca tornou-se amiga das Letras. Despertou Branca, da aurora rasgada, concluiu que para ser inteira não haveria de ser remendada.

Confrontou-se com as horas do seu relógio biológico. Quebrou os ponteiros à unha, estilhaçou as algemas e deu outra cor aos seus dias...

Com seu avental de "lese", branco, seguiu para outra paragem.

Deixou de viver à margem de si mesma... E partiu Branca, em passos suaves para a outra margem!

E etcetera.

[texto de 2015, reeditado]

Nalva Sol
Enviado por Nalva Sol em 10/12/2017
Código do texto: T6195202
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.