Senhores destino
Hugo acorda às 6:00 em ponto. Se levanta ainda sonolento e se dirige à cozinha. Mede precisamente 1 litro de água e a coloca para ferver. Prepara exatamente três colheres de chá rasas cheias de pó de café em um coador. Enche o copo do açúcar e passa seu dedo para retirar os excessos e fazer com que o açúcar não passe da borda. Joga o açúcar na água fervente e em seguida a água no coador. O café estava perfeito como sempre. Exatamente às 6:30 já começou a vestir seu terno. Olhou-se no espelho antes de sair, era careca, porém ainda aparentava ter vinte e poucos anos. Seu olhar sério encarava seu rosto liso sem nenhum fio de barba, enquanto lembrava se não esquecera de nada. Às 6:55 saiu e trancou a porta de sua casa, atravessou a rua e chegou a um enorme prédio. Na portaria, foi bater seu ponto exatamente às 7:00hrs. Entrou no elevador e subiu. Chegou em seu andar, passou por todas as salas e entrou em seu escritório. O lugar não possuía luz alguma, mas era possível enxergar sua mesa e a de seu colega de trabalho Jerry que estava debruçado sobre um caderno invadindo seu lado da mesa com seu braço esquerdo. Ele se sentou e acordou seu colega, que disse estar fazendo o trabalho que deixara acumular quando cobriu as férias de Hugo. Na sala trabalhavam apenas Hugo e Jerry, que possuía um grande e liso cabelo ruivo e em seu rosto uma barba por fazer. Hugo era metódico e calculista, agia conforme as regras sempre, mas ao que notara, seu colega era mais emotivo, deixava o sentimento falar mais alto. Um fazia o que faltava no outro. A sala era extremamente escura e não era possível enxergar nada além de suas mesas, porém uma bola azulada podia ser vista ao longe. Jerry então disse:
- Temos uma situação problema.
- Diga. - Respondeu Hugo.
- A próxima ficha... - Disse Jerry ao se esticar para apertar um botão no único computador da mesa, que ficava do lado de Hugo, e que fez com que um papel fosse impresso pela impressora que ficava entre as duas mesas. Como de costume Hugo a pegou e analisou.
- Esse é Marcos Costa. Na semana passada nós pegamos a ficha de seu filho, Marcelo Costa. Nós decidimos que quando ele crescer se tornará um cientista e descobrirá a cura do Câncer.
- Exatamente. - Respondeu Jerry. - Nós temos que matá-lo agora, ordens superiores, e a morte dele não pode impedir o filho de seguir seu destino. Temos que decidir bem o que acontecerá com ele.
Hugo então olhou para a bola azul à sua frente, espremeu seus olhos até ver mais de perto, foi enxergando cada vez mais perto até que viu a forma do continente americano, se aproximou mais na região onde fica o Brasil. Olhou bem lá no fundo e pode ver, na cidade do Rio de Janeiro, um homem, Marcos Costa, sentado no banco de uma praça lendo seu jornal antes de ir trabalhar.
- Que tal fazermos ele ter Câncer? Pode inspirar o garoto. - Sugeriu Hugo.
- Precisamos matá-lo agora. - Disse Jerry entregando a Hugo um documento que dizia que o homem deveria ser morto antes de voltar para casa no fim do dia. - Acho melhor pararmos de pegar fichas e passar o resto da manhã focados nesta. - Completou.
- Mas a fichas tem de ser preenchidas. Não podemos parar de trabalhar por toda a manhã. - Disse Hugo, porém sabia que a questão era urgente e os dois juntos seriam necessários para cumprir a ordem sem desequilibrar as coisas na Terra.
- Péra. Se é um caso de ordens superiores, talvez tenhamos acesso de volta à ficha de Vera Costa, a esposa de Marcos. Fazemos ela ter Câncer, o que sensibilizará o coração de Marcelo, pois terá que cuidar da mãe. Depois de mais ou menos um ano de sofrimento ela supera, mas não totalmente, isso alimentaria ainda mais a vontade de garoto de ser médico.
- Mais uma vez descumprindo os protocolos... - suspirou Hugo. - ...mas você está certo. Vamos solicitar a ficha de Vera Costa.
Então Hugo fez o pedido pelo computador e imediatamente foram respondidos positivamente. Imprimiram novamente a ficha de Vera Costa e botaram seu plano em prática. Eles podiam ver se quisessem se tudo deu certo, mas esse não era seu departamento, eles só tinham que decidir que rumo a vida de cada ser humano tomaria. Receberam mais fichas e anotaram ali os destinos. O caso dos Costa foi um caso especial, mas geralmente não há tanta seriedade nas fichas. Embora tenham que manter o equilíbrio, eles se divertem e deixam a imaginação comandar em casos menos especiais. Receberam uma Rebeca Barbosa, sonho: ser cantora, afinação: 2/10, viraria uma policial respeitada. Jhonny McGray, sonhava em se tornar um compositor, talento para tal: 9/10, porém acabou se tornando um escritor que fazia alguns raros trabalhos de compositor, não soube fazer boas escolhas, e virou um alcoólatra sem família, mas com muitos amigos. Os humanos não eram controlados por Hugo e Jerry, só as oportunidades que surgiam em suas vidas, às vezes eles não davam nenhuma, porém ainda era possível vencer com certa dificuldade, já outras vezes eles davam todas as oportunidades possíveis. Eles decidiam às vezes na sorte outras vezes para manter o mundo em equilíbrio. Não sabiam nada dos outros setores, só que deveriam fazer o seu trabalho e passar a diante. Hugo e Jerry eram grandes amigos, embora com qualidades diferentes. Se divertiam vendo as consequências de suas escolhas, mas quando o trabalho acumulava não tinha tempo para brincadeiras, e Hugo não conseguia se divertir sabendo que havia trabalho acumulado. Chegaram ao fim do dia e decidiram não pegar mais nenhuma ficha, ganharam o direito de sair mais cedo pelo trabalho com os Costa. Saíram juntos do escritório, mas foram empurrados de volta para dentro. Antes da porta se fechar podiam ouvir e ver pessoas correndo agitadas como se algo grande estivesse acontecendo. Depois de meia hora a porta se abriu mas a pessoa em si não quis aparecer, só disse com uma voz feminina:
- Agora é com vocês rapazes.
A impressora começou a funcionar fazendo muito mais barulho que de costume e demorando muito para imprimir. Eles podiam ver a ficha saindo bem lentamente, uma ficha que os fez ficar surpresos e se entreolharem. Jerry parecia eufórico e Hugo preocupado. Aquela era uma ficha que eles nunca viram antes, uma ficha impressa numa folha dourada