O desfiladeiro
Sempre fui uma pessoa realista, beirando a pessimista, além de ter episódios de mudanças bruscas de opiniões e ideais que até me deixavam zonza com a velocidade em que aconteciam, contudo, desde sempre desejei fortemente ir para o norte, por mais que todos a minha volta achassem que o oeste era melhor e evitassem o norte a todo custo, para eles o oeste era o lugar do sucesso, da felicidade e da prosperidade, sobrando para o norte, o estigma de lugar desagradável, hostil e que todos que ali estavam, era por má sorte, que não tiveram escolha ou chances melhores.
- que absurdo- eu pensava, como ninguém conseguia ver as maravilhas do norte? Por mais que fosse um caminho mais difícil, íngreme, havia recompensas e encantos sobre-humanos, mas mesmo sabendo disso, eu não falava para ninguém sobre minha vontade oculta, todos iriam me julgar e dizer que não era o certo, falar em 15 línguas diferentes 150 razões para esquecer esse pensamento, então para evitar toda essa crítica, desprezava o norte da boca pra fora e o adorava por dentro.
Segui a rota do oeste, junto com muitos viajantes, por muito tempo até tentei esquecer minhas ambições, mas percebi que fui perdendo toda minha essência, toda minha vitalidade e a vontade de existir foi se esvaindo, a cada passo que eu dava na direção oposta, não é que o oeste não fosse bom, e não oferecesse atrativos admiráveis, mas era como se eu não pudesse fazer mais nada, conquistar nada ou ir a lugar algum, antes de conhecer o norte, para mim, era uma meta de outra vida.
Certo dia, descobri uma forma de me manter, digamos que, firme no caminho para o oeste e mesmo assim, em breve poder conhecer o norte, achei o caminho intermediário, era como um atalho entre os dois, parecia difícil de acreditar que podia conciliar o socialmente imposto com o internamente ambicionado, era perfeito, mas nem tudo fica perfeito por muito tempo.
Comecei a encontrar obstáculos no caminho intermediário, certa vez era uma pedra pesada, que eu podia remover, outra vez era um riacho com correntezas, que eu podia atravessar, e tantos outros que, nem consigo lembrar nitidamente, mas que, começaram a me deixar tão cansada, desmotivada e desesperançosa, que me faziam questionar o porque de persistir fazendo aquilo, porque era tão difícil e porque todos conseguiam avançar, seja para o norte ou para o oeste, mas todos sabiam para onde ir e iam, e mesmo aqueles que nem sequer sabiam, conseguiam ir também, meu caminho parecia pior, mais cansativo e física e mentalmente mais desgastante do que o caminho percorrido por todos os demais.
Em muitas ocasiões sentei, no chão mesmo, olhei para o céu e perguntei a Deus se ele me detestava, se eu estava pagando algum crime de outra encarnação ou se ele, simplesmente me ignorava, acho que sempre fora a ultima opção, porque nunca obtive resposta alguma, apenas mais duvidas.
Até que em um dado momento, me vi diante de um gigantesco desfiladeiro, que era impossível de ser atravessado, cheguei ao limite, dali não poderia seguir, tinha que escolher se desistia de tudo e seguia para o oeste enfim, se assumia os riscos e ia para o norte ou se ficava ali, parada para sempre, confesso que chorei, passei dias lamentando, praguejando tudo e todos, sentei, abracei minhas pernas e me fechei, até que choveu, choveu tanto a ponto de eu não conseguir mais distinguir se o que molhava meu rosto eram lagrimas ou chuva, então acabei olhando para os lados, e vi que eu não estava sozinha, ali naquele mesmo ponto, na beira do desfiladeiro, haviam dezenas de pessoas, que assim como eu estavam sofrendo sem saber o que fazer, me juntei a elas.
E depois de conhecer tantas historias, parecidas e até piores que as minhas, me senti acolhida, todos ali nos sentimos acolhidos, todos juntos à beira do precipício, formamos uma família, e ouvi rumores, que muitos outros já tinham ouvido também, de que havia uma ponte, próximo dali, que nos levaria para o paraíso que todos ali buscávamos, não era bem o incrível norte, nem o tedioso oeste, era o noroeste, onde podíamos ter um pouco de cada.
Após dias e dias de caminhada, em direções duvidosas, que me faziam achar que estava completamente perdida, acabei por encontrar a ponte, mas infelizmente, não fui a única, ali já se encontravam centenas de pessoas, aguardando por sua vez de atravessar, era uma ponte minúscula em largura e imensa em comprimento, mas dava para ver bem, que após ela estava o nosso lar, eu senti.
Não posso descrever a agonia de ver que tudo que eu queria estava li, bem perto, mas não podia ser alcançado logo, eu queria aquilo imediatamente, a ansiedade era indescritível, faltava fôlego para raciocinar, assim tentei furar a fila por muitas vezes, e quando achava que estava chegando a minha vez, era expulsa do lugar e voltava para o final da fila, a impaciência me dominava, até que faltou muitíssimo pouco para minha esperada vez chegar, estava quase à beira da ponte, mal podia acreditar, já podia tocar as cordas e sentir a brisa, meu coração acelerou, os olhos se arregalaram, a boca secou e cheguei a sorrir de tanto contentamento, contudo, a pessoa à minha frente, em sua ansiedade de chegar ao final, correu e destruiu um trecho da ponte, assim fui impedida de ir mais uma vez, e enquanto consertavam o trecho me diziam –espere! Tenha paciência-.
Paciência é uma palavra linda, que faz todo sentido na teoria, mas na prática é outra história... Não posso dizer que tive um final feliz, que atravessei a ponte rapidamente após isso, e que amei o noroeste, porque ainda estou aqui, posso apenas admirar o horizonte enquanto espero, mas você pode me perguntar –porque contar uma história se ainda não sabe o fim?- e eu respondo com propriedade, que as histórias relevantes devem ser contadas enquanto ainda estão acontecendo, para que todos que estão passando pelo mesmo drama, possam se identificar e ver que não estão sozinhos, que aqui e agora tem tanta gente na mesma situação, e não apenas ler uma historia feliz ou trágica que alguém escreveu há séculos, e que agora já é tarde demais para sentir que faz parte dela.
O que eu estou aprendendo aqui, tão perto e tão longe do que eu quero, é ter paciência, é saber ver os demais a minha volta, pessoas que assim como eu querem ir para o mesmo lugar, mas que estão fazendo algo enquanto estão por aqui, no final, é tudo sobre o tempo e como você encara as dificuldades, sem olhar somente para o seu próprio pé... Porque, pensando bem, a vista daqui de cima também é incrível.
O conto, é uma adaptação da frase: "como saber quando as pedras estão no caminho apenas para fortalecer a causa e devem ser desviadas e quando deve-se aceitá-las como um aviso para desistir?", que foi escrita em um momento difícil da minha vida, e pode ser lido e interpretado de diversas maneiras, por diversas pessoas que estejam passando, da mesma forma, por diversas situações, onde o oeste é o que todos querem que você faça/diga/seja, mas o norte é o que você realmente quer fazer/dizer/ser, nem sempre é possível conciliar, nem sempre é possível seguir fingindo que está tudo bem e nem sempre é possível fazer cem por cento o que você realmente quer, mas em qualquer situação, você pode levantar a cabeça e tentar fazer alguma coisa.