A Menina e o Rato
Então ela dormiu. E sonhou com muitas coisas, coisas que poderiam ser consideradas as piores loucuras habitadas num ser humano. Não era pesadelo. Eram bobagens. Tinha visto muito filme, e a mãe já havia aconselhado que dormisse. Passou a dizer para si mesma que tinha ficado maluca quando começou a ouvir o rato falar.
"Como você é estranha, garota! Cadê o seu rabo? Como você rói as coisas com esses dentes tão pequenos? Pra que essas pernas tão longas?”
Achou o rato pouco simpático, mas havia certa graça no seu falar. Pronunciava cada palavra com ar muito superior, e quase formal. Quase formal, era verdade. Aliás, não tinha notado o seu traje fino, na bengala que trazia na mão e que reluzia. Que loucura tudo aquilo! Se contasse para o Albino, seu urso de pelúcia, ele não acreditaria. Ele continuou. Ela ouvia calada.
Com um atrevimento que até então desconhecia, resolveu conversar com o rato:
— E você, quem é?
Ele respondeu:
— Eu sou o senhor João Ratão. — A menina riu e o senhor Ratão se sentiu ofendido. "Como ousa rir de mim, garota atrevida?"
— Não foi por mal, disse simplesmente. "Mas os seus três bigodes têm certa graça." Ele não se conteve e bateu-lhe a cabeça com a bengala. Ela achou a atitude muito rude, mas como a dor não incomodava tanto nada disse. João continuou:
— Esperava outra para subir comigo, mas você deve servir.
— Subir para onde?
— Para a Terra dos Sonhos Médios.
— E como iremos? Não vejo o carro. É certo que ônibus aqui não passa, nem outro veículo algum.
— Deixe de tolice! Vamos pela escada.
Então ela visualizou a escada dourada, atrás de si, seguindo a indicação do rato. Ela sempre esteve ali? A menina teve certeza que sim... Ela sempre foi muito avoada, então não era surpresa que não tivesse percebido a presença daquela escada. "O que faremos quando chegarmos não-sei-onde?" João Ratão a repreendeu:
— Chama-se Terra dos Sonhos Médios e faremos tudo que não temos direito.
— Como assim: tudo que não temos direito?
Ele continuou, com alguma indignação: "Afinal, de onde você veio?" As palavras quase saltaram dos seus lábios, afim de lhe responder, mas o rato lhe interrompeu: "Não importa! Eu explico no caminho." E puxando a manga do seu vestidinho azul começou a lhe arrastar pelas escadas.
Ele explicou que tudo que não temos direito podia ser qualquer coisa. Podia ser os sonhos ou desejos cravados no coração de uma pessoa, que de alguma forma não se concretizam. Explicou-lhe que quando isso acontece alguém certamente morre pela metade. “Uma morre e outra fica viva”, dizia ele a respeito das metades de uma pessoa. Isso impressionou bastante a sua cabecinha, e achou tudo muito improvável. Mas seguiu ouvindo atenciosamente. Gostou bastante da parte onde ele conta que na Terra dos Sonhos Médios tais sonhos jamais morriam e seu desejo era que o caminho fosse o mais breve possível. Talvez já estivessem bem perto, porque tanto haviam subido que já se podia tocar as nuvens. Estava perto do céu. E a sensação era que seu espírito podia voar com os pássaros.
Mas antes que pudesse chegar ao final desse sonho, a vida lhe despertou. Um barulho enjoado avisava que era hora de ir para escola