O Caçador de Pipas

Seu nome: Bastião.

Sua profissão: Caçador de Pipas.

Seu endereço: Sertão da Paraíba.

Assim começa a história deste homem.

Bastião caminhava sem destino debaixo de um sol escaldante de quase 42º. Andava sem olhar o horizonte, fitando os próprios pés cheios de bolhas. Acompanhava com o olhar a trilha de uma formiga levando uma folhinha para seu formigueiro.

Lá pelas tantas, Bastião se deparou com um riacho. Sorrindo igual menino quando ganha carrinho de madeira, Bastião correu para as águas daquele oásis. Não sabia se bebia, não sabia se molhava. Resolveu fazer os dois ao mesmo tempo.

De repente, um som atrás de si.

As águas se agitaram em torno dele. O vento levantou poeira e castigou os olhos já cansados de Bastião.

Então, tudo ficou quieto. Como se nenhuma viva alma existisse sobre a Terra.

E em meio aquele mórbido silêncio, uma voz rompe a manhã como um trovão:

- Bastiãããããããoooooo!!!!

E o pobre coitado achou que tinha chegado o dia de bater as botas.

Começou a rezar a única oração que sabia. E gritava desesperado que ainda não havia cumprido o seu destino.

A voz personificou uma grande “Coisa”, envolta numa luz que brilhava mais do que o sol.

E Bastão ousou perguntar...

- Quem é tu??? O qui tu qué de eu?

A voz respondeu:

- Depende! Fostes um bom homem? Se tua resposta for sim, então eu sou o Senhor do Tempo, aquele que realiza os teus mais profundos desejos. Mas se tua resposta for não, então eu sou o Senhor da Morte. Aquele que veio te dar o teu castigo.

Bastião, branco que nem cera, respondeu com a voz num fio:

- Óia só, seu Dotô do Tempo, eu num fui um bom fíio não. Mas num foi pruquê eu num quis sê não. Foi pruquê num deu tempo de sê. Dêrdi mininu, eu tive qui saí prumodi pucurá cumida. Fui cortadô de cana lá na mia terra. Fui buscadô de carvão, siringuêro, domadô de bicho brabo, fazedô de muié filix e caçadô de pipa. Mas eu posso fazê quarqué sirviço que o Dotô tivé picisanu.

A “Coisa”, coçando o queixo, disse a Bastião:

- Hummmm. Então, você é Caçador de Pipas... Faremos um trato então. Você irá me trazer a pipa mais valiosa de todas. Se você trouxer, eu deixarei você viver. Se não, te levarei comigo. Amanhã, nesta mesma hora, venha aqui e me traga o que conseguistes. SE você conseguir. Mas nem pense em me enganar. Porque meus olhos tudo vêem.

Ainda assombrado com a aparição, Bastião saiu em busca da pipa mais valiosa. Procurou, procurou, procurou e nada encontrou. A noite já estava quase chegando e Bastião aflito não achava a tal da pipa. Desanimado, sentou numa pedra e olhou pro Céu. Por um instante, esqueceu que tinha sua vida por um fio e apenas comtemplou as estrelas. Seus olhos vaguearam pelo céu e lembrou de quando era menino e pensava em ser astronauta, só para poder ver as estrelas mais de perto.

A Lua nasceu, cheia e majestosa no céu do Sertão. E vendo Bastião ali todo tristonho, perguntou-lhe:

- Bastião, que te acontece meu menino? Por que essa aflição em teu olhar?

- Ahhhhh, minha Mãezinha... Seu Bastião tá numa sinuca de bico. Preciso achá a pipa mais valiosa pra entregá ao Dotô do Tempo, pra Ele dexá eu vivê mais um bucaquinho. Mas não acho esse diacho dessa pipa em lugá ninhum. Meu peito tá aqui apertado purquê não vou mais pudê olhá a sinhora minha Mãe, nem suas fía, as Estrelinha.

A Lua, comovida com a tristeza do rapaz, lhe disse:

- Filho meu... Vou te dar uma dica para encontrar a pipa mais valiosa... Procure no lugar onde você guarda as suas lembranças de quando era pequeno... E dito isso, ela sumiu, envolta numa nuvem negra que tomou sua frente.

O dia raiou, a hora chegou, e como era homem de palavra, lá estava Bastião a espera do Senhor do Tempo.

Novamente a água se agitou, o vento rodopiou e a voz de trovão irrompeu na manhã...

- Bastiãããããããooooo!!! Achastes a pipa mais valiosa?

Bastião se enchendo de coragem respondeu:

- Óia, Dotô, eu vascuiei todo esse sertão. Fui até aonde a Lua nasce, mas num achei a tal pipa. Mas sô homi de palavra. Num cumpri minha parte do trato. Tu pode levá eu.

O Senhor do Tempo olhou bem fundo nos olhos daquele homem. Leu a alma daquela criatura. Viu suas lágrimas ao deixar sua família para trás. Viu seu esforço tentando superar a dor do cansaço, sob o sol e a chuva quebrando pedras, lascando madeiras, sendo mordido pelos animais que tentava domesticar. Ficou longo tempo em silêncio. E quando sua voz se fez ouvir, era quase um sussurro de tão serena...

- Bastião, você realmente é um homem incomum. Não me estenderei muito, pois como você bem sabes, sou o Dono do Tempo. Você cumpriu sua parte no trato. Eu te deixarei viver. Mas de hoje em diante, aproveite melhor cada segundo de sua existência, porque ele pode ser o derradeiro. Até algum dia, Bastião...

Sem compreender, Bastião gritou:

- Espera, seu Dotô! Num tô intendendo nada. Eu não te trôxe a pipa mais valiosa. Eu não achei ela.

- Achou sim. Você me trouxe uma das coisas cada vez mais raras na raça humana: A VERDADE. Agora vá, Bastião... Vá caçar suas pipas e ajudar a construir a história da sua gente.

E Bastião, honrado e feliz, foi continuar o seu caminho.