Sem palavras
A velha casa abandonada à margem da estrada, rodeada de ciprestes antigos, ganhou um morador incógnito. A estranha figura de um homem de aparência nobre e bonitas vestes, chamou a atenção dos vizinhos. O novo hóspede não era um homem jovem. Tinha cabelos grisalhos e mãos delicadas, com dedos magros e longos. Corpo esguio e elegante, vestia roupas brancas de fino brocado, desenhada por bordados discretos e delicados.
Ninguém havia percebido a chegada repentina e misteriosa do velho príncipe, como ficara conhecido na vizinhança. A pequena casa, antes abandonada abriu suas portas e janelas para o sol do vale. Construída ao pé de um morro salteado de pedras, por onde corria um riacho que quebrava o silêncio daquele recanto imóvel e esquecido do mundo.
O novo morador instigou o mistério e, segundo as lendas que eram contadas, desde a sua chegada, o tempo havia parado naquele lugarejo. Todos os relógios do mundo, quando ali chegavam, emperravam seus ponteiros. Apenas o sol e a lua mediam o tempo quieto e invisível, na sucessão de noites e dias. O nobre morador despertou a curiosidade dos habitantes, que espantados tentavam decifrar a enigmática presença do nobre desconhecido.
Visto por alguns como louco, por outros como um andante. Ninguém sabia, nada ou quase nada, da verdadeira história do estranho vizinho. De onde viera? por que teria aparecido, assim? Como por encanto...
O velho príncipe maluco conversava com as árvores, cantava para o riacho e não gostava de responder perguntas, porque dizia alimentar-se de palavras. Abordado pelas crianças do lugarejo, pouco falava. Mas contava a elas a estranha história de que devorava palavras, justificando a falta de respostas às ingênuas perguntas feitas pela
criançada.
De tempos em tempos, colocava sua roupa de príncipe e sumia em viagens misteriosas, das quais retornava mais feliz e sorridente. Sentava-se em frente à porta, sob as imensas sombras dos ciprestes e, ali permanecia mudo e contemplativo ao longo dos dias. Aos passantes distribuía sorrisos e acenos. Nada falava de si.
Todos já estavam acostumados com as suas maluquices. Os vizinhos que passavam pela estrada, atentavam apenas para a simples presença do homem em sua cadeira. Muito tempo se passou, e a estranha figura do homem permaneceu serena, sempre na cadeira de balanço em frente da mesma porta. Lendas povoaram o imaginário dos habitantes de toda a aldeia, muitas histórias foram inventadas sobre o velho príncipe da casa abandonada.
Chegou, porém, um tempo em que as portas e janelas da pobre e velha casa se fecharam, de repente. Ninguém avistou mais o príncipe. Os vizinhos preocupados, bateram à porta. Chamaram por ele e, sem resposta entraram na casa à procura.
Dentro da velha casa, todas as coisas pareceram estar na mais perfeita ordem. Sobre a mesa, muitos papéis rabiscados. No espaldar da cadeira, atrás da porta, estava o paletó de brocado branco e um livro muito antigo, cuja capa preta guardava páginas amareladas, ostentando enormes letras douradas com o título: Manual da Criação Divina.