O MENINO QUE QUERIA TOCAR FLAUTA

Aquele menino, um pouco calado, que não era acostumado falar, a não ser quando necessário, sempre preferia observar, olhar o mundo e escutar, parecendo que o mundo tinha alguma coisa para lhe dizer. O mundo talvez não. Mas um dia aquele menino estava ouvindo uma música, vinda empurrada pelo vendo de algum lugar que parecia próximo, mas não era próximo. Pois aquele som de flauta vinha de mais longe. Não muito longe, mas era o canto do vento, um som da natureza que se misturava ao som da flauta que também era produzida através do vento soprado por algum ser humano.
Então, o menino ficou encantado pelo som da flauta, pois assim tinha identificado – sim era um som de flauta e a música também ele tinha identificado, era “Dollanes Melodies”. Aquele menino foi absorvido pelo encantamento da música caminhando em sua direção, e quando alcançou seu objetivo, ficou ali na continuação de ouvi-la até o seu final. Foi quando descobriu que ele queria era tocar flauta, e mesmo que fosse só para tocar “Dollanes Moldies”, já estaria bom. Pois ele, o menino, sabia que não tinha vocação para ser músico, e nem era o seu objetivo, mas continuava pensando... Só para tocar uma música, aquela que tinha ouvido.
E o menino que queria tocar flauta foi em busca de um de seus sonhos e correu atrás do instrumento almejado que tinha tanto lhe inspirado.
Chegou ao primeiro vendedor de flautas dizendo-lhe: Quero comprar uma flauta, que seja uma das mais fáceis para aprender a tocar “Dollanes Melodies”. O vendedor olhou para o menino e pensou, “não é fácil esse menino achar que vai aprender a tocar flauta e até tem a música escolhida... Mas já que ele quer...” Aconselhou a comprar uma flauta doce, além de ser mais fácil, é a de menor custo.
Lá saiu aquele menino achando que tinha feito a melhor compra do mundo. Já no caminho foi colocando os dedos e de forma errada em todos aqueles furinhos, soprando, com um som que saía desafinado, alguns buracos mal fechados e o sopro sem efeito sonoro estava muito longe daquilo que o menino que queria tocar flauta tinha ouvido com maestria por algum músico de verdade.
Então o menino após várias tentativas, desistiu. Não de todo, mas desistiu para pensar no que havia de errado, e chegou à conclusão que teria que aprender da forma correta. E seria como de forma autodidata, pois aquele menino era assim, um autodidata. Mas precisava ter um início, com alguém que soubesse tocar flauta, e conseguiu. Teve explicações técnicas do manuseio, como colocar os dedos, como assoprar as notas mais graves e as mais agudas, e a recomendação: tocar flauta é uma coisa pessoal, é um pouco místico e muito bom para ter uma intimidade com a natureza, e também de interagir com o mundo e ficar integrado e calmo consigo mesmo. Bem com as recomendações técnicas e envolvido pela filosofia da música, ou da flauta, o menino foi tentar tocar a sua primeira música.
Fez um retiro em seu sítio. Sentou-se em baixo de um caramanchão de maracujá, que naquele dia estava envolto por grande quantidade de borboletas, pousando e voando rumo ao nada, ou no próprio caramanchão colocando seus ovos. E o menino ficou por algum tempo vendo as borboletas, colocando seus inúmeros ovos de forma lenta, promovendo a continuação de suas vidas - que não é eterna, mas sim substituível. E elas, as borboletas, ficaram tentando ouvir aquele menino que queria tocar flauta, esperando ansiosamente pelo show.
Como um menino que queria se tornar um músico de flauta, resolveu dar início à sua investida com o instrumento. Imbuído de tempo, passou a tentar fazer sair daqueles buracos um som, que anteriormente já tinha desistido.
Ali ficou o menino durante quatro horas consecutivas, com o seu conhecimento autodidata e com os aconselhamentos adquiridos, acertando e errando os pequenos buracos da flauta, até que os dedos foram obedecendo aos comandos do seu cérebro, e as notas começaram a sentir mais melodiosas. Então o menino olhou para as borboletas com o intuito de se exibir. Onde foram parar as borboletas? Elas já tinham combinado de voar em direção a outros caminhos, além dos ouvidos atormentados pelo que tinham ouvido.
Assim o menino venceu o seu primeiro passo. Sentiu que a música também queria ajudá-lo e a flauta também queria lhe ensinar. E em breve a canção “Dollanes Molodies” já era possível ser escutada. Não de sua melhor forma, mas de uma maneira que com mais treino ela se tornaria a encantar os ouvintes, e isso aconteceu. O primeiro passo já estava cumprido, pois era isso que o menino queria. E conseguiu. Mas depois queria ir mais adiante.
O menino que queria tocar flauta não ficou completamente contente. Viu que alguns tocavam a flauta de forma transversal, e ele achava mais bonito, parece que tinha mais charme. Ele trocou a sua flauta doce, não totalmente, pois ela ficou guardada, mas comprou uma flauta transversal. Fez toda aquela pose em frente a um espelho, mas as notas não vinham, parecia que estavam escondidas, e estavam, pois não bastava ele soprar, tinha que ter embocadura para fazer o efeito do som e foi mais um longo ensaio para que esse efeito fosse conseguido. Quando ele tirou o som, viu que ele era mais alto e tinha um timbre mais penetrante. O menino seguiu com a sua flauta transversal e sempre tocando, pois a flauta estava ali, bem próxima, era só pegá-la, colocar os dedos em seus orifícios e deixar sair alguma canção.
Os anos foram passando e o menino foi crescendo, e sempre tocando a sua flauta transversal. Mais de cinquenta músicas podiam ser ouvidas. O menino era um músico, para ele, para os seus amigos, mas nunca iria se tornar um músico, digamos de verdade, mas conseguiu ir muito além do seu imaginário. A teimosia do menino autodidata foi vitoriosa.
E hoje o menino toca flauta transversal, flauta doce, flauta pan e flauta nativa americana, esta última com escala penta-tônica, tocadas inicialmente pelas tribos indígenas do oeste americano, própria para músicas meditativas.
Com o tempo o menino que queria tocar flauta e que agora toca, quis saber mais sobre as flautas, e descobriu que elas eram um dos instrumentos mais antigos, que remontam ao período neolítico da nossa civilização, ultrapassando mais de trinta e cinco mil anos a sua existência.
As flautas começaram por ter apenas um orifício, talvez as mais fáceis de tocar, depois evoluíram para três, e até oito orifícios. O número de modelos é quase que interminável e, por isso, muitos aficionados procuram ter vários tipos para ter uma variável gama de sons.
O menino que queria tocar flauta viajou mentalmente para a índia para ver os encantadores das serpentes, com suas flautas. Ele descobriu com um dos moradores mais pensantes que as cobras são surdas aos sons evolventes, e que elas se movimentam pela oscilação da flauta e também pela vibração do solo. Um mistério que não é tão misterioso, mas encantam os passantes que assistem ao show.
Nas suas andanças mentais, conheceu um índio do oeste norte americano chamado Urso Marrom, que lhe revelou uma lenda, na qual um índio apaixonado por uma virgem da sua aldeia investiu todas as suas habilidades como caçador, nadador e cavaleiro, mas não conseguia conquistar a sua amada. Quando o índio já tinha desistido de mostrar o quando era importante na sua tribo com as suas proezas e valentia, encantou e conquistou a sua namorada tocando flauta nativa americana.
E é por tudo isso que o menino queria ser um tocador de flauta. Conseguiu e ele cresceu, cresceu e parou de crescer fisicamente, mas continuou a crescer na sua idade e hoje está com 77 anos, e continua tocando as suas flautas, pois elas precisam ser tocadas...e ele também.
Scaramouche
Enviado por Scaramouche em 09/05/2017
Reeditado em 28/11/2020
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