A ARRIBAÇÃ DO DIABO.

Estava decidido, chegara a hora de assentar o facho, ficaria! Feito decisão de imperador, ficaria meu povo! Gargalhou sozinho...

Ainda naquela manhã, saiu a cavalo, rodou toda a região e achando uma bela fazenda, bem afeiçoada, da qual sabia que o dono, era um tal de João Gregório, um véio suvina e pão duro que não valia nada... Segundo sua própria neta, uma antigo sarrabuio do Caboclo. O Veio tinha morrido tadinho... " Sorte do caraí, pensou!"

Num tinha muito tempo não da batida de botas do véio, e embora a terra já tivesse comudo o caixão do véio, mal deu tempo do corpo do veinho esfriar e seus filhos e netos, já estavam se matando pra saber quem ficaria com o quê... Ô miséra!

A verdade é que somente um ou dois parentes davam valor a terra. O resto? "Basta"! Queria mais é que vendesse logo para queimar o dinheiro em besteiras e cachaça, na cidade grande onde moravam.

Pediu licença, que lhe foi dada por uma das filhas que lá moravam, uma das poucas que davam valor àquela terra. E foi deixado a vontade de cavalgar as terras livremente, e confirmou o que lhe haviam dito, as terras da fazenda eram uma belezura só! Só o açúdão, era uma mar e dizia o povo que em uma seca braba que deu e durou pouco mais de sete anos, o abençoado do açude num baixou água! E as galinhas d'água? Parecia que ele tava sonhando... Parou, olhou novamente um serrote ao longe coberto de Paus D'arcos em flor violeta, brancas, amarelas, e chorou agradecendo a oportunidade dada por Nosso Senhor.

Agradeceu a licença dada, e foi em busca do primogênito filho do velho sovina e finado, responsável pelo negócio da venda da fazenda. Lembrou de um fato que, ao sair de casa, solicitou, rogou mesmo, a sua Cigana que fizesse para o sucesso do negócio... Riu com o canto da boca... Que Acendesse uma velinha para as Almas das Estradas! Não é que deu certo?

A acertada da compra da fazenda se deu antes do sol cair no serrote vermelhão. O caboclo e sua cigana eram só alegria, embora o coração dela estivesse apertado pois sabia como seria dura a conversa entre seu esposo e seus pais...

Durante a ceia, antes dos espetáculos daquela noite, o caboclo disse: _Muiê, a coisa lá é tão abençoada, tão boa, que diz o filho do falecido dono que até ninhal de arribaçã, assenta chocada por lá... É como se fosse carne caindo do céu como diz nas antigas escrituras. E tem mais, diz o povo da região que o finado enterrou uma botija, cheia de dinheiro antigo, em moedas de ouro e prata, uma verdadeira fortuna, que um dia, numa precisão maior, Deus pode revelar a tu! quem sabe?

A Cigana, de longos cabelos negros e ancas fartas disse com seu forte sotaque galego:

_Marido, estou feliz que teñas adquirido boas terras para a nosa familia, e que alí sexa para ti, como unha terra prometida. Agora, eu prefiriria que non houbese nin este tesouro de morto enterrado alí, nin moito menos, estas pequenas aves, que o meu pobo considera de mala sorte, agourentas e anunciadoras de desgrazas, e somos prohibidos nos alimentarmos delas. Prométeme Marido, xamais vas querer saber de tal tesouro e nunca! Nunca mesmo! mexerás coas aves, deixarás elas viren, procriarem e iren ao seu tempo ... Pormeta me xa marido!

O caboclo olhou assim, meio que de revestério, ficou calado dando a entender que aceitava a promessa porém usando da esperteza sertaneja, nada disse e antes que ela pudesse cobrar dele uma palavra falada da qual ele não poderia fugir, calou a boca da mulher com uma arroxada das boas, das que ela adorava que ele fizesse quando ele ia pra cima logo rasgando o vestido, deixando-a com os fartos seios a mostra... Aí nêgo véio, acabou-se a cigana... " só conseguindo dizer antes de dar uma logo depois da ceia e antes do circo pegar fogo o seguinte:

_Meu home, a miña volcán, me posúa! me teña pois son túa! E o teu destino será o meu destino! Súa sorte será a miña sorte, ea túa desgraza ... A miña desgraza! Pero por hora, posúa-me! Pois arde meu corpo de desexo polas caricias da túa carne!

Meu velho, depois de sentar a chibata em sua amada cigana, fingindo que iriam cumprir sua promessa de não buscar botija alguma e nem de mexer com as arribaçãs, foi em busca de seu sogro e disse sem rodeios que iria ficar, assentar o facho pois tava cansado de andanças pelo mundão aforam e coisa a tal.

A reação do seu sogro foi só uma: Praga feito a muléstia! O Caboclo já sabendo que isso iram acontecer só fez dar as costas e pedindo a Santa Rita de Cássia que o livrasse de todo aquele mal conjurado. Antes do sol raiar, o circo de seu sogro sumiu da cidade. “ menos mal, pensou o caboclo”.

Assim que entrou em sua nova propriedade, o Caboclo que era homem muito do trabalhador, deixou em pouco tempo a fazenda uma belezura só. Dava de tudo pois a terra era boa e irrigada de suor e amor, aí foi que a coisa floresceu. Até dos Paus D’Arco do serrote ele cuidava, podando os galhos mortos, adubando, para sempre dá florada bonita.

Os anos se passaram e inevitavelmente veio um período de seca, e vendo a fome dá uma certa rondada na região o caboclo, sem nada dizer a sua cigana resolveu engrossar a bóia com carne de caça. Foi pro mato e de tudo sempre trazia um pouco pois sua mira tava cada vez melhor com a idade. Até que chegou as arribaçãs, fizeram seu ninhal na propriedade como de sempre e o caboclo não resistiu a tentação de saborear as bichinhas, uma tradição secular dos sertanejos e não pensou duas vezes em ir buscar algumas.

Pegou seu bornal, sua espingarda de soca, a mais apropriada para este tipo de empreitada de caça e lá foi o hômi em diração ao ninhal. Foi antes que o sol desse as caras, com as bichinhas tudo dormindo coitadinhas! O Caboclo, só esperou os primeiros raios de sol e BUUUMMMM! DISPAROU o pau de fogo em direção a ninhada que saiu em avoada em alvoroço. Apesar de tentarem fugir, quase tudinho tombou antes mesmo de atingir dois metros de vôo.

O Caboclo, todo satisfeito com o resultado de sua caça saiu catando uma por uma e logo arrancando as cabeças, a fim de não apodrecer a carne, antes de chegar em casa, onde seriam salgadas.

De bornel cheio, se pôs de volta em direção a fazenda e depois de caminhar alguns metros na caatinga, sentiu um rebuliço dentro do bornal, “vixe, pensou cofiando a barba rala de bode, tem coisa aqui dentro, será Corre campo? Cascarvel? Jararaca?”.

Parou, abriu o bornal com um galho seco que num era besta nem nada e quando pensou que não, saiu voando lá de dentro uma arribaçã das mais grandes que já tinha visto, mas, sem cabeça!!

Menino, se tivesse bosta pronta para sair o caboclo tinha se cagado todinho!

Ô medo da muléstia! O caboclo ficou tão atordoado que saiu correndo caatinga aforam sem rumo, e a danada sem cabeça em seu encalço, soltando uns piados agourentos, diferente mesmo, parecendo um assoviado do Satanás.

Lembrou do que sua cigana havia dito, só que agora não dava para voltar atrás. Parou, e notou que a infiteta da arribaçã do diacho parou também... E deu um piado que ele entendeu que ela tava chamando ele de corno!!! Ah filha da puta!!!! Aí nego velho, foi demais... Além desta ofensa, ela ainda balançava as asinhas como que chamando ele para a luta e partiu num voo rasante para cima dele!

_Felá da puta! Gritou! Tu vai ver com quem tá bulindo fía do cão!

O Caboclo se escondeu dentro de um espinheiro, quase se rasgando todo e preparou um segundo tiro, a danada só rondando lá do céu e piando como se fosse passarinho de cria do demônio.

O Caboclo nunca adentrava mato só com um tipo de arma e sacou de seu ombros uma papo amarelo, herança de um parente seu do tempo do cangaço, esperou a danada cansar e assentar num galho de Jurema... Esperou um pouco e a danada assentou. Ai, ele meteu fogo!

 

O tiro foi tão certeiro que a danada caiu tesa, só o bocal, quase sem carne da potência do tiro.

_Venci sua desgraça do diabo, gritou... Venci! Correu antes que a danada envivecesse de novo e desta vez cumpriu outra tradição dos sertanejos caçadores, abriu o corpinho já esfacelado da danada e comeu o coraçãozinho dela cru mesmo, a fim de manter sua pontaria boa e garantir que, sem coração ela estivesse morta, mesmo sendo uma ave de estima do capeta.

Depois deste imprevisto, se colocou a caminho de casa e quando estava quase chegando, sentiu um novo rebuliço no bonal... “Né possivi”, parou e desta vez abriu com as próprias mãos o bornal e o que viu quase o fez desmaiar: Todas as arribaçãs de dentro do bornal, já sem cabeça, e lideradas pela sem cabeça e sem coração saíram em revoada, piando feitos loucas, gritando seu nome!!!

Coisa que pouca gente sabia... cercaram o pobre e ficaram voando ao redor dele enquanto ele se pegava com todos os santos que conhecia, até São Benedito, santo preto, que ele nem gostava muito pois achava muito escurinho. Mas de coração bom e branquinho...

De tanto rogo as danadas resolveram ir embora más não sem antes deixar uma lição: cada uma delas deu um rasante e deu aquela pratada de merda na cabeça dele, mostrando que ele podia ser bom de mira, mas quem infringe as leis da natureza num passa de um bosta!

Resignado, o caboclo todo cagado de merda de arribaçã olhou para a sede da fazenda e viu sua cigana só olhando, e seu olhar dizia tudo... “ "Me fudi!" pensou caminhando para casa, agradecendo a São Benedito...

Bem que ela me avisou...

ELIZIO GUSTAVO MIRANDA DOS SANTOS
Enviado por ELIZIO GUSTAVO MIRANDA DOS SANTOS em 16/02/2017
Reeditado em 11/07/2017
Código do texto: T5914129
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