O Gato Travesso
Miau Miado Mieiro era o nome do bichano! Um amigo de algumas primaveras encontrara o coitado quase desfalecido sobre a calçada, miava que tal qual, só poderia ser Miau, miando à sombra que o cobria por um instante dos raios de um sol em um dia quente. Miau miou até que a sombra ganhasse forma e o levasse em segurança. Em tempos de circo há de se ter cautela em deixar um gato perambulando ao azar, pode ser o felino de um feiticeiro, ou até o próprio em quatro patas, ou talvez, um gato de estrada. Sabido da importância do indivíduo desconhecido, meu amigo me contatou para ajudarmos o pobrecito que aparentava ter sido intoxicado sabe se lá, se por maldade, ou por falta dela. Ao chegar ao determinado encontro, recebeu-me na porta o amigo, explicando sobres as frágeis condições do gato, que quando olhei ao chão vi tão somente quase um filhote de rato magro, de pelos negros ralos, com manchas brancas no peito e nas patas, e ainda miava. Após os primeiros socorros decidimos leva lo à um curandeiro, pois as expectativas eram baixas, assim como a temperatura do corpo deitado. Preparados para partir, encontramos mais um amigo que em seu tom comediante nunca falha e logo se pôs a compartilhar a missão. No local a renda para manter todos os pacientes eram baixas e por isso era necessário uma contribuição para que ficassem sob os cuidados, mas o bichano já quase não respirava e até se cogitou se era mesmo de interesse tentar, pois as patinhas já estavam enrijecendo a temperatura só caía estava quase perdendo a consciência… Não me importava quem fosse, quando veio ao nosso encontro, estava indo à algum lugar, e não imagino de onde veio, mas sei que ele começou algo que precisa terminar. E lá ficou internado. Espalhamos a notícia e logo toda a vakinha foi formada com ajuda de todas as formas, e muitas preces foram feitas para que ele se recuperasse para encontrar seu destino. Mas até onde os gastos iam o gato não poderia mais ficar sob cuidados pagos. Por isto tivemos de hospeda lo em residencia própria e ele passou dias em minha casa. Decidi não me apegar por se tratar de um desconhecido que ao se recuperar partiria, mas em casa, breve isso já não parecia.
Após quatro dias de recuperação o coitadinho voltou para casa, e la estava ele, cambaleando, procurando um canto que pudesse cobri lo, buscando ao mínimo possível de segurança de tudo desconhecido. Tomou chá pra curar, chá pra ajudar tomar chá pra curar, e chá pra ajudar chá que ajuda tomar chá pra curar. O bicho no início mesmo comigo, era assutado de “ôi” arregalado, se escondia nos cantos, e ainda parecia dopado. Curioso que sou, fui até de se imaginar de onde vinha tanta resistência para se manter vivo, tudo que lhe pertencia era a vida, e isso era tudo que lhe fosse necessário para defender tudo que tinha. Seria ele um prisioneiro agora fugitivo, mantido os poucos dias de sua vida em cativeiro sob tortura? Ou seria um mensageiro astral atravessando as barreiras físicas para cumprir uma missão singular? Ou ainda que fosse nada extraordinário, um bichano de passagem ingenuo e mal acostumado, resistindo as dores e sobrevivendo com ousadia mais alguns dias nessa terra de poucos… Percebi que se tratava de sincronicidade, e talvez não fosse somente ele que precisasse melhorar. Desconfiei por vezes que aquilo se tratava de destinos, e que um mais um era plural.
A cada refeição comia como se fosse a primeira vez, e três noites bastaram para que o felino manso escolhesse a cama para descansar. Um dia, olhando no armário o que tinha para comer, escolhi todas a opções e preparei para mim o que poderia chamarmos de banquete, quando o vi ali cheirando seu prato de comida simples. E por isso me pus a encontrar tudo que fosse de seu paladar, e preparei a ele também um banquete para que pudesse me acompanhar. Naquele dia ficamos empanzinados e deitamos com a barriga para cima observando o tempo passar. Depois de algumas semanas quando já quase havia se recuperado completamente, feito ser independente, de sua própria espécie, o gato olhava pela janela fosse dia ou fosse noite, como se o que buscasse estivesse do lado de lá, do lado de fora, onde fica o além: os primeiros sinais de que era chegada a hora da despedida.
Por consideração procurei considerar prepara lo para seguir, e entre as opções escolhi um senhor que vive sozinho com outros gatos em uma casa com horta bonita. Não por acaso escolhi meu pai, afinal, quando penso em mim, quem melhor que ele para criar alguém? E para lá seguimos viagem pelas estradas selvagens, para cada minuto uma aventura, a certa atualidade que tudo era novo para todos.
Assustado, o coitado logo fugiu ao chegar, mas eu, mesmo preocupado, precisava confiar. E naquela madrugada ele voltou e dormiu nas redondezas, assim como eu. Na madrugada seguinte se repetiu. Mas ele sempre fugia durante o dia, e voltava somente a noite, típico. Gostava ele daquele lugar, daquela oportunidade, já não procurava tanto por mim. Parecia tudo acertado quando decidi partir e parti, nem houve formalidade na despedida. Mas na madrugada seguinte as notícias já eram um pouco preocupante, os gatos intrigados não gostaram muito do forasteiro, e tentaram expulsá lo a unhas e gritos, ou somente apresentar a hierarquia daquelas terras. Viajei novamente afim de encontra lo caso precisasse de alguma ajuda, caso quisesse voltar e escolher outro lugar, mas naquela noite, ele preferiu me vigiar de longe, como se já tivesse escolhido o que queria para si. Gosto de pensar assim, porque de fato ele não quis vir à mim. E este foi até então, o nosso último encontro.
Eu que decidi não me apegar, tive de aprender a desapegar, a confiar em mim, e principalmente nele. Tive de libertar, e de fato, é doído amar sem dominar. Amar sem conhecer. Amar sem interesse. Amar de só amar. Às legiões que me acompanham pedi que o vigiasse, que o guiasse e protegessem o felino, sei que posso confiar. Quem me veres pelas praças sabe o quanto admiro a arte de uma pele bem tatuada, mas confesso que neste caso, foi a primeira vez que tatuei a alma.
E pode ser que um dia andando por esquinas em uma noite de lua cheia, passando por um beco escuro, você também escute uma lata sendo virada ao chão por um gato negro, que talvez seja ali, Miau Miado Mieiro, o gato travesso.
Aventura real narrada com carinho e magia.
Ao som circense: https://www.youtube.com/watch?v=rthTAjqaTzU&t