O HOMEM
Eis o Homem! Eis aqui aquele a quem vos entregastes suas vidas. Eis, eis o cordeiro no cadafalso, eis a triste figura que carregará, para todo sempre, as vilanias com que vos, como porcos chafurdando, rosnam asneiras como verdades absolutas. Serão vos, eu garanto, os que sacrificarão, para todo o sempre, esse homem. Esse homem, bem dito homem, será elevado às alturas como santo para que vos, tomados das mais abjetas sandices, saiam por aí ruminando a fé que nem em vos habita. Serão vos, em nome desse homem, que roubarão do miserável o pão, para que vos, embolados em falsos dizeres, levarão ao cofre o suado vintém, daquele que lhe deu ouvidos. Bestas! isso é o que vós são. Aproveitadores da fraqueza do irmão desesperado. Então, eis o Homem! O homem que vos elevaram às alturas e lá o manterão por todo o sempre. Então eu os condeno, os condeno à pena mais temível que há. Eu os condeno à pena do desprezo, eu os desprezo!
E dita essas palavras, o silêncio reinou naquele templo. Nem aquele que se dizia discípulo do criador - e assim fizera sua fortuna - se atreveu a pronunciar palavra. Algumas pessoas, tomadas de assombro e incrédulas ao que acabaram de ouvir, não se dispuseram nem uma sílaba. Por outro lado, ao fundo do templo um homem de compleição física miúda e gestos cansados - parecendo alguém que já vivera tempo mais que desejado e vira coisas estranhas à espécie humana, esse homem, em tudo igual a todos os homens, não desfrutava do menor assombro que tomara conta daquela cordeira multidão -, sai do seu lugar em direção ao discípulo que pregava minutos antes. Diante dele, apenas um gesto, um gesto suave, porém firme, dissipou o silêncio. O homem/discípulo, sem medir palavra, porém muitos movimentos de braço, num arroubo de arrogância somado à truculência, caminha em direção ao pequenino ser. Não hesita em apontá-lo como o enviado do submundo; aquele a que se deve temer porque nele habitam a inveja, o escárnio diante de Deus. Não fosse só isso uma afronta aos desígnios divinos, aquele homem - ele aponta para o pequenino - traz sob sua pele, o lobo que devorará a esperança e a fartura no reino do senhor. O pequenino homem, diante dessas palavras, olha a sua volta. Todos o olham. Alguns, quando defrontado com os olhos dele, tampam os seus para evitarem o feitiço anunciado pelo discípulo. Porém, sem muita demora, uma quantidade grande de fiéis - homens, mulheres e crianças - avançam. Chutes, tapas e xingamentos são desferidos. Ao fim de tudo, quando o silêncio se instalou, banhado em sangue, no centro do templo, o pequenino homem jazia. Era mais um corpo sem vida. O homem/discípulo do templo? Saiu, no seu carro importado, acariciou a bíblia e sorriu um sorriso miúdo com o canto dos lábios.