952-A NOVIÇA REBECA

Ninguém sabia por que cargas d’água Rebeca entrou para o convento. Aos dezenove anos, em pleno viço de sua juventude, resolveu ser freira. A mãe, carola de frequentar a missa todos os dias, viu com satisfação e alívio a decisão da filha, pois a eximia de qualquer responsabilidade com relação ao futuro da filha.

Linda, longos cabelos negros emoldurando um rosto suave e oval, olhos negros como duas jabuticabas, lábios sensuais e porte altaneiro, destacando os seios empinados, bastante volumosos, harmoniosos com o corpo, era o sonho e paixão não revelada de inúmeros rapazes. Bastante viva, estudara até os dezoito anos o suficiente para não ser reprovada. Gostava de passear pelas ruas e pela pequena praça central, a qualquer ora, flertando sensualmente com os rapazes com os quais cruzava olhares.

O pai, sisudo e realista, só fez um comentário:

— Vai por o convento de pernas pro ar.

A madre superiora, coitada, sabendo da “vivacidade” de Rebeca, simples e humilde, aceito-a de bom grado, dizendo:

— É mais um milagre de Deus.

omo noviça, foi designada para trabalhar com a Irmã Constância do Espírito Santo na cozinha do convento. Como era expedita e conhecedora de todos os locais da cidade, a Irmã Constância a enviava, bem de manhã, a fazer compras de verduras e legumes frescos e outras necessidades para o preparo do almoço.

Em uma dessas ocasiões Rebeca voltou afobada, as verduras misturadas com caixinhas de tempero e com os legumes. Colocou a cesta sobre a mesa da cozinha, arranjou as mechas dos cabelos que saia pela beirada da touca, e ajeitou a roupa, passando a mão por umas partes que estavam amarfanhadas.

— Você está bem? — perguntou a irmà cozinheira.

— Estou. — respondeu Rebeca. — Só preciso um copo d'água pra refrescar e sentar uns minutos no banco para descansar. Foi uma corrida e tanto...!

— Corrida? Que aconteceu? Algum cachorro te perseguiu?

— Nada, irmã Tancinha.

— Irmã Constância, nada de apelidos.

— Pois é, Irmã Constancia. — Havia um tom mordaz em suas palavras. E despejou, aos solavancos, entre goles d’água, o relato do que lhe havia acontecido.

— A senhora sabe, esses rapazes não se conformam porque vim ser freira. Não se cansam de me olhar com trejeitos e piscadelas, acenos e cumprimentos debochados. Não me importo com isso. Mas hoje, o Zeca Manguito exagerou. Me pegou de jeito num cantinho do jardim, entre as árvores, onde ninguém podia me ver, me agarrou com força os braços e me disse: “Levanta a saia!”. Eu tremia, mas falei decidida: “Pode me largar, está me machucando os braços.” Então, ele largou meus braços e levantei a saia. E falei prá ele: “Agora, pode abaixar as calças, prá ficar mais fácil.” Ele desafivelou o cinto e deixou as calças descerem até a canela. Quando ele voltou pra me agarrar de novo, corri, apanhei o cesto de verduras e dei no pé.

— E ele, não te pegou?

— Ora, Irmã Constância do Espírito Santo!!! Quem a senhora acha que corre mais? Uma freira de saia levantada ou um homem de calças arriadas?

ANTONIO ROQUE GOBBO

St. Charles, MO, EUA, 14 de junho de 2016.

Conto # 952

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 26/01/2017
Reeditado em 31/01/2017
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