VOLTAS DO MUNDO

Voltas do mundo

O mundo é cheio de voltas, uns dizem que é redondo, outros dizem que é oval que dá voltas ao redor do sol e que é o lugar onde reside a raça mais inteligente do universo, dentre outras qualificações. Até dizem alguns que é o paraíso, onde todos são felizes. Pois bem, eu sou dos felizes moradores desta terra e resido num lugar paradisíaco. Assim sendo do interior do meu paraíso, um belo lugar ao sol e com muita sobra e água fresca, resolvi dar umas voltas, visitar uns compadres, rever os afiliados, comer algumas iguarias de que desfrutavam meus amigos quando em casa. Sempre vivi solito e não me apetecia casar agora, bastvam-me algumas faras vez ou outra. Mas tinha os amigos. Encilhei meu cavalo zaino, bem cuidado, arreios impecáveis, botei meu poncho na garupa, pois chuva nunca faltava no rincão. Chapéu de aba larga, um facão e uma pistola Colt 45 que sempre me acompanhavam. Montei de manhazinha e segui caminho na direção da Toca, onde moravam meus amigos, compadres e suas famílias. Era longe, pretendia chegar lá perto da noite, se alguma china não me atrapalhasse o caminho usando seus artifícios perfumados, sabem como são essas coisas. Antes de sair, tomei chimarrão, comi um churrasquito na brasa, tomei um café forte e segui viagem ao trote lento. Depois de cerca de duas horas e meia avistei a venda do Gaúcho, um casarão de madeira, cor verde, sem letreiros, mas conhecido de muitos, e onde tinha um vinho bom para a garganta seca dos viajantes. Apeei e fui para o balcão. Buenos dia me cumprimentou o Gaúcho com seu vozeirão, se achegue paisano. Respondi buenas e disse, me sirva um copo de vinho doce e mande assar uma linguiça. Muito bem, respondeu Gaúcho com educação e já serviu o vinho, gritando logo pra prenda, asse rápido uma linguiça pra este homem Maria. Puxei uma cadeira e fiquei bebendo o vinho, alguns minutos depois Maria serviu-me uma linguiça assada, garfo e faca. Comi com sofreguidão, bebi o vinho e, como já passado do meio-dia, peguei um pelego e deitei-me um pouco à sombra do cinamomo. Quando acordei já passava da uma da tarde, paguei a conta, me despedi de Gaúcho e segui viagem ao tranquito. Ao final da tarde, como previa cheguei na Toca e na primeira residência que era justamente a casa do compadre Pedro. Estava quente, afinal o local situava-se entre alguns morros. Gritei oh de casa e do galpão saiu um homem que me olhando falou, é o compadre Bento, passe pra diante compadre, a casa é sua, deixe que os guris desencilham o cavalo. Apertei a mão do compadre Pedro e aceitei o chimarrão que ele me ofereceu. Logo apareceram dois guris taludos, meus afilhados Pedro e Manoel e uma menina ainda pequena. Os dois guris me pediram a bença padrinho e abençoados pediram licença e foram cuidar do cavalo. Logo chegou a comadre Marta, a mãe das crianças e amor eterno do compadre Pedro que, diziam, largara tudo por ela. Me disse adeus com alegria, aguardou para tomar um mate e pediu licença dizendo hoje terá um arroz com galinha daqueles para visitas que custam a aparecer. Agradeci a atenção e segui chimarreando com o compadre Pedro, conversando, contando histórias, dizendo que vivia tropeando, domando cavalos e tal. Como o senhor sabe compadre, vivo aqui há muito tempo e não quero vida melhor, disse-me Pedro, como se explicando, Marta é uma grande mulher, deu-me esses filhos maravilhosos e não quero mais nada do que isso, além do mais ganho bem com as domas e planto arroz e milho, fora a horta da Marta, um chiqueiro de porcos e galinhas, muitas galinhas carijós. Não preciso me queixar. Respondi-lhe que sempre soube que eles estavam bem, diziam os viajantes, vendedores e carreteiros de carvão que passavam para a cidade e acampavam em minhas terras. Sabia que ele era feliz. Era um antigo companheiro e me aprazia vê-lo feliz. E assim passou o tempo. Comadre Marta mandou Pedro, meu afilhado avisar que o arroz estava quase pronto e que a mesa de truco e a canha já estavam à disposição. Compadre Pedro levantou-se rápido e disse vamos passar compadre Bento,”to´com vontade de te surrar no truco, riu muito, eu também ri e seguimos. O cheiro do arroz era de fazer o estômago esvaziar para esperar o melhor. Deixei ele ganhar umas duas partidas, as crianças ajudavam a botar a toalha na mesa, bebemos uns goles de canha. Falamos muito. Comadre Marta gritou, homens venham jantar. Não precisou de muitos argumentos e nem de muito tempo para estarmos à mesa, sorrindo, falando e comendo aquela galinhada feliz. E a rapa mãe, falou Pedro. Pedro, respondeu a mãe, a rapa é de quem pegou a galinha no galinheiro e desta vez foi Manoel. Este, dono de uma grande generosidade respondeu que comeria a metade e a outra metade seria de Pedro. Rimos muito. Havia ainda o osso da sorte que compadre Pedro pegou de um dos pratos e me ofertou, com respeito ofereci a disputa com a menina menor, Martinha, e com elegância perdi a parte maior pra ela. Todos rimos. Compadre Pedro e eu fomos tomar vinho e jogar truco. Desta vez sim, ganhei muito dele. Comadre Marta trouxe doces e depois, cama, que já estavam todos bocejando. Compadre Bento não dorme no galpão, disse Pedro, o quarto de hóspedes é seu por direito. Logo todos estavam ressonando e roncando muito. Acordei altas horas ouvindo o ranger da cama de molas e gemidos contidos. Casa pequena. Quem conhecia o compadre Pedro sabia de sua fama de conquistador e se estava tanto anos com comadre Marta é porque ela o satisfazia em tudo. Ri e dormi outra vez .Ouvi murmúrios e levantei. Compadre Pedro já acendia o fogo, botava uma cambona e pegava a cuia. A erva-mate era nativa preparada pelo povo dali. Lavei o rosto, os dentes e entrei na cozinha. Disse bom dia, compadre respondeu bom dia, sentei num cepo. O primeiro mate veio como um sopro de vida, o chimarrão tem dessas coisas, é um doce amargo que revigora àqueles que o amam e conservam a sua tradição. Compadre Pedro, disse-me que se concordasse iríamos dar um passeio em casas de inúmeros amigos, compadres e conhecidos das redondezas. Mandei arrear um cavalo dos meus enquanto o seu descansa e pasta depois dessa longa jornada.Dito isso meu afilhado Pedro veio com um alazão já pronto para montar. Compadre Pedro preparou uma charrete muito bonita, com lugar para ele, sua esposa, Martinha e Manoel.Meu afilhado Pedro não houve jeito, preparou seu petiço e montou rápido, igual ao pai como bom filho. Seguimos. A primeira casa era de Joaquim, antigo companheiro nosso, de farras, tropeadas e rodeios. Não me digam que encontraram Bento por aí, disse ele. Feliz gritou a um empregado, rápido, vá buscar uma ovelha que Bento gosta do antigo churrasco que eu preparava. De fato, Joaquim preparava a carne de forma que ninguém nunca reclamou. Vamos chamar os outros disse. Jacó, pegue um cavalo e vá avisar aos amigos que Bento está aqui e que venham comer e beber com ele. Assim o empregado fez, enquanto Joaquim mesmo carneou a ovelha e começou a assar, bem lentamente, em fogo leve, como reza a tradição. Os amigos foram chegando e dentre eles Dagoberto, que fazia cordas, chamado guasqueiro na linguagem rural, trazia sua esposa, um filho e uma moça elegante. Tarsila, este é um amigo e antigo companheiro de trabalho, domador, peão no campo e solteiro. Ainda é solteiro que eu saiba. Acenei que sim, enquanto a linda moça disse prazer. Aquela palavra suave soou como como algo que nunca tinha ouvido. Contemplei-a e permaneci em sua contemplação, não conseguia olhar para ninguém, nem para lado nenhum. Não ouvia nada nem ninguém, mesmo o grande número de gente naquele momento e já um ronco da gaita do Marcelino não me sensibilizavam Acorda apaixonado, gritou um dos amigos. Sacudi a cabeça e voltei ao normal. Agradeci as boas vindas e saí para refrescar. Parei sob um cinamomo, boa sombra, alguém me trouxe um trago, nem vi quem era, pois era ela, Tarsila. Perguntou se podia ficar ali, entregou-me um copo de canha e bebeu um refresco colorido. Chegou o almoço, carne do chibo como sempre no capricho, salada s e cuca. Todos comeram, riram e beberam muito. Tarsila manteve-se discreta. Marcelino começou a tocar, vaneras, vanerões, tangos, rancheiras, quando a voz dela veio me atormentar perguntando se queria dançar. Claro que queria dançar, com ela se por justiça. Começamos a bailar e Marcelino tocou um tango. Nos enlaçamos como se há muito nos conhecêssemos e não nos víssemos também há muito. O tango parou, Marcelino começou uma rancheira e ninguém dançou, olhavam para mim e Tarsila parados a nos olhar. Não me contive e gritei, chamem o padre, por favor. A risada foi geral, calados ficaram quando uma voz disse, já estou aqui irmãos. Assim Bento e Tarsila casaram-se, o cavalo de Bento ficou no campo do compadre Pedro. Por óbvio uma benção porque ali todos eram religiosos e tementes a Deus. E você vai casar depois! Gritou alguém. Claro que sim. Tarsila ainda foi para sua casa, arrumar seus pertences e de madrugada a peguei na carroça do compadre Pedro, puxada pelo melhor cavalo dele e fomos para o agora nosso rancho. Essas são algumas das voltas do mundo, existem outras.

drmoura
Enviado por drmoura em 22/01/2017
Código do texto: T5889698
Classificação de conteúdo: seguro