MISSÃO SUBURBANA - CONTO FANTÁSTICO DE NATAL
Há três anos completei dezoito de vida. Por muito tempo eu ensejei por esse momento. Confesso que me decepcionei um pouco. Nada de novo após o dia do meu aniversário.
Tratei de rapidamente conseguir meu primeiro objetivo, a habilitação para moto. Há dois anos comecei a cursar engenharia civil em Manhuaçu, distante a 110 quilômetros da minha cidade, e gasto meu pequeno ordenado que ganho, como balconista em uma loja de material de construção, entre mensalidades na faculdade e economias para adquirir ao menos uma 125 cc.
Outra conquista importante, para um jovem de vinte e um anos, é o cartão de crédito. Pareço inserido agora no mundo capitalista. Só falta um motor para eu me locomover. Não é fácil para um morador do morro. Somos identificados com a violência que aqui campeia, sobretudo agora, que há tráfico declarado e o controle feito pela turma do movimento.
Pego meu smartphone e começo a vasculhar uma moto nos sites de compra e venda, tipo Mercado Livre. Vou vasculhando com cuidado.
Encontro uma filezinha, seminova, com preço muito em conta. Anoto o telefone de contato. Não é de uma cidade longe. Tomara que o dono me atenda. Vou pechinchar um pouco, vê se sai mais em conta.
Pechincha feita, negócio fechado. A moto sai mais barata que eu esperava. Todas as minhas condições são aceitas. Assusto-me. Nenhuma imposição por parte do vendedor. Lembro-me do ditado popular: Santo quando vê muita esmola, desconfia.
Combinamos que ele vai entregar-me a moto na faculdade depois de amanhã. Preciso de um dia para ir ao banco e levantar a grana e ele fazer a transferência dos documentos.
No banco, nenhuma dificuldade. Levanto a grana que preciso.
Chega o dia. Assim que desço do ônibus, lá está o sujeito conforme ele se descreveu. Baixo, de jaqueta de napa, capacete na mão. Até o capacete virá junto com a moto. Os documentos já transferidos por eu ter passado os dados para ele. Muita gentileza da parte do vendedor. Entrego em um envelope o montante. Se eu contar como foi fácil, não haverá ninguém que não desconfie que eu esteja mentindo. No mínimo, eu estou aumentando os fatos.
Não assisto às aulas do dia. Ansioso, pego minha moto e retorno para Mutum. A certa altura acelero. A moto começa a sair do chão e decola. Acho estranho. Subi até ganhar as nuvens. Aí pego uma velocidade incrível, parece ser aquelas naves do Star War. Devo estar na velocidade da luz.
Em menos de dois minutos eu estou em um lugar muito frio, em frente a uma casa humilde, coberta por neve. Minha moto virou um trenó puxado por dois pares de renas. Desço da moto e bato palmas. Um anão vem me atender.
- Pois não. – Fala a minha língua.
- Não estou estendendo nada. Estava voltando para casa e vim parar aqui. – falo meio gaguejado.
- Chefe, o brasileiro chegou. – diz com o rosto voltado para dentro da casa.
Aparece um senhor idoso que reconheço como Papai Noel. Exclamo:
- O senhor parece o Pa...
- Papai Noel. Sim, sou eu. Você está na Lapônia. Entre, aí fora está muito frio.
Entro e ele foi logo falando assim que me sento.
- Você foi escolhido para estar aqui. Sua moto é mágica. Ela é que te trouxe. Você vai voltar e vai transmitir dois recados para o chefe do movimento na sua comunidade: Ele quer impedir a igreja de fazer a entrega dos presentes de natal para as crianças, diga a ele que não impeça. O segundo recado é para ele suspender a distribuição de drogas durante os festejos de natal e ano novo.
- Eu? Como?
- Vá até ele e diga o que eu estou mandando. É uma missão.
Quero perguntar mais. Mas o velho e mais três anões se recolhem no outro cômodo me deixando sozinho.
Saio da casa e entro no trenó, as renas começam a correr. O fenômeno ocorre de forma inversa. Volto para a estrada no mesmo lugar em que a moto voou. Parece uma alucinação, mas é real. Eu vejo, eu sinto.
Chego afoito em casa. Ainda são 22h15. Resolvo ir ao encontro do chefe do tráfico, conhecido como chefe do movimento.
- Quero falar com o chefe.
- Pode dizer que eu transmito. - Fala o rapaz que faz a guarda da sede.
- É um recado direto.
Diante agora do chefe armado e sorridente, eu tremo.
- Trago para você dois recados do Papai Noel.
Gargalham tanto da minha cara que chegam a babar.
- Verdade. Se você não deixar o pessoal da igreja distribuir os brinquedos e não suspender a distribuição durante as festas natalinas e de final de ano, você não terá mais mercadoria.
- Sai daqui moleque. Parece que fumou baseado vencido. Tá malucão. Não temos tempo para isso.
Saio da sede do movimento meio cismado com a situação. Nunca tinha feito um papel tão ridículo.
Manhã do dia seguinte. Acordo da noite mal dormida. Assim que piso do lado de fora, vejo dois caras do movimento no portão.
- O chefe quer falar com você. – Levam-me até ele.
- Que palhaçada é essa, garoto? Que história é essa de Papai Noel me enviar um recado?
Conto para ele toda aquela maluquice da noite anterior. Como eu tinha comprado minha moto e o que aconteceu na estrada. Ele me ordena que eu o entregue a moto. Tive que atender.
Ele me retém na casa enquanto um de seus comandados sai na minha máquina mágica.
Durante esse tempo fico sabendo que toda mercadoria dele tinha virado balas, doces e pirulitos.
Quando o comandado volta, ofegante, conta que passou pelo mesmo que eu. Ele havia se encontrado com o Papai Noel. Até a transformação da moto em trenó e renas é constatada.
- E aí gente. O Mané também tá pirado.
- Não é piração não, chefe. Eu vi, eu senti. Os recados são os mesmos de ontem.
Sou libertado. Arrumo uma desculpa no trabalho para a minha falta naquele dia. Não vou também à faculdade. É final do período e minha situação já está resolvida em todas as disciplinas.
Chegando o natal, percebo a comunidade bem alegre. Há distribuição de brinquedos pelo pessoal da igreja. No ano novo é a vez do pessoal do movimento distribuir brindes entre as crianças. Parece que há uma trégua na distribuição da mercadoria. São dias de paz na quebrada. Se eu contar como foi difícil para eu fazer parte dessa missão, não haverá ninguém que não desconfie que eu esteja mentindo. No mínimo eu estaria aumentando os fatos. Dirão que é tudo fantasia da minha cabeça.
Tratei de rapidamente conseguir meu primeiro objetivo, a habilitação para moto. Há dois anos comecei a cursar engenharia civil em Manhuaçu, distante a 110 quilômetros da minha cidade, e gasto meu pequeno ordenado que ganho, como balconista em uma loja de material de construção, entre mensalidades na faculdade e economias para adquirir ao menos uma 125 cc.
Outra conquista importante, para um jovem de vinte e um anos, é o cartão de crédito. Pareço inserido agora no mundo capitalista. Só falta um motor para eu me locomover. Não é fácil para um morador do morro. Somos identificados com a violência que aqui campeia, sobretudo agora, que há tráfico declarado e o controle feito pela turma do movimento.
Pego meu smartphone e começo a vasculhar uma moto nos sites de compra e venda, tipo Mercado Livre. Vou vasculhando com cuidado.
Encontro uma filezinha, seminova, com preço muito em conta. Anoto o telefone de contato. Não é de uma cidade longe. Tomara que o dono me atenda. Vou pechinchar um pouco, vê se sai mais em conta.
Pechincha feita, negócio fechado. A moto sai mais barata que eu esperava. Todas as minhas condições são aceitas. Assusto-me. Nenhuma imposição por parte do vendedor. Lembro-me do ditado popular: Santo quando vê muita esmola, desconfia.
Combinamos que ele vai entregar-me a moto na faculdade depois de amanhã. Preciso de um dia para ir ao banco e levantar a grana e ele fazer a transferência dos documentos.
No banco, nenhuma dificuldade. Levanto a grana que preciso.
Chega o dia. Assim que desço do ônibus, lá está o sujeito conforme ele se descreveu. Baixo, de jaqueta de napa, capacete na mão. Até o capacete virá junto com a moto. Os documentos já transferidos por eu ter passado os dados para ele. Muita gentileza da parte do vendedor. Entrego em um envelope o montante. Se eu contar como foi fácil, não haverá ninguém que não desconfie que eu esteja mentindo. No mínimo, eu estou aumentando os fatos.
Não assisto às aulas do dia. Ansioso, pego minha moto e retorno para Mutum. A certa altura acelero. A moto começa a sair do chão e decola. Acho estranho. Subi até ganhar as nuvens. Aí pego uma velocidade incrível, parece ser aquelas naves do Star War. Devo estar na velocidade da luz.
Em menos de dois minutos eu estou em um lugar muito frio, em frente a uma casa humilde, coberta por neve. Minha moto virou um trenó puxado por dois pares de renas. Desço da moto e bato palmas. Um anão vem me atender.
- Pois não. – Fala a minha língua.
- Não estou estendendo nada. Estava voltando para casa e vim parar aqui. – falo meio gaguejado.
- Chefe, o brasileiro chegou. – diz com o rosto voltado para dentro da casa.
Aparece um senhor idoso que reconheço como Papai Noel. Exclamo:
- O senhor parece o Pa...
- Papai Noel. Sim, sou eu. Você está na Lapônia. Entre, aí fora está muito frio.
Entro e ele foi logo falando assim que me sento.
- Você foi escolhido para estar aqui. Sua moto é mágica. Ela é que te trouxe. Você vai voltar e vai transmitir dois recados para o chefe do movimento na sua comunidade: Ele quer impedir a igreja de fazer a entrega dos presentes de natal para as crianças, diga a ele que não impeça. O segundo recado é para ele suspender a distribuição de drogas durante os festejos de natal e ano novo.
- Eu? Como?
- Vá até ele e diga o que eu estou mandando. É uma missão.
Quero perguntar mais. Mas o velho e mais três anões se recolhem no outro cômodo me deixando sozinho.
Saio da casa e entro no trenó, as renas começam a correr. O fenômeno ocorre de forma inversa. Volto para a estrada no mesmo lugar em que a moto voou. Parece uma alucinação, mas é real. Eu vejo, eu sinto.
Chego afoito em casa. Ainda são 22h15. Resolvo ir ao encontro do chefe do tráfico, conhecido como chefe do movimento.
- Quero falar com o chefe.
- Pode dizer que eu transmito. - Fala o rapaz que faz a guarda da sede.
- É um recado direto.
Diante agora do chefe armado e sorridente, eu tremo.
- Trago para você dois recados do Papai Noel.
Gargalham tanto da minha cara que chegam a babar.
- Verdade. Se você não deixar o pessoal da igreja distribuir os brinquedos e não suspender a distribuição durante as festas natalinas e de final de ano, você não terá mais mercadoria.
- Sai daqui moleque. Parece que fumou baseado vencido. Tá malucão. Não temos tempo para isso.
Saio da sede do movimento meio cismado com a situação. Nunca tinha feito um papel tão ridículo.
Manhã do dia seguinte. Acordo da noite mal dormida. Assim que piso do lado de fora, vejo dois caras do movimento no portão.
- O chefe quer falar com você. – Levam-me até ele.
- Que palhaçada é essa, garoto? Que história é essa de Papai Noel me enviar um recado?
Conto para ele toda aquela maluquice da noite anterior. Como eu tinha comprado minha moto e o que aconteceu na estrada. Ele me ordena que eu o entregue a moto. Tive que atender.
Ele me retém na casa enquanto um de seus comandados sai na minha máquina mágica.
Durante esse tempo fico sabendo que toda mercadoria dele tinha virado balas, doces e pirulitos.
Quando o comandado volta, ofegante, conta que passou pelo mesmo que eu. Ele havia se encontrado com o Papai Noel. Até a transformação da moto em trenó e renas é constatada.
- E aí gente. O Mané também tá pirado.
- Não é piração não, chefe. Eu vi, eu senti. Os recados são os mesmos de ontem.
Sou libertado. Arrumo uma desculpa no trabalho para a minha falta naquele dia. Não vou também à faculdade. É final do período e minha situação já está resolvida em todas as disciplinas.
Chegando o natal, percebo a comunidade bem alegre. Há distribuição de brinquedos pelo pessoal da igreja. No ano novo é a vez do pessoal do movimento distribuir brindes entre as crianças. Parece que há uma trégua na distribuição da mercadoria. São dias de paz na quebrada. Se eu contar como foi difícil para eu fazer parte dessa missão, não haverá ninguém que não desconfie que eu esteja mentindo. No mínimo eu estaria aumentando os fatos. Dirão que é tudo fantasia da minha cabeça.